Fundada nos anos 1970, a Setin Incorporadora acompanhou diversas transformações do mercado imobiliário brasileiro. De mudanças no Plano Diretor à criação no Minha Casa, Minha Vida, a companhia precisou se reinventar para permanecer relevante em sua atuação na cidade de São Paulo e no interior do estado.
Ostentando um portfólio que engloba 119 empreendimentos lançados e mais de 22 mil unidades, a incorporadora prevê o lançamento de dois empreendimentos residenciais com Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 500 milhões em 2024. Um edifício voltado para o mercado de alto padrão e outro com foco em unidades de médio padrão, segmentos que fomentaram a trajetória da companhia nestes 45 anos recém-completos.
A atenção para o mercado econômico surgiu muito depois, apenas com a criação da Mundo Apto, braço da companhia que lança imóveis passíveis de serem enquadrados em programas de habitação popular. Este ano, a empresa planeja lançar cinco empreendimentos residenciais com essas características e um VGV de aproximadamente R$ 450 milhões.
À frente da companhia, Antonio Setin admite que foi um erro não ter observado o Minha Casa, Minha Vida antes. O Presidente e fundador da Setin Incorporadora se mostra otimista com o futuro do programa, elogiou a Caixa Econômica Federal e acredita que o comportamento de compra do público de alta renda é impulsionado pela emoção.
Em entrevista ao Estadão Imóveis, Setin afirma que a falta de terrenos é um gargalo do setor, admite que o mercado já está sofrendo com falta de mão de obra e prevê um aumento no preço dos imóveis nos próximos anos.
Qual é o papel dos programas de habitação para os incorporadores e o setor imobiliário no Brasil?
Para você ter uma ideia, quando o Minha Casa, Minha Vida começou, há 15 anos, pensei em ficar de fora. É um programa de governo, com funding de governo e imaginei que isso não daria certo. Só depois de ver que o programa funcionava que eu resolvi entrar. Errei de não ter entrado antes.
Agora, temos a Mundo Apto,um braço da Setin focado em apartamentos de R$ 180 a R$ 200 mil. Estamos em um momento em que, mais do que nunca, este é um programa da plataforma do atual presidente. Temos a sorte de ter um funding como o FGTS, que é bastante favorável. Se não fosse por isso, a pessoa de mais baixa renda não teria a sorte de ter acesso a habitação. É uma conjunção muito feliz”.
Às vezes, os brasileiros têm a mania de olhar para órgãos públicos como que se não fossem sérios, mas a Caixa é o oposto disso. Tem uma governança incrível. O MCMV é um programa que dá lucro para a Caixa, para o trabalhador e para o operário do fundo de garantia.
Vocês atuam principalmente no mercado de alto e médio padrão. Com a tendência de queda da Selic, qual é o cenário para este segmento atualmente?
Já assisti quase todas as mudanças de moeda e quase todos os planos de governo. Ao longo desse tempo, vi que para sobreviver no Brasil, em especial na área imobiliária, é preciso ser um malabarista. E durante essa jornada, sempre trabalhamos com médio e alto padrão. São produtos que começam em R$ 500 mil e vão até a R$ 2 ou 3 milhões.
Observo que na alta renda, o comprador já mora bem, já está estabelecido. Quando ele vai comprar um imóvel é porque quer ir para um apartamento mais moderno ou buscar uma arquitetura nova, que faça mais sentido para naquele momento.
Já o público de classe média não tem o dinheiro dos ricos e nem recebe os incentivos do segmento econômico. Portanto, ele depende dos juros.
Durante a alta dos juros que vivemos nos últimos anos, se tornou difícil achar compradores que tenham condições de assumir um financiamento. Agora estamos caminhando para uma redução, chegando a um dígito em breve. Isso vai modificar bastante o ânimo e o poder de compra deste público.
Você já falou que o setor imobiliário enfrenta bastante dificuldade com a falta de terrenos para incorporação. Como a Setin faz para resolver esse problema?
A falta de terrenos é um dos maiores gargalos do mercado imobiliário, principalmente em praças já consolidadas, como São Paulo. Simplesmente não existem terrenos para construção de prédios voltados para a classe média e média alta. Esses terrenos precisam ser construídos.
