ABECIP na mídia

31/05/2016

Vendas caem e devoluções disparam

Empresas enfrentam o desafio de preservar o caixa diante de estoques elevados e queda real de 8,48% no preço médio em 20 cidades.

Daniela Rocha

O setor  imobiliário  residencial  foi  de  um  extremo  a  outro  de  forma  abrupta.  Após  ter  passado  por  uma fase  vigorosa  entre  2008  e  2013,  com  salto nos lançamentos e nas vendas, aumento do volume de financiamentos e forte valorização nos preços dos imóveis, entrou em trajetória negativa. De 2014 para cá, as incertezas políticas e a crise econômica prejudicaram esse mercado.

O sonho da casa própria ou de mudar para um imóvel melhor ficou mais difícil com o aumento do desemprego, a corrosão da renda pela inflação, a alta das taxas de juros e a retração na oferta de crédito. "A situação política precisa ser resolvida o mais rápido possível. O mercado imobiliário depende de condições de confiança claras. Há sérios problemas conjunturais que precisam ser resolvidos, e os consumidores têm receio de assumir financiamentos de longo prazo", afirma Rodrigo Luna, presidente da Federação Internacional Imobiliária (Fiabci-Brasil). Para ele, o desempenho do setor segue fraco, com estoques ainda elevados.

A desaceleração aparece em diversos indicadores. Segundo o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) junto com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), em 16 capitais e principais regiões metropolitanas houve quedá de 32% nos lançamentos de janeiro a novembro de 2015 sobre igual período de 2014. As vendas de unidades novas caíram 13% na mesma base de comparação. A diminuição do ritmo de novos empreendimentos em 2015 causou a demissão de 414 mil trabalhadores em todo o país. 

Outro estudo, realizado pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) junto com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), indica que entre dezembro de 2015 e fevereiro de 2016 foramlançados 16.752 imóveis no país, queda de 8,6% sobre igual período anterior. As unidades vendidas nos três meses até fevereiro deste ano atingiram 22.362, queda de 18,9%.

Na cidade de São Paulo, um importante termômetro do mercado, houve redução de 37% nos lançamentos residenciais em 2015, segundo o Secovi-SP. Em 2016, a situação continua devagar. De janeiro a março, foram lançadas 1.692 unidades residenciais, menos 23% em relação ao mesmo período de 2015 (2.191 unidades), a menor quantidade desde 2004.

Para Flavio Amary, presidente do Secovi-SP, em todo o país, as incorporadoras estão fazendo um esforço de vendas de estoques, oferecendo condições atrativas. ''Algumas vezes, comercializam com preços mais baixos do que os custos de reposição." O preço médio de venda dos imóveis em 2015 apresentou queda real de 8,48%, segundo pesquisa da Fipe em 20 cidades.

O volume de financiamentos de imóveis com recursos da caderneta de poupança, a principal fonte do setor, caiu 33% em 2015, alcançando R$ 75,6 bilhões, ante o pico histórico registrado no ano anterior, de R$ 112,9 bilhões. Os dados são da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), que prevê para este ano outra queda acentuada. "Se continuarmos no baixo ritmo registrado na abertura do ano, chegaremos a apenas R$ 40 bilhões em financiamentos concedidos", diz Gilberto Duarte de Abreu Filho, presidente da Abecip. As taxas de juros para compra de imóveis subiram nessa modalidade. Isso porque, em 2015, os saques de recursos da caderneta de poupança superaram os depósitos em mais de R$ 50 bilhões. A tendência de saldo negativo prossegue neste ano.

Em 2015, a redução dos financiamentos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) foi parcialmente compensada pela evolução das concessões com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mecanismo mais estável e com taxas menores, direcio¬nado ao programa Minha Casa Minha Vida.

Atualmente, a estrutura total de financiamento para habitação no Brasil supera R$ 1 trilhão, levando-se em consideração ainda o crescimento das Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). Mas, com a retomada da economia, segundo representantes do setor, será importante o desenvolvimento de novas fontes.

Em 2015, as maiores empresas do setor registraram perto de 50 mil distratos ou desistências de compras de imóveis, mais de 1 O, 7% em relação ao ano anterior, conforme a pesquisa Abrainc/Fipe. Esse tem sido o principal problema enfrentado desde o agravamento da crise, gerando litígios e prejudicando o caixa das empresas. Com o objetivo de reduzir a insegurança jurídica em tomo dos distratos, a Abrainc, a CBIC, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e a Comissão Nacional dos Defensores Públicos do Consumidor (CNDPCON) assinaram um pacto no fim de abril firmando algumas regras para os novos contratos. Podem ser adotadas duas fórmulas. Na primeira, o cliente paga multa de 10% do valor do imóvel até o limite de 90% do valor já pago. Na outra, o cliente perde a entrada (sinal) mais 20% das parcelas já pagas. Além disso, os valores podem ser devolvidos pelas companhias aos desistentes em até seis parcelas. Hoje, segundo a Fiabci-Brasil, os distratos ainda estão em patamares elevados e representam, em média, 30% das entregas no país.

