RIO - Você se planeja, paga dezenas de parcelas altas e, na hora de receber o produto conforme o combinado, descobre que ele ainda não existe, de fato. A embaraçosa situação é enfrentada por um número cada vez maior de pessoas que investem num imóvel novo no país. Segundo a Associação Nacional dos Mutuários, o volume de reclamações por atraso na entrega das unidades aumentou 20% este ano, em relação a 2015, levando muita gente a um prejuízo angustiante.
— Este problema sempre existiu, mas acabou se tornando mais recorrente com a crise financeira — comenta a consultora jurídica da entidade Cristiane Curcio. — E isso é muito ruim, porque tem o efeito de uma bola de neve na vida das pessoas. É muito comum os compradores fazerem grandes planos em torno da aquisição de um imóvel. Tem gente que programa o vencimento de um contrato de aluguel para coincidir com a data prevista para a entrega das chaves ou até agenda um casamento em função disso. E remarcar essas coisas é um transtorno enorme.
A jornalista Aline Brito conhece bem esta situação. Ela comprou, em setembro de 2013, um apartamento em Niterói, cuja previsão de entrega era este mês. Mas a empresa abandonou a obra com apenas cerca de 30% da estrutura construída, em janeiro deste ano. Os proprietários, então, procuraram o banco responsável pelo financiamento para que uma providência fosse tomada e receberam a promessa de que uma nova construtora assumiria os trabalhos. Até agora, nada se concretizou.
— Já estou perdendo as esperanças de que isso se resolva. O que me deixa triste é perceber que o banco não está dando andamento aos problemas — desabafa Aline. — É muito frustrante passar por isso. Sou solteira e moro com os meus pais, o que facilita a minha situação. Mas conheço pessoas que estão com eletrodomésticos guardados em um quintal, enquanto esperam para se mudar.
A espera tem limite - Segundo o advogado especialista em direito imobiliário Arnon Velmovitsky, as construtoras estão com um índice elevado de restituição de imóveis e as vendas caíram substancialmente, o que agravou a saúde financeira dos negócios. Como consequência, há companhias com problemas sérios de caixa para dar andamento as suas obras.
Mas isso não muda os direitos dos proprietários. Atrasos até podem ser tolerados, mas há um limite para isso.
— Há uma cláusula padrão de carência de multa de 180 dias. A partir daí, o consumidor poderá exigir não só a multa como também o ressarcimento de seus prejuízos: aluguel de outra unidade e também danos morais — avisa ele.
Só é preciso paciência. Como adianta o advogado, a Justiça está muito lenta para estas questões, o que desencoraja as pessoas a iniciarem os procedimentos.
Depois de amargar alguns prejuízos pelo atraso na entrega de seu apartamento, o fotógrafo Leandro Amaral resolveu levar o caso à Justiça e aguarda uma decisão. Ele comprou o imóvel na planta em Jacarepaguá em 2012 e o recebeu um ano e meio depois da data combinada. Mesmo assim, a empresa cobrou juros indevidos no saldo devedor, como se a unidade tivesse sido entregue dentro do prazo estabelecido.
— Logo depois que me casei, gostaria de ter me mudado, como havia planejado. Mas, ao contrário disso, tive de alugar outro imóvel e continuar pagando o alto valor do financiamento — conta ele, que já quitou R$ 140 mil de um total de R$ 320 mil pelo imóvel.
Amaral move atualmente cinco processos pelos quais pede, entre outras coisas, que a empresa o reembolsasse o valor gasto com os alugueis e os juros indevidos, além de pagar uma indenização por danos morais.
— Os prejuízos foram financeiros e psicológicos. Enfrentei muitas noites mal dormidas, me sentindo lesado e achando que a impunidade iria se perpetuar. Quando busquei a ajuda de advogados e finalmente recebi as chaves, pude finalmente respirar aliviado. Mas ainda aguardo, como dezenas de moradores, que eles paguem judicialmente por todos os transtornos aos quais fui submetido — comenta ele.
Para a advogada Fatima Santoro, coordenadora da pós-graduação em Direito Imobiliário da Universidade Veiga de Almeida, quando o atraso se concretiza, o primeiro passo é notificar a empresa sobre o ocorrido.
— O ideal é fazer isso por meio de um cartório de títulos e documentos. Assim, o cliente já começa a produzir provas sobre a impontualidade e o não respeito à cláusula contratual — afirma ela.
E ao contrário do que muita gente pensa, ela não indica a interrupção do pagamento das taxas, já que isso pode ser usado pela empresa contra o comprador, prejudicando o processo.
— No máximo, pode-se passar a fazer depósitos em juízo — ressalva ela.
Segundo o advogado Sergio Sender, especializado em direito imobiliário, quando esse tipo de situação começa se desenhar, o consumidor precisa acender o alerta imediatamente. Ele observa que, muitas vezes, na ânsia de receber as chaves, os próprios compradores passam por cima dos seus direitos.
— Já vi pessoas começarem a pagar taxa de condomínio mesmo sem receber o imóvel. E isso não pode ser cobrado de maneira alguma antes da entrega — cita o advogado.
Fora isso, Sender lembra que os atrasos invariavelmente trazem à tona a questão do distrato. Mesmo quando não há esse problema, as pessoas têm o direito de desfazer o negócio, ainda que fiquem sujeitas e perder 25% do valor já pago. Mas quando o prazo de entrega é extrapolado, elas podem receber o valor integral e corrigido, além de indenização por danos morais.
— Por isso, a pessoa que passa por um problema desses atualmente tem que mensurar bem se vale a pena continuar com o negócio — afirma Sender.
Se for o caso, é recomendável partir para negociação. Como aconteceram desvalorizações nos últimos anos, o comprador deve buscar as companhias para diminuir os os valores futuros.
— Tem gente que fez o contrato em cima de um preço, mas agora o estande do empreendimento está vendendo unidades a valores bem mais baixos. Se isso acontecer, pode ser uma boa oportunidade para negociar — diz ele. — Algumas empresas, inclusive, têm funcionários que conhecem bem o setor e oferecem alternativas dentro da realidade do mercado.