Embora a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tenha se mostrado alinhada às expectativas do mercado, o ambiente continua a indicar um nível elevado de incerteza, dada a volatilidade nos preços das commodities. “E o próprio BC menciona no comunicado que está pronto para, eventualmente, estender o ciclo”, afirma David Beker, chefe de economia no Brasil e estratégia para América Latina do Bank of America (BofA).
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Em entrevista ao Valor, ele se diz confortável com a expectativa de Selic a 13,25% no fim do ciclo, ao esperar uma alta de 1 ponto no juro em maio e um aumento final de 0,5 ponto em junho. Quanto à reação do mercado hoje, Beker espera que os juros futuros se ajustem em alta forte, de pelo menos 0,2 ponto, enquanto o real pode ter espaço para apreciação adicional.
Valor: A decisão do Copom veio em linha com as expectativas?
David Beker: O mercado já esperava que o Copom entregasse uma alta de 1 ponto nesta reunião, porque o próprio Banco Central disse que reduziria o ritmo de elevação da Selic. O BC não só reduziu o ritmo, mas também já se comprometeu com um novo aumento de 1 ponto na próxima. A decisão foi bem em linha com o que nós esperávamos, mas o mercado estava um pouco dividido em relação à comunicação.
O Banco Central sempre menciona o risco fiscal como um fator que pode ser de pressão altista na inflação”
Valor: O BofA projeta a Selic a 13,25%, com uma alta final de 0,5 ponto em junho. A decisão do Copom altera esse cenário?
Beker: Não. Temos que esperar ainda a ata para ver se ela traz alguma informação adicional, mas, por enquanto, estou confortável com a ideia de o Copom entregar uma alta de 1 ponto em maio e fazer um aumento final de 0,5 ponto em junho. Apesar disso, temos que ter em mente que o cenário está sujeito a um nível de incerteza muito alto. E o próprio BC menciona no comunicado que está pronto para, eventualmente, estender o ciclo.
Valor: A inclusão de um cenário alternativo chamou a atenção?
Beker: O BC sempre trabalha com vários cenários nas reuniões, mas normalmente publica só o de referência. Mas, como estamos em um ambiente de muita incerteza, em que os preços de commodities estão se movimentando e estão muito voláteis, ele optou por dar outro cenário para os preços do petróleo. Eu diria que, em relação à modelagem do BC, o cenário de referência, que aponta para o IPCA em 7,1% em 2022, ficou em linha com o que se imaginava, dado o preço do petróleo utilizado, que foi antes da queda mais recente. O número está em linha com o esperado. No cenário alternativo, ele traz uma inflação mais baixa, de 6,3%. O interessante é que, nos dois cenários, a inflação está bem mais alta que na decisão anterior.
Valor: Os números do Copom destoam das projeções do BofA?
Beker: Nós projetamos uma inflação de 6,5% neste ano e de 4% em 2023. O risco para a nossa projeção deste ano é altista. As estimativas de inflação estão sujeitas a muita incerteza, dada a volatilidade das commodities. Estou confortável com os 4% que eu espero para o próximo. Óbvio que tem risco de inércia maior, mas os 4% que nós temos incorporam um pouco desses riscos de inflação mais alta.
Valor: O BC disse considerar que o risco fiscal já está parcialmente incorporado nas expectativas inflacionárias. A sua projeção de 4% já incorpora esses riscos?
Beker: O BC sempre menciona o risco fiscal como um fator que pode ser de pressão altista na inflação. Como já tivemos movimentos importantes das expectativas, elas acabam respondendo aos choques e à incerteza fiscal. Não é uma calibragem fácil explicar o quanto do aumento é atribuído ao risco fiscal. O BC está basicamente assumindo que parte da deterioração das expectativas de inflação reflete a deterioração fiscal. Sobre essa questão das contas públicas, temos todas as discussões de curto prazo, mas vai depender muito de qual é a agenda do próximo governo. É difícil incorporar isso nas projeções, já que as eleições são só em outubro e não sabemos nem sequer quem são os candidatos. Nossa projeção de 4% para a inflação de 2023 incorpora mais a inércia inflacionária.
Valor: E em relação ao crescimento? Há viés em relação aos números de atividade deste ano?
Beker: O crescimento está sujeito a esse choque importante de termos de troca. O mercado estava com números um pouco pessimistas para o ano e tem revisado essas projeções para cima. O risco para o nosso crescimento de 0,5%, que já incorpora uma Selic de 13,25%, ainda é altista. Somando todas as forças, achamos que o choque é para cima em relação à nossa projeção de 0,5%.
Valor: A Selic mais alta afeta as expectativas para o crescimento econômico de 2023?
Beker: Para o ano que vem, há espaço para o juro cair. Trabalhamos com uma Selic de 10,5% no fim do ano. O Focus incorpora até um número mais baixo para a Selic. Estou confortável com a minha projeção de 1,8% de crescimento em 2023, mas também vai depender muito do cenário eleitoral.
Valor: Como o mercado deve reagir à decisão?
Beker: Nossa expectativa é a de que haja um movimento para cima dos juros. A curva tinha essa alta de 1 ponto e um pouco de redução do ritmo adiante. Como o BC colocou que pode reavaliar a extensão do ciclo e se comprometeu com um aumento de 1 ponto na próxima reunião, acho que podemos ver uma alta das taxas de pelo menos 20 pontos-base [0,2 ponto percentual]. Para o câmbio, embora a decisão tenha vindo em linha com o que a gente esperava, ela foi um pouco mais “hawkish” [conservadora] do que o mercado estimava. Isso dá apoio à moeda e, para o real, vai gerar um movimento de apreciação na margem. O dólar estava perto de R$ 5, foi para R$ 5,16 e devolveu um pedaço hoje [ontem]. Esse movimento de volta rumo aos R$ 5 pode continuar, mas condicionado ao cenário externo.
Valor: O dólar a R$ 5 está em um nível sustentável quando se olha um pouco mais à frente?
Beker: Olhando para os termos de troca e para o tamanho do choque, o risco é de mais apreciação da moeda, mas as commodities estão muito voláteis. É consenso que o câmbio está em patamar depreciado. Quando olhamos os modelos de equilíbrio, eles apontam para um câmbio que, eventualmente, pode se fortalecer, mas que está sujeito às incertezas, que incluem o Federal Reserve (Fed), que começou o seu ciclo de alta de juros, e a evolução das discussões eleitorais.
Matéria publicada em 17/03/2022