A Cyrela tem adotado algumas estratégias para gerar caixa e reduzir estoques. "Mantemos foco na assertividade, conservadorismo e critério nos lançamentos, a fim de oferecer produtos diferenciados ou em regiões muito demandadas", diz Eric Alencar, CFO da companhia. Os lançamentos da Cyrela no primeiro trimestre de 2016 somaram R$ 616 milhões, valor 33% superior a igual período de 2015.

Foram seis novos empreendimentos em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. As vendas líquidas contratadas nos primeiros três meses deste ano somaram R$ 544 milhões, queda de 25% em relação ao mesmo período de 2015. Do total comercializado no primeiro trimestre de 2016, 5 7% se referem a venda de estoques e 43% de lançamentos.

A Even também trabalha para reduzir as unidades re¬manescentes. Nos três primeiros meses do ano, as vendas somaram R$ 315 milhões, dos quais 77% de imóveis em estoque e 23% de lançamentos. A comercialização foi 24% acima do montante do mesmo período de 2015,mas 32% menor que o resultado do quarto trimestre do ano passado. Entre janeiro e março de 2016, a Even lançou dois empreendimentos no segmento de loteamentos e um projeto de médio padrão no Rio Grande do Sul, com valor geral de vendas (VGV) de R$ 97 milhões. Em igual período de 2015, a empresa não havia lançado novos projetos.

"Privilegiamos produtos aderentes que têm alto índice de vendas", diz Dany Muszkat, copresidente da Even. Ele diz que a companhia investiu em sete novos terrenos com valor potencial de vendas de R$ 169 milhões, também no Rio Grande do Sul. O índice de distratos da Even tem caído e está na ordem de 20% das entregas.

"Os lançamentos tiveram uma toada elevada no primeiro trimestre", afirma Eduardo Fischer, presidente da MRV, maior operadora do Programa Minha Casa Minha Vida, com atuação na produção para as faixas 2 e 3 (valor máximo de R$ 225 mil, sendo a 2 com subsídio até R$ 27,5 mil e a 3 sem subsídio). Nos primeiros três meses deste ano, a empresa alcançou R$ 1,23 bilhão em vendas contratadas e os lançamentos somaram R$ 1 bilhão, 3,8% superiores ao mesmo período de 2015. 

"Neste ano, vamos apostar em novos projetos em cidades médias de São Paulo, Minas Gerais e Paraná", diz Fischer. No terceiro ou quarto semestre deste ano, a incorporadora irá lançar o maior empreendimento de sua história na cidade de São Paulo, no bairro de Pirituba, na zona oeste. "O VGV está previsto em R$ 1,6 bilhão. Isso demonstra que estamos confiantes. Independente das dificuldades do país, o setor tem uma equação positiva."

Em 2015, segundo Ricardo Ribeiro, vice-presidente da Direcional Engenharia, as vendas de imóveis das faixas 2 e 3 do Minha Casa Minha Vida avançaram 32%, apesar de o total de comercialização da empresa ter caído, incluindo os imóveis residenciais de médio e alto padrão e os comerciais. "Tivemos poucos lançamentos ao longo de 2015. Começamos este ano melhor." No primeiro trimestre, a companhia lançou dois projetos, com 488 unidades e VGV de R$ 101 milhões, 417% acima do registrado nos mesmos meses de 2015. Um dos empreendimentos é de alto padrão, em Belo Horizonte (MG), que soma R$ 56 milhões. O outro projeto, no segmento 2 e 3 da Minha Casa Minha Vida, fica em Itaboraí (RJ), no valor de R$ 45 milhões. De janeiro a março deste ano, as vendas líquidas totalizaram VGV de R$ 118 milhões, mais de 226% quando comparados ao mesmo período de 2015. Desse total comercializado, 55% foram para a fatia de habitação da população de baixa renda.

Adquirida em 2008 pela Gafisa, a Tenda vivenciou muitos problemas e foi mesmo considerada um péssimo negócio. Até que em 2012 a empresa decidiu não lançar nada para se reestruturar e atuar só na faixa 2 do programa Minha Casa Minha Vida. O método de construção foi alterado, garantindo padronização dos empreendimentos, rapidez e escala. Outra mudança é que os lançamentos passaram a ocorrer apenas com o financiamento já amarrado com os bancos. "A velocidade dos repasses é crucial nesse segmento", afirma Felipe Cohen, CFO da Tenda. Os distratos acontecem quando os compradores desistem do negócio diretamente com a incorporadora, antes de obter o financiamento dos bancos. A Tenda reduziu essa janela entre 60 e 90 dias. Em 2014, a companhia havia fechado o ano com 57% de distratas; e, no primeiro trimestre deste ano, o percentual de desistências sobre as vendas brutas foi de apenas 14,8%. O número de projetos lançados pela Tenda é crescente. Em 2013 foram sete, em 2014 houve um salto para 14 projetos e no ano passado para 30. No primeiro trimestre do ano, os lançamentos totalizaram R$ 229,5 milhões e incluíram nove projetos em São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco.

FONTE: VALOR SETORIAL INFRAESTRUTURA