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26/06/2018

"Quem não investir em tecnologia sai fora do jogo", diz fundador da MRV

Otimista por natureza, continua apostando no extraordinário potencial do país, mas se diz preocupado com os descaminhos políticos e econômicos

São Paulo – Na semana passada, o empresário mineiro Rubens Menin chegou ao topo do mundo – e não vai aqui exagero algum. Menin foi eleito, em evento realizado em Mônaco, Empreendedor do Ano Global da EY (antiga Ernst & Young), uma das principiais distinções do mundo corporativo. Desde a criação do prêmio, em 2011, jamais um representante da América do Sul havia recebido a honraria, que é concedida a partir de critérios como espírito empreendedor, desempenho financeiro, inovação e impacto global do negócio. Presidente do conselho de administração e fundador da MRV Engenharia, a maior construtora residencial do Brasil, Menin é um profissional inquieto. Nos últimos meses, ele tem percorrido o mundo para conhecer experiências inovadoras na área da habitação. “Quem não investir em tecnologia, estará fora do jogo”, diz ele.

Otimista por natureza, continua apostando no extraordinário potencial do país, mas se diz preocupado com os descaminhos políticos e econômicos. “Temos uma série de problemas estruturais para serem resolvidos, as reformas pararam”, lamenta. “Parece que todo o Brasil está esperando as eleições.”

Menin não quer esperar. Até agosto, vai lançar um movimento nacional apartidário para propor agendas positivas ao país. Entre elas, o compromisso com a ética na política e nos negócios. “A corrupção é o maior antiempreendedorismo que existe no Brasil”, afirma. Nesta entrevista, ele fala sobre política, economia, negócios e explica como a sua empresa, um colosso presente em 150 cidades brasileiras, com 24 mil funcionários e que, no ano passado, alcançou R$ 6,1 bilhões em vendas, conseguiu superar um dos períodos mais sombrios da história recente do país.

Por que o setor imobiliário está demorando para se recuperar? - O setor passou por período muito difícil. Nos últimos três anos, caímos 50%, muito mais do que o PIB brasileiro. Isso é um absurdo, uma coisa muito grave. Acho que aquela crise levou a gente para o fundo do poço.

Que fatores fizeram com que a crise se agravasse? - Diria que foram três motivos básicos. Primeiro, o juro mais alto. Isso bate direto no bolso do consumidor, afugenta o cara. O segundo ponto: os distratos. Os distratos machucaram muito a indústria da construção. Teve prédio que foi vendido 100% e 90% foi distratado. Isso aí foi um negócio que desestabilizou muito a indústria. Muitas empresas, inclusive as grandes, tiveram prejuízos enormes. E o terceiro ponto é o seguinte: o setor vive de emprego, de renda. Quando você tem não só o desemprego, mas a incerteza do futuro, o índice de confiança do consumidor diminui muito. Ninguém compra um imóvel em clima de insegurança. É aquilo que o pessoal fala: vivemos uma tempestade perfeita.

O setor perdeu muitos empregos, não é? - Desempregamos mais de 1 milhão de pessoas. Um negócio completamente maluco. Em uma indústria em que você precisa contratar mão de obra intensiva, que tem demanda grande, a gente manda embora. É o contrário do razoável. Então, acho que isso foi muito ruim.

Alguns desses entraves começaram a ser resolvidos. A regulamentação dos distratos, por exemplo, passou na Câmara e agora está no Senado. - Sim, está no Senado e depois vai para sanção presidencial. Se passar, acho que vai ser resolvido um grande problema do setor. Isso é bom para toda a sociedade. E o consumidor será beneficiado. Quanto mais segurança para todos os envolvidos no negócio imobiliário, melhor para o país.

A crise econômica não está ligada à instabilidade política? - Infelizmente, a política está atrapalhando demais. A incerteza política é muito ruim. O Brasil começou o ano com previsão de crescimento de 3% de PIB. Agora, já se fala em 1,5%. Isso é muito ruim. Depois de três anos de queda pesada, esse crescimento não vale nada. Crescer 1,5% tem significado igual a 0%. Temos uma série de problemas estruturais para serem resolvidos, as reformas pararam. Parece que todo o Brasil está esperando as eleições. O que desejo, honestamente, é que as eleições não tenham efeito de desunir ainda mais o país.

