As empresas de construção estão com dificuldades para honrar os contratos com incorporadoras, devido ao aumento dos custos de produção. O alerta vem do Sindicato da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP), que promoveu na última semana evento para orientar os empresários a lidar com as elevações de preço.
Apesar de aparecerem às vezes como sinônimos, incorporadoras e construtoras têm funções diferentes. As primeiras idealizam o projeto, vendem unidades e captam recursos, enquanto as segundas constroem o prédio. Há incorporadoras que também constroem, mas existem as “puras”, que terceirizam a obra.
O contrato entre essas partes é, em geral, de preço fechado, o preço máximo garantido (PMG), e reajustado pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). O problema, de acordo com o sindicato, é que o índice não tem conseguido refletir o aumento dos materiais, e as construtoras têm que absorver o prejuízo.
Na teleconferência para divulgar resultados do primeiro trimestre, a Helbor, por exemplo, ressaltou o fato de ser uma incorporadora pura como um dos motivos para o ganho de margem, apesar da inflação. Na ocasião, o diretor-financeiro Franco Gerodetti, afirmou que, por ter contrato de preço fechado, as construtoras arcavam com essa diferença.
Segundo Odair Senra, presidente do Sinduscon, é preciso sensibilizar o setor de que tanto incorporadoras quanto construtoras devem ter boa vontade no momento. Quem tem a responsabilidade de entregar as unidades vendidas são as incorporadoras, que podem ter problemas se suas parceiras não conseguirem realizar as obras. Caso as construtoras provem que os custos estão fora do previsto inicialmente, e por fatores que não dependem da sua vontade e capacidade técnica, podem abandonar o canteiro. De acordo com o sindicato, isso não está ocorrendo, mas as empresas estão preocupadas e é preciso agir para evitar um cenário do tipo, “péssimo para o mercado”.
Cesar Silveira, diretor-presidente da construtora e incorporadora Árbore Engenharia, que também faz obras para terceiros, afirma que tem sido procurado por concorrentes que estão com dificuldades para tocar os projetos, devido ao aumento dos custos. “Tem muita gente desesperada tentando milagre, muitos não vão conseguir honrar esses contratos”, diz.
Na sua empresa, ainda não há problema para tocar os projetos, mas as margens estão sendo comprimidas pela inflação e eles estão revendo o modelo de contrato de preço fechado para novas obras.
Yorki Estefan, vice-presidente institucional do Sinduscon, critica a elevação de preços feita por parte da indústria dos materiais, principalmente de aço e cimento. Os fabricantes estariam elevando preços para compensar a perda de vendas no varejo. “A longo prazo, o que adianta uma empresa subir tanto assim os seus valores se ela não vai ter pra quem vender?”, questiona. “A indústria tem que ter bom senso e visão sistêmica”.
Já os fabricantes de materiais questionam a dimensão dos aumentos. “O insumo subiu demais na opinião de quem? Tem guerra na Ucrânia, todo mundo sabe o que está acontecendo, as matérias-primas e insumos energéticos subiram por conta desse fator”, afirma Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Aço Brasil. Ele diz ainda que a narrativa do setor de construção “já cansou”.
No último mês, produtores e construtores tiveram um embate antes do governo aprovar a redução no imposto de importação do vergalhão de aço, material básico para o setor, de 10,8% para 4%, até o final deste ano. Os produtores diziam que o Brasil tem um dos vergalhões mais baratos do mundo e que o aumento, de 45% nos últimos 12 meses, foi menor do que na Europa e nos Estados Unidos.
Os produtores de aço e cimento alegam também que a elevação dos insumos de suas indústrias ainda está acontecendo, e que o mercado imobiliário tem conseguido repassar essas elevações dos materiais ao preço das unidades.
A solução indicada pelo Sinduscon para resolver o desequilíbrio nos contratos das obras é renegociar seus termos e incluir uma cláusula que deixe claro que, se a variação dos insumos for maior do que o que está refletido no INCC, há espaço para revisão.
Para o conselheiro jurídico do sindicato, Olivar Vitale, em contratos firmados antes da pandemia é possível alegar o princípio da imprevisibilidade para pedir uma revisão dos valores. Em contratos recentes isso fica difícil, daí a importância de incluir a observação sobre os custos da obra. “Os construtores têm que se unir, não dá mais para aderir aos contratos sem as cláusulas necessárias”, disse.
O setor da construção diz que o INCC também precisa refletir melhor a situação atual das obras e incluir novos métodos produtivos e tecnologias. Segundo Eduardo Zaidan, vice-presidente de economia do Sinduscon-SP, há um estudo para isso, mas a atualização não deve sair antes de três anos.
Enquanto isso, incorporadoras que terceirizam a obra encontram maneiras de auxiliar suas parceiras a atravessar o momento. A NextRealty, que faz prédio para locação residencial, tem conversado com as construtoras e adiantado a compra de insumos que vêm subindo mais, como caixilhos, fiação de cobre e aço. “Antecipamos essas aquisições e armazenamos junto com os fornecedores, no canteiro ou em galpão alugado, para não sofrer tanto impacto”, afirma Felipe Antunes, um dos fundadores da empresa.
Ele analisa que, com o dissídio dos trabalhadores da construção paulista, aprovado em maio, de 12,47%, o INCC deve aumentar nos próximos meses, o que vai ajudar a reequilibrar os contratos. O índice elevado também pesa mais nas parcelas de quem comprou um imóvel na planta, o que, associado à inflação geral do país e ao aumento dos juros, pode reduzir os novos lançamentos. Se isso ocorrer, a venda de materiais de construção também cai, o que tende a equilibrar os preços pedidos pelos fabricantes. O problema é que esse ciclo de regulação do mercado leva tempo para acontecer.
Ely Wertheim, presidente-executivo do Secovi-SP, afirma que a inflação é a principal preocupação do setor no momento, mas pondera que não é um problema apenas no Brasil. Para ele, deve haver arrefecimento das altas de preço em breve. “A tendência é começar a tender para estabilidade”, diz.
Os dados do Sindicato da Habitação, o Secovi-SP, sobre abril, mostram queda de 43,76% nos lançamentos de novas unidades na capital paulista, em relação a março, e de 15,4% nos lançamentos. Em divulgação dos resultados de abril, o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC) já demonstrou preocupação com essa queda.
Matéria publicada em 06/06/2022