Caio Megale
O PIB caiu 3,8% em 2015 e deve cair mais neste primeiro trimestre. A recessão prolongada é resultado da combinação da expressiva queda dos preços internacionais das commodities; de exageros do passado, que deixaram empresas e famílias alavancadas e custos de produção pressionados; e das incertezas geradas pela crise política atual.
Esses fatores continuam presentes (alguns se tornando mais agudos), de forma que dificilmente a economia se estabilizará no curto prazo. Ao mesmo tempo, a recessão, combinada com algumas políticas econômicas adotadas desde o ano passado, vem induzindo alguns ajustes que são condições necessárias para a recuperação econômica mais à frente, e que por vezes não percebemos quando estamos no meio do furacão.
Primeiro, o balanço de pagamentos está mais equilibrado. Com a depreciação cambial e a queda da absorção doméstica, o déficit em conta corrente recuou de 4,3% do PIB no final de 2014 para 2,9% hoje, e deve chegar próximo a zero até o final do ano. As exportações vêm reagindo consistentemente, indicando que o real mais desvalorizado devolveu a competitividade aos produtos brasileiros. A balança comercial, deficitária em 2014, deve alcançar um superávit de R$ 50 bilhões este ano, apesar da expressiva piora recente dos preços de nossas exportações.
Há avanços também na inflação. O necessário realinhamento de preços administrados foi feito e, em conjunto com a depreciação cambial, levou o IPCA para os dois dígitos em 2015. Era inevitável. O ajuste da política monetária e forte desaceleração da demanda, no entanto, estão atuando para que esse impacto inicial gradualmente se dissipe. É um processo longo, uma vez que o choque foi intenso (a inflação de preços administrados superou 18% ao ano) e a inércia da inflação brasileira ainda é elevada. Mas os efeitos positivos do remédio amargo começam a aparecer. A inflação de serviços está caindo e as expectativas para horizontes mais longos começaram a ceder. É provável que a inflação volte para o intervalo das metas já em 2017.
A recessão vem produzindo também um importante - embora ainda não suficiente - ajuste nos custos de produção. O indicador de custo unitário do trabalho calculado pelo Itaú, que subiu 15% entre 2010 e 2014, recuou quase 10% desde então. O excesso de oferta no mercado imobiliário abre espaço para uma negociação maior nos aluguéis comerciais. Os custos de energia e fretes, favorecidos também pela queda das commodities e pelo bom volume de chuvas, também devem recuar este ano. Diante da queda na demanda, as empresas vêm aumentando os esforços para racionalizar os gastos e ganhar eficiência, um efeito colateral positivo da crise, que tornará a economia brasileira mais produtiva no futuro.
Ao longo do tempo, portanto, a persistência nos ajustes vem deixando a economia mais equilibrada, abrindo espaço para a queda de juros e criando condições para uma possível retomada da demanda doméstica, menos alavancada depois de um longo período de queda do consumo e do investimento.
No entanto, estas são condições necessárias, mas não suficientes para a retomada da economia. Há pouco avanço do lado fiscal até agora. No ano passado, o governo conseguiu fazer algum controle em suas despesas correntes, mas não houve mudanças estruturais em relação ao gasto público. Reformas propostas pelo governo, como a mudança na idade mínima de aposentadoria, o limite constitucional para o crescimento dos gastos e menor indexação das despesas não avançaram.
Na ausência destas mudanças, a dívida pública como proporção do PIB continuará crescendo continuamente. A instabilidade fiscal persistente tende a elevar o risco Brasil, pressionando a taxa de câmbio e a inflação. Em outras palavras, o ajuste fiscal, se não for feito, põe a perder os demais ajustes em curso na economia.
As reformas, no entanto, dependem de consenso para serem aprovadas. É neste ponto que a crise migra da economia para a política. As incertezas recentes têm reduzido a visibilidade e aumentado a volatilidade dos ativos financeiros. Neste ambiente é pouco provável uma recuperação da confiança de empresários e consumidores.
Em um cenário em que este consenso político é alcançado e as reformas avancem, o país continuaria convivendo com déficits primários no curto prazo, mas em trajetória declinante. A melhora da perspectiva fiscal abriria espaço para uma recuperação mais rápida da economia, por diversos canais. A taxa de câmbio se estabilizaria, levando a uma queda mais rápida da inflação e da taxa de juros. A maior previsibilidade e a queda no custo de captação das empresas aceleraria o investimento, tanto local quanto estrangeiro.
Este cenário vem ganhando probabilidade? Talvez sim. Há sinais de que a sociedade brasileira está mais madura quanto à importância e urgência das reformas, especialmente do lado fiscal. Propostas semelhantes estão nos discursos do governo e da oposição, o que indica que elas podem avançar. Mas ainda parece ser necessário um consenso maior do que o atual.