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01/11/2023

A (tardia) declaração de constitucionalidade da lei 9.514/1997

Por Alexandre Junqueira Gomide

A discussão envolvida no RE 860631 teve por objetivo aferir "(...) a constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial nos contratos de mútuo com alienação fiduciária de imóvel, pelo Sistema Financeiro Imobiliário - SFI, conforme previsto na lei 9.514/1997".

Antes de tratar propriamente da decisão, deve ser ressaltado que a alienação fiduciária é a garantia responsável pelo desenvolvimento do mercado imobiliário nos últimos 20 anos e pela crescente elevação do crédito imobiliário às famílias brasileiras.

Devemos relembrar que, nos anos 90, a hipoteca foi bastante judicializada, tornando restrito (e de elevado custo) o acesso ao crédito imobiliário. Isso porque a morosidade e a insegurança jurídica que pairavam sobre a execução hipotecária aumentavam o risco na concessão do financiamento.

A partir da Lei 9.514/1997, com a possibilidade de execução extrajudicial da garantia de maneira segura e célere, as instituições financeiras ampliaram o acesso ao crédito e o mercado imobiliário se reinventou.

A verdade é que a garantia da alienação fiduciária não confere apenas segurança jurídica a quem concede o financiamento, mas, também, permite que as famílias possam ter acesso célere e simples ao crédito imobiliário.

E não se diga que a alienação fiduciária reduz os direitos do mutuário. A Lei estabelece procedimento que se coaduna com as disposições constitucionais e as normas gerais do Código de Processo Civil, aplicáveis a trâmites judiciais envolvendo direitos reais sobre bens imóveis.

Nesse sentido, uma vez inadimplida a obrigação, a Lei obriga que que o devedor fiduciante seja regularmente intimado, de modo que tenha a possibilidade de purgar a mora. Somente após o transcurso de referido prazo e uma vez não purgada a mora, a propriedade é consolidada em nome do credor fiduciário.

E mesmo após a consolidação da propriedade, o imóvel não é "tomado" pelo credor fiduciário, como lamentavelmente noticiado por parte da imprensa. Após a consolidação, a lei obriga o credor fiduciário a proceder com os leilões regulares, de modo a permitir que o imóvel possa ser arrematado por terceiros. Havendo arrematação, o valor que eventualmente sobejar deve ser restituído ao devedor fiduciante. Por outro lado, não havendo arrematantes e considerando que o bem já foi consolidado em nome do credor fiduciário, somente em tal hipótese o credor poderá se apropriar do imóvel. Atente-se, contudo, que a apropriação não é automática e sem que antes sejam respeitados os já referidos direitos do mutuário.

Também é relevante destacar que o procedimento de execução da alienação fiduciária é realizado por intermédio do Cartório de Registro de Imóveis que, regra geral, segue os exatos termos da lei 9.514/1997. Na hipótese de ausência de observância da regularidade da notificação, por exemplo, o Oficial não permite o prosseguimento do procedimento.

Portanto, não há qualquer lesão constitucional ou infraconstitucional aos direitos do devedor fiduciante. Ademais, não se retira a possibilidade de o mutuário, verificando infração aos seus direitos, propor ação judicial para, por exemplo, impedir o leilão ou suscitar qualquer infração às determinações legais.

Não é razoável, portanto, afirmar que o simples fato de a execução da garantia ser realizada de maneira extrajudicial implicaria infração aos direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal entendeu adequadamente pela constitucionalidade da lei 9.514/1997 e do procedimento de execução extrajudicial. Na qualidade de vice-presidente do IBRADIM, parabenizo o instituto pela participação como amicus curiae no processo, contribuindo com a correta interpretação e aplicação do Direito. É de se lamentar, contudo, que no ano de 2023 estamos discutindo a constitucionalidade da lei de 1997.

De todo modo, a decisão, embora seja óbvia, reforça a segurança jurídica e beneficia milhares de brasileiros que continuarão a ter acesso simples e célere ao crédito imobiliário. Caso a Corte houvesse declarado a inconstitucionalidade da lei 9.514/1997, uma infinidade de procedimentos seria obstada e certamente o crédito imobiliário voltaria a ser reduzido aos brasileiros.

Também é relevante destacar que uma parcela ínfima dos financiamentos habitacionais é inadimplida pelos mutuários, o que demonstra que a alienação fiduciária funciona adequadamente e cumpre a sua função.

Destaco, ao final, que embora a constitucionalidade da lei 9.514/1997 seja evidente, isso não significa que a lei não possa sofrer aperfeiçoamentos. Tais ajustes têm sido realizados ao longo dos últimos anos e, brevemente, o aprovado PL 4188 poderá trazer outras melhorias.

É por esse e outros motivos que o Seminário do Migalhas a respeito da lei, a ser realizado no dia 6 de novembro, mostra-se atual e relevante.

FONTE: MIGALHAS