As incorporadoras de alto padrão em São Paulo têm preferido acessar o mercado de capitais na hora de financiar seus empreendimentos. De acordo com as companhias, a relação mais longa e com perfil de sociedade, que pode começar desde o momento da aquisição do terreno, a agilidade na análise das propostas e uma participação mais ativa no desenvolvimento dos produtos são os motivos que justificam a opção por essas alternativas de financiamento — fundos de investimento imobiliário (FIIs), letras de crédito imobiliário (LCI) e certificados de recebíveis imobiliários (CRI) — em detrimento das instituições bancárias tradicionais.
Um estudo da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) comprova a tendência. Em 2020, os recursos oriundos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), usado pelos bancos, representavam 47% do “funding”. Em 2023, esse percentual caiu para 31%. E, em dezembro de 2023, o volume de recursos originados no mercado de capitais para crédito imobiliário ultrapassou a poupança pela primeira vez na História.
No segmento de alto padrão, esse cenário está cada vez mais consolidado. “Buscar um fundo imobiliário é nossa primeira opção de financiamento. Cerca de 90% dos nossos projetos têm sido feitos assim”, afirma Bruna Afonso, diretora de Incorporação da Construtora Adolpho Lindenberg.
De acordo com a executiva, uma das grandes vantagens na estratégia é poder contar com “inputs” valiosos vindos dos próprios investidores que formam os fundos, potencialmente compradores dos imóveis que a empresa constrói. “Eles trazem uma visão do cliente final muito importante e que ajuda a desenvolver um produto mais assertivo. Há projetos em que mudamos plantas e até os caixilhos de janelas depois de receber informações e demandas dos clientes da gestora”, diz Bruna.
No caso da Lindenberg, a parceria mais recorrente é com a Kinea Investimentos, que existe há 17 anos, mas a partir de 2016 passou a atuar com foco em projetos de alto padrão. Atualmente, dos R$ 132 bilhões que estão na carteira da Kinea R$ 33 bilhões são voltados ao mercado imobiliário.
“De fato, a procura dos parceiros do mercado imobiliário de alto padrão aumentou nos últimos anos, assim como cresceu a demanda por produtos do segmento por parte dos investidores também”, avalia Marcel Chalem, head de Estratégia de Desenvolvimento Imobiliário da Kinea Investimentos.
Como efeito colateral, a própria agência de investimentos precisou qualificar o time interno para atuar no segmento. Na Kinea, a equipe que cuida dos FIIs é composta exclusivamente por pessoas que vieram de construtoras, incorporadoras, imobiliárias e escritórios de arquitetura. “Apesar de vender investimento, temos um time com mais tijolo nas veias do que histórico de mercado financeiro. Isso faz muita diferença na hora de discutir projetos e produtos. No final, entregamos mais resultado ao nosso investidor”, afirma Chalem.
SÓCIO DA INCORPORAÇÃO
O diretor da Kinea destaca ainda que a relação dos FIIs com incorporadoras se desenvolve de maneira diferente quando comparada ao sistema bancário tradicional. Segundo Chalem, o perfil de capital utilizado na estratégia de altíssimo padrão é mais do sócio da incorporação participando do desenvolvimento imobiliário — desde a aquisição do terreno até a finalização da obra em si. “É um investimento que toma um risco diferente do dos financiamentos comuns, em que o dinheiro só vai entrar lá na frente, quando a obra já existe. É uma ajuda que chega ainda na fase de aquisição da área e representa uma exposição de capital muito grande, quando o incorporador está mais sozinho”, explica.
André Fakiani, CEO da incorporadora Global Realty Brasil (GBR), concorda com a análise. “Há fundos que conseguem nos apoiar desde o início. Isso tem dado um fôlego que, até dez anos atrás, as incorporadoras não tinham. É um recurso financeiro muito importante para o desenvolvimento imobiliário”, diz.
A GBR trabalha em parceria com a gestora Captal, 100% dedicada ao setor imobiliário. Atualmente, a empresa financia 17 projetos, com VGV estimado de R$ 1,2 bilhão. Como diferencial, a Captal oferece tecnologia.
A empresa tem uma plataforma própria de análise de dados que acelera a avaliação das propostas e gera “insights” fundamentais para uma tomada de decisão mais assertiva por parte do incorporador quanto à validade do projeto.
A ferramenta permite saber que empreendimentos tiveram melhor desempenho nas vendas naquele bairro, os tipos de produto existentes na região e fatores que podem influenciar a performance comercial, como a distância para o prédio vizinho e a segurança da rua. “Quando sentamos para discutir o projeto, levamos um arcabouço de dados que ajuda o incorporador a ter mais sucesso com o produto dele. Isso é do nosso interesse”, explica Leonardo Vianna, CEO e cofundador da Captal.
Na ponta final da cadeia, a participação das gestoras no desenvolvimento imobiliário também tem impactado o trabalho dos arquitetos — e de maneira positiva, na visão de Pablo Slemenson, da PSA Arquitetura. “O arquiteto é muito narcisista e acha que seu sonho é o mais belo. Precisamos quebrar o espelho e entender que existe um monte de perspectivas diferentes que fazem um bom produto imobiliário, não apenas o design. A chegada dos fundos trouxe uma visão de viabilidade permanente sobre os projetos que é muito saudável”, acredita Slemenson, que assina diversos empreendimentos de alto padrão financiados pelos FIIs.