Em 1999, três colegas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-USP) resolveram abrir um escritório e oferecer uma nova visão da arquitetura contemporânea ao mercado. Deu certo! Hoje, os sócios da FGMF — Fernando Forte, Lourenço Gimenes e Rodrigo Marcondes — assinam projetos premiados e desfrutam de reconhecimento nacional e internacional.
A seguir, eles dividem suas opiniões sobre a relação dos arquitetos com o mercado imobiliário, as tendências de produtos e o novo jeito de morar no alto padrão.
A arquitetura autoral voltou com força ao mercado?
Rodrigo Marcondes — No segmento de alto padrão, sim. De 2010 para cá, temos muitas empresas realizando projetos interessantes nesse sentido, e não só em São Paulo. Incorporadores da capital e de outras regiões vêm percebendo que investir em arquitetura autoral ajuda a vender os imóveis.
Mas houve um período de estremecimento, por quê?
Fernando Forte — Entre os anos 1970/80, houve uma certa cisão entre os arquitetos e o mercado. Culpa dos próprios arquitetos, que não estavam organizados como classe e não queriam trabalhar para empresas identificadas com o governo da época. A política atrapalhou.
Qual o impacto disso nos anos seguintes?
Houve um afastamento do interesse das pessoas pela arquitetura. Então, na cabeça da população, ficou a dúvida: para que construir uma casa ou prédio com um arquiteto? Faz só com um engenheiro! Nos anos 1980, se a referência de arquiteto era o Oscar Niemeyer, que veio de um período mais distante. Nos anos 1990, foram os decoradores é que se tornaram muito conhecidos também.
E como isso se refletiu no mercado?
Passaram a valer no mercado apenas a localização e o metro quadrado. A partir daí, vieram bizarrices como o estilo mediterrâneo, edifícios neoclássicos — projetos que imitavam prédios da França, de 30 andares com mansardas (janelas pequenas usadas para ventilar o sótão onde ficavam os criados em construções antigas da Europa) na cobertura. Ou seja, a pessoa compra um triplex e, em vez de aproveitar a vista, ficava fechada nos ambientes. Este exemplo é o ápice desse descolamento entre a arquitetura e mercado imobiliário.
Essa cisão deixou marcas em São Paulo?
Sim, basta comparar dois bairros da cidade: Higienópolis e Moema. Ambos têm uma divisão fundiária parecida, com uma avenida central e perfil sociocultural dos moradores semelhante. Mas o primeiro cresceu nos anos 1950/60, quando não havia a separação entre mercado e arquitetura. Então, vários arquitetos, como Vilanova Artigas e Jorge Zalszupin, fizeram uma fileira de prédios interessantes. Quando veio o período da ditadura, esse processo foi interrompido por questões ideológicas.
Já em Moema, como a verticalização é posterior — entre 1970 e 2000 —, a qualidade arquitetônica dos prédios é muito inferior. O resultado dos térreos, que são fundamentais para a construção do passeio público e da paisagem urbana, foi muito pior.
E quando esse movimento começou a mudar?
Nos anos 1990, Isay Weinfeld, Marcio Kogan e o Claudio Bernardes começaram a fazer muitos projetos residenciais de alto padrão que deram mais visibilidade à arquitetura junto a esse público. A incorporadora Idea!Zarvos apareceu nesse mesmo momento e abriu alas no mercado para projetos autorais. E deu certo! Eles ganharam dinheiro e passaram incólumes pela crise, enquanto outras, não. Isso fez o mercado começar a perder o medo de investir nesse tipo de prédio. Houve também a questão da internet e o aumento das viagens ao exterior nos governos FHC e Lula, que deram novas referências de arquitetura tanto para os clientes, quanto para os empresários do setor.
O que é mudou no jeito de morar no alto padrão?
Lourenço Gimenes — Não sei se isso ficará como residual, mas, durante a pandemia, as pessoas passaram a valorizar mais o espaço externo. Olhar a casa para fora, não só para dentro. Mas o mercado ainda é muito conservador e, em geral, não tem mudado muito, exceto pelo home office, que deve ficar como legado. O contato com o exterior também.
Fernando Forte — A cozinha também mudou. Há 15 anos, quando sugeríamos abrir a cozinha para o ambiente de estar, o cliente ou o incorporador rejeitavam a ideia. Agora, todo projeto de apartamento com 250 metros quadrados tem de abrir a cozinha. Flipou totalmente. E tem uma curiosidade com os banheiros: o Brasil tem o maior número de banheiros per capita do mundo! Um apartamento de alto padrão com quatro quartos, por exemplo, precisam ter suítes, mais lavabo e banheiro de serviço. E tudo isso para um casal morar ali.
Fachada ativa nos prédios novos tem sido um ponto polêmico nas cidades. Como vocês avaliam?
Lourenço Gimenes — A mistura de usos é um fator de equilíbrio das infraestruturas urbanas. Quando se tem um bairro inteiro assim, a chance de você morar a dois quarteirões do trabalho e ir a pé é maior. Mas não é apenas uma questão de mobilidade. A rede elétrica, por exemplo, passa a não funcionar somente por blocos de tempo, com picos nos períodos entre os horários comercial e de folga. Isso gera problema de superdimensionamento de rede, que fica ociosa em grande parte do dia. Quando se tem essa mistura, há um equilíbrio. No futuro, isso deve ser aprofundado para dentro dos prédios, como a questão das vagas de garagem, que hoje são calculadas por empreendimento e não pela demanda do bairro.
Rodrigo Marcondes — Quanto mais prédios assim, mais interessante, viva e segura a cidade vai ficar. Se há um ecossistema de fachadas ativas no bairro, mais pessoas vão se interessar em frequentar os espaços, lojas e ruas, mesmo fora do horário comercial. Outra coisa que tem mudado é o diálogo dos empreendimentos com a cidade. Pensar o projeto de dentro para fora. Calçadas mais largas, espaços de uso comum, bancos para os pedestres, sombra e sem grades. Isso transforma os espaços e valoriza os empreendimentos.
Diversificar é bom para o negócio?
Fernando Forte — A gente sempre acreditou nesse modelo de fazer de tudo. E acabou dando certo, mas tem muitas dores atreladas. Quando se faz só uma coisa, cada projeto sai mais fácil que o outro, embora você fique com algumas amarras de vícios de soluções. Quando se faz de tudo, financeiramente fica-se mais exposto. Por outro lado, há o desejo de poder criar e experimentar. O lado ruim é a gestão, mais complicada. O lado bom é que uma coisa alimenta a outra. O que se aprende numa casa pode valer para um prédio. Uma solução de uma cadeira pode servir para uma fachada.
É verdadeira a famosa rixa entre engenheiros e arquitetos?
A gente nunca brigou com eles! O que acontece é um medo sobre se aquele projeto vai dar certo. Então, cabe ao arquiteto mais autoral mostrar que, além de bonito, aquela proposta fechará a conta e será boa para o business.