A propósito, você lançou recentemente programa que tinha como meta a união da sociedade. O que é esse movimento? - Tivemos um grupo de pessoas trabalhando nisso com afinco. Ainda não apresentamos oficialmente, mas devemos lançar a qualquer momento. Acho que não podemos mais nos dar ao luxo de desunir o país. Estamos pagando um preço muito alto por essa briga de A contra B. Não dá para ser assim. O Brasil precisa de união, mas tenho muito medo de que a política atrapalhe isso. A polarização pode ser boa para os políticos, mas é péssima para a população.

O movimento tem alguma cor partidária? - Não é partidário. Vamos propor agenda mínima voltada para a ética. A gente precisa deixar claro o que não vai aceitar mais. É preciso colocar esse parâmetro para a sociedade, mas não podemos ter política partidária nisso.

Como o Brasil chegou a esse ambiente de polarização? - Vejo o seguinte: a população está muito machucada. E com razão. A credibilidade da classe política está muito ruim e aí o populismo floresce. Isso não é fenômeno brasileiro, é mundial. Os regimes autoritários hoje estão vindo do voto popular. Olha que coisa horrorosa estamos falando. A gente não tinha mais nem que pensar em autoritarismo, ditadura, essas coisas abomináveis. Isso é indiscutível. E a gente tem visto alguns países caminharem para isso.

Há um descontentamento generalizado na sociedade. - Acho o seguinte: a gente não pode colocar a culpa nos outros. Outro dia saiu uma pesquisa que mostrou que 65% dos brasileiros estão querendo deixar o país. A culpa é nossa, não dos caras que estão querendo se mudar. Da nossa geração, que deixou um legado ruim para a turma que quer sair. Isso é terrível, uma das piores notícias que já vi, uma coisa que me deixou muito triste. No fundo, as elites brasileiras são as culpadas, porque elas foram omissas. Falo da elite política, empresarial, intelectual, artística, qualquer elite. Fomos omissos.

A corrupção tem peso enorme no nível de descontentamento dos brasileiros. - A corrupção é uma desgraça. Com a corrupção, você concorre em condições de desigualdade. A concorrência tem que ser livre. O que é corrupção? É alguém querendo levar vantagem competitiva em relação ao outro. A corrupção é o que há de pior para os negócios no Brasil. É uma coisa horrorosa, tem que acabar.

O que fazer para mudar esse cenário? - Acho que a gente tem que colocar a nossa impressão digital. Por alguma razão inexplicável, a elite brasileira passou a ter medo de colocar a impressão digital dela. Nos outros países, as elites são mais atuantes. Precisamos falar “olha, acho isso, acho aquilo, isso precisa ser assim, que tal ir por esse caminho?” O que a gente está fazendo com esse movimento apartidário é reunir um grupo de pessoas para discutir o Brasil. Vamos fazer um grande evento em agosto e assumir o dever cívico de propor uma agenda voltada para a ética.

Diante dos resultados das últimas pesquisas, que apontam a liderança dos representantes dos extremos, você acha que há alguma chance de um candidato de centro ser eleito? - Acho que sim. A eleição está atrasada como nunca esteve. O número de pessoas nas pesquisas que não votam e não sabem quem escolher é muito alto. Vejo que as cartas ainda não foram distribuídas. A hora que a campanha começar para valer, e imagino que isso ocorra depois da Copa do Mundo, quem vai ganhar é aquele ou aquela que não for dos extremos. Vai ser o candidato de união.

Você está animado com o Brasil? - Olha, vou te contar uma coisa, não fico desanimado nunca, sou extremamente otimista. Estou preocupado, o que é bem diferente de desanimado. Aí você me pergunta como é possível acreditar no Brasil diante de tudo o que vivemos. Respondo o seguinte: o potencial que o Brasil tem é fantástico. Enquanto sociedade, fizemos uma maldade danada com esse país. A verdade é que precisamos dar uma chance para o Brasil, criar as condições para que ele floresça.

