Marcus Vinicius Santaguita
O principal problema que o mercado imobiliário enfrenta na atualidade é a questão dos distratos. Como todos sabem, vivemos grave crise política e econômica que afeta fortemente os principais pilares nos quais se assentam o desenvolvimento do mercado imobiliário: emprego, renda e crédito, além da confiança tanto do empreendedor quanto do consumidor. Como consequência, reduziu-se drasticamente a demanda por imóveis.
O que realmente tem preocupado a nós, empreendedores, não é o baixo volume de vendas, mas sim um fator antes imponderável, mas que passamos a enfrentar diariamente em grande intensidade a partir de 2014: os altos números de distratos.
Para que um empreendimento se viabilize é fundamental que tenha um lançamento bem-sucedido em termos de vendas. É a partir dessas vendas que as empresas montam seu fluxo de caixa para desenvolver as obras para contrair financiamento para produção com os bancos, que exigem uma quantidade mínima de vendas e de obras para que iniciem o aporte de recursos.
As empresas investem fortemente no lançamento, atingem o volume necessário de vendas superam todas as dificuldades para concluir o empreendimento e quando finalmente vão concretizar o faturamento se veem Surpreendidas pelo alto número de distratos. E, ao invés de faturar, acabam tendo de devolver os recursos para os clientes desistentes, a unidade volta para o estoque e há grande dificuldade de revender a unidade. Esta, uma vez concluída, requer que o novo cliente tenha de dar a entrada do imóvel em um prazo reduzido, o que restringe o acesso para grande parte do público.
Isso é extremamente preocupante, pois afeta gravemente o fluxo de caixa das empresas, que têm compromissos assumidos contando com uma receita que não se efetivou, gerando um grande passivo, comprometendo seus resultados e até mesmo a operacionalização e conclusão de suas obras.
A dissolução do negócio acontece em duas situações. A primeira quando o comprador não consegue a aprovação total ou parcial de crédito pelos bancos ou porque perdeu o emprego. Na segunda, simplesmente pede o distrato por entender que o imóvel não valorizou na proporção que imaginava.
No caso da primeira situação, normalmente as construtoras tem se mostrado bastante abertas a ajudar o cliente, oferecendo financiamento direto ou remanejando-o para outro empreendimento de valor menor ou com a data de entrega mais distante de modo que ele possa ganhar “fôlego”. Na segunda situação, em que visivelmente há a “especulação” por parte do cliente, as construtoras têm sido mais rígidas e só tem aceitado o distrato nos termos previstos em contrato, que normalmente prevê a retenção de 20% a 30% dos valores pagos e devolução na mesma condição em foram pagos à construtora. Neste caso, nem sempre é possível o acordo, indo parar várias vezes no judiciário.
Toda essa confusão acontece por não existirem regras claras na lei de incorporações no tocante a distratos, o que dá margem para interpretações diversas. Esse cenário ameaça seriamente a viabilidade do mercado imobiliário, porque traz grande insegurança aos empreendedores que não se sentem seguros em relação à sustentabilidade das vendas.
Um efeito colateral desse quadro é a maior rigidez dos bancos na concessão de financiamento a produção, pois sabem que as construtoras dependem quase que exclusivamente da concretização da receita de vendas para fazer a quitação dos empréstimos concedidos para financiamento das obras.
Diante do exposto, torna-se urgente debater o tema com especialistas em direito imobiliário, empresários da construção civil, representantes dos principais bancos de financiamento imobiliário do país e membros do judiciário, a fim de encontrar uma solução para este impasse que afeta a todos.
*Presidente das Associação das Construtoras Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC (ACIGABC)