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24/03/2025

Crise climática obriga construtoras a adaptar canteiros de obras (Estadão Imóveis)

Especialistas defendem mudanças urgentes para proteger trabalhadores e construções

À medida que as temperaturas sobem, a crise climática se consolida como uma preocupação nos canteiros de obras. O calor extremo, chuvas incessantes e desastres naturais obrigam as construtoras a repensarem suas estratégias para não colocar seus empreendimentos e trabalhadores em risco. A atenção ao tema, porém, parece ainda ser incipiente e restrita. 

De acordo com Francisco de Assis Mendonça, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) Emergência Climática, o assunto demanda urgência porque quem trabalha em canteiros de obra são os mais impactados. “Em toda a história humana, os pobres são sempre os mais afetados pelas intempéries”, pontua.

“Os trabalhadores braçais realizam muito esforço físico, estão submetidos ao calor e tem um processo de desidratação mais intenso”, ilustra o professor. “Isso impõe uma necessidade de repensar urgentemente a rotina deste grupo”. Ele argumenta que é necessário, por exemplo, mudar o cronograma dos canteiros para evitar horários mais quentes e picos de calor.

Pensar em espaços de sombreamentos, oferecer mais momentos de repouso e disponibilizar água refrigerada são outras orientações de Mendonça para melhorar as condições de trabalho. “Eles não podem ficar das cinco horas da manhã às sete da noite na obra. As emergências climáticas obrigam mudanças no setor”, alerta. 

Iniciativas de mercado

Com sede em Londrina, no Paraná, a Vectra Construtora adotou uma série de medidas para melhorar as condições de vida dos seus trabalhadores diante dos efeitos da crise climática. Há cerca de três anos, a empresa começou a implementar medidas que vão da obrigatoriedade de equipamentos de proteção a projetos de conscientização. 

A empresa oferece água gelada, protetor solar, uniformes com camiseta de manga longa, óculos de proteção com lentes escuras e realiza palestras sobre o risco do câncer de pele no início de cada obra. E esta prevenção se estende para além do perigo dos raios solares, explica Giulliano Francisquete Dias, coordenador do serviço especializado em segurança e medicina do trabalho (SESMT) da construtora.

“Realizamos o monitoramento do clima constantemente, principalmente em dias de intensas chuvas ou tempestades. Caso seja necessário, as atividades são interrompidas para a proteção dos colaboradores”, sintetiza. “Se muitos raios começam a cair ou se o vento passar de 42 quilômetros por hora, paralisamos tudo”, exemplifica Dias. 

As mudanças também fizeram a empresa passar a utilizar materiais mais resistentes no fechamento dos canteiros. Ao invés da tradicional madeirite, agora os tapumes são construídos com eucalipto tratado, justamente para resistir à força dos ventos.

Outra preocupação é com as descargas elétricas oriundas de tempestades, que fizeram a empresa adicionar bota de borracha entre os instrumentos que ficam à disposição dos trabalhadores. Além disso, todos os equipamentos e quadros de distribuição são aterrados, para evitar acidentes. 

Preocupação incipiente

Durante a produção deste texto, o Estadão entrou em contato com diversas incorporadoras para entender quais ações elas estão tomando para proteger o trabalhador diante dos problemas causados pela emergência climática. Mesmo que algumas delas se posicionem como sustentáveis e atentas às questões ESG, a maior parte se recusou a participar da reportagem. 

Uma exceção é a Plano&Plano. Gustavo Trombeli, diretor de engenharia da construtora, diz que durante a onda de calor, a área de segurança do trabalho intensificou a necessidade do uso constante de touca árabe para proteger o pescoço, além de outros equipamentos de proteção individual e instrumentos para evitar a luz solar e o calor intenso.

“Também fizemos uma campanha de hidratação e de uso de protetores solares nas obras, incluindo mais bebedouros em locais estratégicos e sinalizações de apoio, para que os colaboradores não deixem de consumir mais água ao longo do dia”, acrescenta.

O movimento da incorporadora reflete a importância dos cuidados com a saúde dos trabalhadores, mas contrasta com a baixa aderência do mercado ao tema.

Entre 1º de janeiro e 10 de março deste ano, o Ministério do Trabalho recebeu 404 denúncias com referência ao termo “calor”. O número já representa quase metade das 817 denúncias recebidas em todo o ano de 2024. Em 2023, foram recebidas 671 denúncias que tinham referência ao termo, o que ilustra como o tema vem se tornando cada vez mais sensível para os trabalhadores.

Áreas com atividade a céu aberto, como construção civil, agricultura, transporte de cargas e passageiros, são responsáveis pela maior parte das denúncias. Trabalhadores que se sentirem prejudicados de alguma forma devem realizar uma denúncia no site do Ministério do Trabalho. 

Novas dinâmicas de trabalho 

Adriana Hansen, diretora técnica de sustentabilidade do Centro de Tecnologia de Edificações (CTE), aponta que é fundamental pensar em novas dinâmicas, mas muitas incorporadoras enfrentam desafios impulsionados pela diminuição no tamanho dos terrenos – o que dificulta, por exemplo, construir áreas mais amplas para descanso ou infraestrutura de suporte maior para os canteiros.

No entanto, ela observa que o maior problema é o desconhecimento do setor. “O custo desta adaptação varia de acordo com o canteiro, mas é ínfimo diante do valor necessário para implementar o canteiro de obras em si”, declara. Não à toa, o mercado está olhando com mais atenção para os efeitos da crise climática na construção civil. 

A adoção de bacias de microdrenagem e reservatórios para controlar o fluxo de água da chuva e a construção de baias para o armazenamento de areia como estratégia para lidar com os ventos fortes são algumas das medidas adotadas por companhias do segmento, indica Hansen. “A sustentabilidade deve ser democrática e ela é viável sendo democrática”, defende.

FONTE: ESTADãO IMóVEIS