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21/01/2025

‘Crowdfunding’ cresce no setor imobiliário (Valor Econômico)

Autorizadas a distribuir CRIs, plataformas passam a fazer transações com FIIs e family offices

Em meio à forte redução dos recursos da caderneta de poupança disponíveis para o financiamento do setor imobiliário, incorporadoras de menor porte, que não têm acesso fácil ao mercado de capitais, ampliaram suas operações de captação via plataformas eletrônicas de investimento coletivo, conhecidas como “crowdfunding”. Esse movimento, somado a novas regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que ampliaram formas e valores de captação, inclusive permitindo a oferta de certificados de recebíveis imobiliários (CRIs), inseriu essas plataformas no mapa dos fundos de investimento imobiliário (FIIs) e até de multi-family offices.

O resultado foi um forte crescimento do segmento em 2024. Dados da CVM mostram que o volume de operações em geral quase quadruplicou: com R$ 610,8 milhões em ofertas em andamento e R$ 774,3 milhões encerradas, o total chegou a R$ 1,385 bilhão em 2024 (dados disponíveis no site da autarquia no dia 30 de dezembro), frente a R$ 320,9 milhões em 2023 (R$ 48,5 milhões em andamento e R$ 272,4 milhões encerradas). Os valores deram peso às plataformas e garantiram presença na agenda do órgão regulador deste ano, para melhoria das regras de securitização e “tokenização” de ativos. A previsão de Paulo Deitos, presidente da Associação Brasileira de Crowdfunding de Investimento (CrowdInvest), que não tem estatísticas do setor imobiliário separadamente, é de um “crescimento brutal” nos próximos 12 meses.

“Em 2024 sentimos que o mercado estava conhecendo e se adaptando às alterações regulatórias, que aconteceram no fim de 2023”, diz. “Entramos na rotina dos fundos imobiliários e no ano que vem mais gente vai perceber que é uma saída para viabilizar operações, principalmente de CRI, em volumes mais baixos.” Deitos comenta que, no início de 2024, ouviu de incorporadoras que continuariam preferindo o funding bancário, mas, a partir do quarto trimestre, essas mesmas empresas saíram em busca das plataformas. “Eles não acreditavam que o dinheiro ia acabar.”

A Longitude, por exemplo, atua, na região de Campinas (SP), no segmento econômico, que tem recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas faz um mix de captações e usa o crowdfunding desde 2017. Isso porque, explica Guilherme Bonini, co-CEO da incorporadora, o empreendimento tem vários momentos. No lançamento, um empréstimo-ponte “tira o projeto do chão”, montando estande de vendas, unidade decorada e peças de marketing. Depois, a Caixa financia 80% do valor de avaliação do imóvel, mas muitas vezes o comprador não tem os 20% restantes. Essa parcela a Longitude financia em até 73 vezes, e os recebíveis servem de lastro para novas captações.

“O crowdfunding é um dos veículos, assim como fundos que entram como equity ou empréstimos, mas essa parcela não chega a 5% do valor total da obra”, diz. Com R$ 1 bilhão em 12 obras entregues em 2024, a Longitude planeja lançar 14 em 2025, num total de R$ 1,1 bilhão. “Desde 2017, já foram mais de R$ 50 milhões em 26 empreendimentos e mais de 60 rodadas de captação via plataformas de investimento coletivo”, afirma.

Um dos principais parceiros da Longitude é a Urbe.me, que faz parte do Grupo Ospa e já estruturou captações para mais de 25 empreendimentos da incorporadora. Rodrigo Rocha, sócio do grupo e diretor à frente da plataforma, diz que hoje tem quase 600 empresas do setor em sua base, sendo que 220 se cadastraram em 2024 em busca de soluções de financiamento. “Muitas sofreram com as limitações da poupança, com alguma demora na aprovação do programa Minha Casa, Minha Vida, ou com dificuldades no crédito bancário”, afirma.

Conforme o perfil da operação, a plataforma direciona para sua base de clientes. Algumas foram para investidores individuais, e outras, para institucionais. “Com individuais, devemos fechar o ano com algo próximo a R$ 40 milhões aportados, frente a um ‘pipeline’ de negociação de quase R$ 200 milhões com investidores institucionais”, diz Rocha.

A Urbe.me foi uma das primeiras a atuar no crowdfunding imobiliário e hoje é correspondente bancário, ou seja, é regulada pelo Banco Central, e planeja expandir a atuação, já que começou em 2024 a operar com gestoras, bancos e family offices. Os novos nichos que a empresa está acessando concentram as atenções no momento, inclusive. “Ainda temos pessoas físicas em nossa base, mas não investimos em captar novas. O foco está em institucionais, cuja demanda começamos a sentir no fim de 2023”, comenta.