Nós prospectamos casas, galpões e prédios em áreas importantes da cidade e temos uma equipe dedicada a negociar imóvel por imóvel para construir o terreno. Já chegamos a ter que convencer 30 famílias para compor um só terreno. E se um desses proprietários desistir do negócio, nós perdemos dois anos de trabalho.
+ Por que se constrói prédios tão altos no Brasil?
Além disso, existem as normas definidas pelos entes públicos. O potencial construtivo de uma área, definida pelo Plano Diretor, é determinante para esta tarefa. Este é um dos motivos que faz o custo da produção da moradia voltada para classe média e média alta ficar mais cara.
Isso é diferente da baixa renda. Porque neste segmento os imóveis não precisam estar necessariamente bem localizados.
Este custo para produção de moradia também está ligado ao preço da mão de obra, certo? Diversas empresas do setor já estão sofrendo com a falta de profissionais. A Setin também enfrenta essa dificuldade?
A mão de obra é um ponto de atenção importante e não é só em São Paulo. Quando comecei a reportar essa lacuna, há uns dois anos, colegas que atuam em outras praças não entendiam. Hoje todos dizem que têm esta mesma dificuldade.
Um pouco antes da pandemia, contratávamos serviços de carpintaria por R$ 450 o m³ de forma. Hoje em dia, essa mesma metragem custa mais de R$ 1 mil. E isso vale para instalações, acabamento, pintura…
Atualmente, só se vê pessoas mais velhas nas obras. Os filhos destes profissionais não querem seguir a profissão do pai. Não querem ser pedreiros, carpinteiros, ajudantes.
E como vocês fazem para lidar com este cenário?
A primeira providência que tomamos aqui foi aumentar o prazo das obras para até 34 meses. Você não consegue mais dizer para um funcionário ‘venha trabalhar no sábado’ porque ele não vem. E se você insistir, ele atravessa a rua e vai trabalhar em outro canteiro de obra ganhando mais.
A outra providência é começar a estudar a industrialização. Porém, este é um processo de evolução mais lenta.
Então a tendência é de que os imóveis fiquem mais caros?
Ironicamente, os imóveis no Brasil estão muito baratos. O metro quadrado de um imóvel em um bom bairro de São Paulo, como Perdizes e Vila Mariana, custa de R$ 2.500 a R$ 4 mil dólares. Numa cidade boa de qualquer outro lugar do mundo, você não compra nada razoável com esse valor.
E nem estou falando de Paris. Com 10 mil dólares o m² você compra um imóvel na melhor rua do melhor bairro de São Paulo, enquanto com este mesmo valor, você compraria apenas em um bairro periférico de Miami. E o potencial de São Paulo é muito maior do que o de Miami.
A margem das incorporadoras está pequena e os preços precisam de reajuste.
E eu já consigo começar a ver esse ajuste em breve, porque a alta no volume de vendas contrasta com a queda de lançamentos. Ou seja, os compradores consumindo o estoque das incorporadoras e elas estão fazendo caixa. Isso abre espaço para que tenham coragem de recuperar o preço.
A tendência é que continue tendo menos lançamentos, fazendo com que o estoque baixe e o preço comece a se recuperar. Como os imóveis em estoque ainda estão com os preços desatualizados, eu diria que o momento de comprar é agora.
A Setin e a Mundo Apto atendem compradores de segmentos diversos. Há uma notável diferença entre quem compra imóveis enquadrados no MCMV e imóveis de alto ou médio padrão?
Sim. Um tem fome e precisa se alimentar rápido. Essa pessoa não pergunta se é filé ou contra-filé, quer comida na mesa.
Na baixa renda, as pessoas querem morar com dignidade. A primeira coisa que o corretor pergunta para elas é ‘quanto o senhor ganha?’. Na alta renda, ele diz ‘sente-se, vamos entender o que você procura’.
Na média e alta renda, é totalmente emocional. O comprador tem que estar envolvido com aquela rua, com aquele imóvel, tem que estar em um bom dia com o cônjuge. Ele vai entrar no decorado e dizer “olha essa geladeira”. É uma compra para realizar o sonho do filho, o sonho da filha.
Já os imóveis do segmento econômico são compras menos impulsionadas por emoção. O fato de estar debaixo de um teto já é suficiente. Evidentemente esta pessoa está com o emocional pulsando, mas por outras razões.