O mercado imobiliário lançou em São Paulo, de 2014 até o mês de junho, ao menos 120 empreendimentos com 11.788 apartamentos sem vagas de garagem. Os números foram apurados pelo Sindicato da Habitação (Secovi-SP) a pedido do Estado. O Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE) é o indutor desse tipo de imóvel.
Aprovado em agosto de 2014, o objetivo do PDE em vigor é promover o adensamento populacional nos eixos estruturantes da cidade, ou seja, em vias com acesso a estações de metrô, corredores de ônibus e ferrovias, a fim de desestimular o uso do carro. “Essa foi a grande sacada que levou os empreendimentos a terem um número maior de unidades sem vagas”, diz o coordenador do Comitê de Tecnologia e Qualidade do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), Renato Genioli.
Enquanto na lei de zoneamento anterior havia a exigência de que os empreendimentos residenciais tivessem no mínimo uma vaga de garagem por apartamento, o PDE atual incentiva que cada unidade, independentemente de seu tamanho, tenha uma vaga, no máximo. As vagas extras são permitidas, desde que a incorporadora pague uma taxa extra (chamada de outorga onerosa) para a Prefeitura.
A lei de zoneamento de 2016 detalhou ainda mais a questão, permitindo uma vaga de garagem a cada 60 m² de área construída. A orientação favoreceu os empreendimentos que mesclam unidades com e sem garagem, pois enquanto as unidades maiores podem ganhar mais de uma vaga para carro, os apartamentos menores ficam sem nenhuma. Assim, por exemplo, a incorporadora poderia fazer um apartamento de 100 m² com duas vagas de garagem e uma unidade compacta, de 20 m², sem vaga.
“É uma tentativa de otimizar uma restrição. Esse mix de produto é induzido pelo próprio Plano Diretor”, diz o presidente do conselho consultivo do Secovi-SP, Cláudio Bernardes.
Para o gerente da Mac Construtora e Incorporadora, Ricardo Pajero, os dados de lançamentos de unidades sem garagem refletem uma tendência. “Hoje, as pessoas buscam mobilidade, compartilham as coisas e não se apegam ao carro.”
A analista Marcela Fernandes, de 28 anos, adquiriu um imóvel de 26 m², sem vaga, no empreendimento Loadd, colado ao metrô São Judas. A jovem possui um automóvel, mas pensa em vendê-lo. “Pretendo usar mais o transporte público. Prefiro não ter vaga, assim o IPTU acaba ficando mais barato.”
Para a corretora de imóveis Elisabete Martinez, de 57 anos, que comprou um apartamento no mesmo prédio, o uso do carro está com os dias contados. “Você sai de casa, pega trânsito e ainda é surpreendido por multas. Além disso, há o IPVA, o seguro, o combustível e a manutenção. Por isso, não dirigir é uma tendência”, afirma. Levantamento realizado pela empresa Ipsos, com base em dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), revela que a emissão da carteira de motorista para condutores de 18 anos a 21 anos caiu 20,6% em três anos. Em 2017, foram 939 mil habilitações para essa faixa etária, contra quase 1,2 milhão em 2014.
Além de serem compactos – a área média de um apartamento sem vaga é de 31,5 m² –, essas unidades estão localizadas em zonas de fácil acesso ao transporte, com foco na região central. Todos os 17 distritos que, segundo o Secovi-SP, lançaram imóveis com essa característica nos últimos quatro anos estão totalmente ou parcialmente localizados no centro expandido da capital paulista.
“A localização passa a ser ponto fundamental para a aceitação de um apartamento sem vaga”, diz o diretor comercial da incorporadora You,Inc., Rafael Mentor. Ele afirma que, assim como as estações de metrô, hospitais, centros comerciais e universidades também são chamarizes para este tipo de produto.
Nivia de Souza, 32 anos, é analista de conteúdo e adquiriu um apartamento de 32 m², sem vaga, ao lado da estação BresserMooca. Para ela, a localização foi um fator decisivo na compra. “Meu plano é não ter carro, não só pelo custo que isso me traria, mas também pensando em São Paulo. É um ato político que posso ter diante dos problemas da cidade.”
Custo. As unidades sem vaga são mais baratas, uma vez que o custo de obra é mais baixo e isso, consequentemente, se reflete no valor final. “Com menos área total, o preço de venda é menor”, diz Genioli. De acordo com Bernardes, o custo de uma vaga tende a ter um peso ainda maior entre os compactos. “Digamos que uma vaga custe R$ 50 mil. Em um apartamento de R$ 1 milhão, o custo não é tão expressivo, mas em um imóvel de R$ 200 mil, representa um acréscimo de 25% no valor total.”
Imóveis sem vaga também costumam atrair, além daqueles que farão uso do imóvel, investidores. Quem compra para morar, geralmente, é jovem, mas também há divorciados, idosos que moram sozinhos e executivos de outros locais e que usam o imóvel só durante a semana. “São pessoas práticas, que precisam de mobilidade plena”, afirma Pajero.