A MRV resistiu bem à tempestade da crise. Como isso foi possível? - O segmento em que a MRV atua sofreu muito menos porque é onde há demanda reprimida. Além disso, tem outra vantagem considerável. Os juros do imóvel mais popular, como do Minha casa, minha vida, são limitados a 8% ao ano. Ou seja, o bolso do consumidor não foi tão prejudicado. Essa foi a grande ferramenta que possibilitou a todas as empresas que trabalham com imóveis populares, não só a minha, a sofrer menos com a crise.

O modelo de financiamento imobiliário brasileiro é adequado? - Tenho rodado o mundo olhando projetos populares. O modelo brasileiro é muito bacana, o mais equilibrado de todos. Ele tem uma fonte de financiamento boa, que é Fundo de Garantia. Ou seja, é um dinheiro do trabalhador, que volta para o trabalhador. Já rodei Estados Unidos, México, China, e o melhor modelo é o do Brasil. Nos Estados Unidos, o índice de propriedade tem caído muito. Nas grandes cidades, 70% das pessoas alugam.

Isso ainda é reflexo da grande crise de 2008? - Depois da crise de 2008, a renda do trabalhador americano se estabilizou. A China está entrando em uma bolha. No México, o setor deu uma implodida. No Brasil, bem ou mal, ele está mais firme. Aqui existe a formação de 1,5 milhão de novas famílias por ano. Isso não é déficit habitacional, é formação de novas famílias. Ou seja, temos que produzir 35 milhões de moradias nos próximos 20 anos. É um negócio maluco, que levará a indústria a crescer muito. Acredito muito na indústria do Brasil.

Como está a MRV neste ano? - O primeiro trimestre foi bom. O segundo trimestre está forte. No ano todo, viremos com força. Não só a MRV, mas todas as empresas do setor. Acho que 2018 vai ser um ano forte para a indústria da habitação e de boa recuperação para a indústria de médio e alto padrões.

Qual é o futuro do setor imobiliário? - Daqui pra frente a guerra vai ser de tecnologia e inovação. A indústria da construção não é globalizada como, por exemplo, a indústria automobilística. Você não pode pensar em inovação só no Brasil, mas em escala mundial. Não tenho nenhuma dúvida de que, no futuro próximo, as grandes marcas da indústria da construção serão globais.

Quando você fala em inovação, está se referindo a mudanças nos processos de construção? - Vou te dar um exemplo. A automação permite fazer um apartamento com menos pessoas, menos peso e mais qualidade. O pessoal fala muito em impressão 3D. Ela vai fazer a modulação com materiais muito mais resistentes, com mais qualidade, mais leves e baratos. Conseguimos, na MRV, reduzir o custo em 25% nos últimos 5 anos com inovação e tecnologia.

A MRV tem como meta se tornar uma empresa global? - Estrategicamente sim. Está no nosso planejamento. Se quisermos participar desse novo mundo que está surgindo, é preciso ser global. Não há outro caminho.

E como se alcança isso? - Tecnologia. Se você não tiver grande nível de tecnologia no seu negócio, está fora do jogo. Cada vez mais investimos em pesquisa e desenvolvimento. Estamos trabalhando muito no desenvolvimento de inteligência artificial, de robótica. Isso vai proporcionar grandes mudanças, e mais rápidas do que as pessoas imaginam.

A questão ecológica também se tornou importante na equação do mercado imobiliário, não é? - Sim, muito. Há 2 anos, fomos pioneiros em lançar prédios 100% com energia solar fotovoltaica. A rapidez com que a energia solar está entrando no mundo é um negócio maluco.

Qual é a sua jornada hoje em dia na MRV? - Fundei a empresa há 39 anos e há quatro fiz a sucessão. Não sou mais CEO, sou chairman. O que faço no dia a dia? Minha interação com a empresa se dá por meio dos comitês. E está comigo toda a parte institucional. Tenho um pouco de pena, porque saí da parte executiva, que gosto muito. Sinto falta. Tenho ido visitar menos obras. Estamos em 150 cidades, mas não consigo mais visitar todas. Antes, ia no mínimo uma vez por ano para cada uma delas. Agora não consigo mais.

FONTE: ESTADO DE MINAS