A gestão e a aquisição de terrenos vêm se tornando um dos grandes desafios enfrentados pelas incorporadoras brasileiras. As localizações mais disputadas nas grandes cidades demandam investimentos altíssimos e um trabalho de convencimento que envolve muitas famílias e pode demorar vários meses ou anos.
Este esforço de tempo e custos, por vezes, se reflete nos valores dos empreendimentos. A conta é simples: quanto mais bem localizado é um terreno, mais incorporadoras ficam interessadas e maior a demanda.
Em uma entrevista ao Estadão Imóveis em março, Antonio Setin, Presidente da Setin Incorporadora, afirmou que a falta de terrenos para a construção de prédios voltados para a classe média e média alta é um dos maiores gargalos do setor.
No entanto, este não é o cenário observado no segmento econômico. Pelo menos não de acordo com Renée Silveira, Diretora de Incorporação da Plano & Plano. Ela afirma que, apesar do aumento de competitividade, o mercado já está preparado para a demanda.
Segundo Renée, a concorrência por terrenos é estimulada pelo bom momento do mercado imobiliário, impulsionado por iniciativas como o Minha Casa, Minha Vida e a queda da taxa Selic, enquanto as definições do Plano Diretor de São Paulo ajudam a abrandar o cenário.
Em meio a disputas por terra, a companhia criou estratégias de negociação, desenvolveu parcerias e adapta seu produto ao público comprador. Não à toa, a construtora registrou um lucro líquido de R$ 268,6 milhões em 2023 e os 28 empreendimentos lançados no ano somaram R$ 3,3 bilhões em Valor Geral de Vendas (VGV).
Por que a competição por terrenos vem aumentando no Brasil?
O mercado imobiliário é cíclico e depende de uma série de fatores que envolvem, principalmente, o ambiente econômico. E agora estamos vivendo um bom momento. Pode-se falar, por exemplo, da taxa Selic em tendência de queda, dos incentivos maiores a fundos imobiliários, a diminuição de valores no regime especial de tributação (RET) e as mudanças no Minha Casa, Minha Vida.
Tanto é que muitas empresas estão mudando o perfil de atuação ou aumentando a produção de empreendimentos, o que faz com que a disputa por terrenos aumente. Hoje, está, sim, mais difícil.
Antes você fazia uma proposta e era bem provável que o vendedor aceitasse. Isso é bom para quem é terrenista, claro, e vai passar a receber propostas altas de várias empresas.
Então o setor vive uma crise? Já é possível observar uma ausência de terrenos no mercado?
Não acredito que a escassez de terrenos seja um problema. Ainda existem muitas áreas vazias em São Paulo, áreas desestruturadas. O mercado está se adaptando e identificando essas áreas. A demanda aqui é de mais de 600 mil unidades e ainda tem muito espaço para o mercado crescer diante da importância do setor imobiliário para a cidade.
Dentro dos Planos de Intervenção Urbana (PIUs), previstos pelo Plano Diretor, por exemplo, ainda vemos áreas carentes de empreendimentos – locais ociosos ou que têm um uso divergente do que está acontecendo em seu entorno. São áreas que abrigavam indústrias ou fábricas e que precisaram ser reestruturadas porque estão próximas de transporte público ou vias de acesso.
Em algumas regiões, estes terrenos são muito disputados por conta dos benefícios oriundos desta boa localização. Mas isso não significa que eles não existem. Nestes locais de alto e médio padrão, dificilmente o incorporador vai conseguir comprar um terreno grande. Ele vai precisar comprar várias casinhas para chegar no espaço que almeja.
Por outro lado, no segmento econômico, onde as localizações são menos centralizadas, é mais comum você encontrar um terreno grande, que vai abrigar todo o empreendimento, e você vai precisar negociar com um só terrenista.
Para se ter ideia, no ano passado compramos 19 terrenos. Isso significa que hoje temos um banco de terrenos de quase 13 bilhões em potencial de VGV.
Como é este processo de negociação de terrenos aí na Plano&Plano?
A compra de um terreno para incorporação é muito diferente de uma casa. Às vezes, passamos de seis meses até um ano nesta jornada. Não enxergamos o terreno em si, mas, sim, o potencial que ele tem.
Os terrenos são a nossa matéria-prima, a base do nosso planejamento. Portanto podemos pagar até R$ 10 milhões por um terreno se ele fizer sentido economicamente. Não adianta oferecer ao comprador final um produto que custe R$ 300 mil se ele não vai conseguir comprar. Aí calculamos, com base no quanto vamos gastar na comercialização deste empreendimento, para entender o valor que conseguiremos arcar.
É por isso que não trabalhamos com leilão de terrenos. Uma das nossas estratégias é a parceria.
O que é esta parceria? Como funciona na prática?
Temos terrenistas que são parceiros da Plano&Plano há tempos e já estão participando do quarto empreendimento, por exemplo. É por isso que não estamos com dificuldade para adquirir terrenos. Eles são majoritariamente adquiridos via permuta financeira e 95% do que eles vão receber é apenas depois da aprovação do projeto e do lançamento dos produtos.
Caso um terreno custe R$ 10 milhões, por exemplo, nós podemos negociar com o proprietário que ele terá direito a 10% das unidades do empreendimento que será lançado ali. Se a Plano&Plano construir 800 unidades, ele fica com 80 e pode se sentir livre para vender, guardar, alugar ou o que quiser com estes imóveis.
Já a permuta financeira, que é o que mais praticamos aqui, geralmente o terrenista ganha uma porcentagem do valor geral de vendas daquele empreendimento enquanto as transações acontecem. Imagine um prédio com VGV de R$ 120 milhões e você vendeu 30 unidades no primeiro mês por R$ 5 milhões. O terrenista vai ganhar 10% destes 5 milhões.
Assim, se eu conseguir vender muito rápido e acima do valor do mercado, ele vai receber valores mais altos e de forma mais rápida.