Atualmente são 10 mil investidores individuais ativos, numa faixa de R$ 2 mil a R$ 10 milhões cada, e 30 gestoras, o que elevou o valor de R$ 1 milhão a R$ 5 milhões por operação para até R$ 60 milhões, com foco em incorporadoras de porte médio. Já estão previstos quase R$ 200 milhões para o primeiro semestre de 2025, basicamente com FIIs, diz Rocha. “O volume de institucionais ultrapassou o de pessoas físicas em 2024, com R$ 50 milhões contra R$ 45 milhões.” Para individuais, o instrumento é a cédula de crédito bancário (CCB); para institucional, CRIs.

Em 2022, a Resolução CVM 88 autorizou as plataformas de crowdfunding a levantar recursos para grupos econômicos que faturam até R$ 40 milhões por ano, sendo que o limite anterior era de R$ 10 milhões, e elevou o limite de captação de R$ 5 milhões para R$ 15 milhões. No segundo semestre de 2023, explica Deitos, da CrowdInvest, a CVM atualizou as regras, permitindo a distribuição de papéis securitizados, como CRIs e CRAs. Se cumprirem os requisitos, as ofertas não necessitam de registro ou análise pela CVM, o que facilita as emissões e reduz custos. O incentivo teve efeito também no registro de novas plataformas: em 2019 eram 32, enquanto no terceiro trimestre de 2024 o número havia mais que dobrado para 82.

Deitos, também CEO da plataforma Captable, diz que há uma impressão errada de que as operações via crowdfunding são mais arriscadas. “Fizemos vários projetos bem robustos, com bons incorporadores, mas que não estavam acessando o funding bancário”, diz. “Antes a conta não fechava, mas com o crowdfunding fecha para pequenas ofertas.” Conforme dados de plataformas, a inadimplência no segmento gira em torno de 8%. No entanto, um investidor pessoa física que queira sair da operação pode encontrar falta de liquidez para vender sua cota. As plataformas podem intermediar a negociação dos títulos que elas emitiram no mercado secundário, mas é um serviço ainda incipiente.

Também como medida de proteção ao investidor, a resolução da CVM limita o montante a ser aportado a R$ 20 mil por exercício social, exceto no caso de investidores qualificados, do investidor líder, e de investidores cuja renda bruta anual ou montante de investimentos financeiros seja superior a R$ 200 mil.

A Captable, conta Deitos, fez mais de R$ 200 milhões em operações em 2024, no setor imobiliário, no agronegócio e por meio da venda de participações em startups, principalmente. São mais de 100 mil investidores cadastrados, e mais de dez mil já participaram de transações.

De acordo com Deitos, os juros das operações imobiliárias ficam entre 17% e 20% ao ano, enquanto o financiamento com recursos da poupança custa de 10% a 13% para grandes incorporadoras. Já a antecipação de recebíveis tem juros médios prefixados de 20% e o crédito sem garantias, de 25% a 30% ao ano. “Neste ano esperamos que não fique muito mais caro do que isso, mas, com a volta do aperto monetário, ainda não temos precificado o que vai acontecer. Está todo mundo pisando em ovos e esperando os movimentos em janeiro e fevereiro.”

Para captar essas operações, as plataformas usam parceiros, como fintechs e escritórios de assessores de investimento. Um desses é a Finamob, que origina a operação, preparando a empresa para se enquadrar nas regras e demandas do mercado e, dependendo da transação, auxilia na estruturação. Murilo Marchesini, sócio-fundador da fintech, explica que uma emissão de CRI pelos meios tradicionais de bancos coordenadores custa de R$ 400 mil a R$ 500 mil, o que inviabiliza captações mais modestas.

A Finamob distribuiu 21 operações em 2024, num total de R$ 320 milhões e, para 2025, pretende chegar a R$ 1 bilhão, sendo de R$ 100 milhões a R$ 200 milhões via crowdfunding. “Cada vez mais os bancos vão fechar a torneira, diante da inadimplência em alta e dos saques da poupança”, avalia. “Em 2024 fomos na terceira marcha e agora vamos na quinta. É um bolso do qual vamos nos aproximar cada vez mais, porque essa fatia de operações mais exóticas precisa de mais flexibilidade”, diz.

FONTE: VALOR ECONôMICO