Em 12 meses encerrados em junho, o custo com material de construção registrou crescimento de 34%, o maior índice dos últimos 26 anos. Em entrevista ao portal AECweb, Ieda Maria Pereira Vasconcelos traz detalhes do atual cenário, como a redução de 58% nos lançamentos de imóveis verificada no primeiro trimestre deste ano em relação ao último de 2020. A CBIC, porém, alimenta a expectativa de melhora nos próximos meses.
AECweb – Qual a sua avaliação do desempenho da construção civil desde o início de 2020 até o momento?
Ieda Vasconcelos – Mesmo com a chegada da pandemia em março de 2020, a construção civil continuou crescendo, produzindo e gerando emprego e renda. O setor se destacou e foi o que mais criou vagas com carteira assinada, acima de 105 mil novos postos de trabalho. Entretanto, isso não significa ausência de desafios. De julho de 2020 em diante, o setor enfrentou a dificuldade de entrega de insumos importantes e o aumento exagerado em seus preços. Esperava-se, na época, que a situação fosse passageira, mas, infelizmente, não foi.
AECweb – Qual o cenário atual?
Vasconcelos – Ainda hoje, um ano depois, o aumento do custo com material continua sendo um problema para o segmento. Nos últimos 12 meses encerrados em junho, o custo com material, conforme o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC), calculado pela Fundação Getulio Vargas, cresceu cerca de 34%. A construção continua trabalhando e gerando emprego e renda. Mas certamente estaria com um ritmo de atividades mais acelerado se esse problema já tivesse sido resolvido.
AECweb – Como o governo federal vem tratando a reivindicação da CBIC de redução de tarifas de importação de materiais?
Vasconcelos – O setor tem conseguido um bom diálogo com o governo. Mostramos a importância do setor da construção e como os aumentos exagerados estão prejudicando a atividade. Já oficializamos a solicitação de redução da tarifa de importação do aço e continuamos aguardando uma resposta. Esperamos que isso seja resolvido da forma mais rápida possível para que possamos continuar trabalhando e planejando as atividades com mais assertividade.
AECweb – O maior aumento de preços dos últimos 26 anos pode travar os lançamentos de imóveis?
Vasconcelos – Em 2020, mesmo com o crescimento de quase 10% nas vendas, o mercado imobiliário nacional registrou uma queda de 17,8% nos lançamentos, em relação a 2019. No primeiro trimestre de 2021, a queda foi de 58% em relação ao quarto trimestre do ano passado. Em relação a iguais meses de 2020, foi observado um incremento de 3,7%. O aumento nos custos de materiais continua. Entretanto, o setor possui uma demanda consistente e está com estoque reduzido. Para os próximos meses a expectativa é que esse problema de aumento exagerado seja efetivamente resolvido, para que os lançamentos aconteçam de forma mais acelerada.
AECweb – Há o risco de quebra de construtoras que venderam imóveis na planta?
Vasconcelos – Não acredito nisso. As empresas do mercado imobiliário estão muito bem estruturadas e possuem solidez. Mas certamente algumas postergaram novos investimentos e lançamentos, com redução de atividades.
AECweb – Quais os riscos do repasse dos aumentos de custos aos compradores de imóveis já contratados e, também, aos novos lançamentos?
Vasconcelos – Em relação aos contratos já firmados é preciso esclarecer que eles já possuem cláusulas de reajustes, geralmente por algum indicador de custos do setor, como o INCC/FGV. E isso não muda. Em relação aos novos lançamentos sim, pode-se observar novos preços. Isso porque não se constrói hoje um empreendimento com o mesmo valor que era construído há um ano. Não se tem como lançar novos empreendimentos sem considerar essa nova estrutura de custos.
AECweb – Como esse cenário impacta os empreendimentos populares, especialmente o programa Casa Verde Amarela?
Vasconcelos – Em relação aos imóveis de menor valor, com aumentos na proporção que estão acontecendo e que já aconteceram, fica cada vez mais difícil construir. Caso não ocorra nenhuma alteração nos tetos do programa, poderemos assistir a um total desestímulo das empresas para realizar essas construções e a migração para a construção de unidades com faixa de valor maior.
AECweb – O retrofit de edifícios comerciais vazios convertidos em residenciais seria uma solução de momento para atender a demanda por moradia e giro das empresas?
Vasconcelos – O crescimento do retrofit no país representa o amadurecimento das atividades do segmento imobiliário que, diante da escassez e do alto custo dos terrenos, principalmente nos grandes centros urbanos, encontra alternativas para construções praticamente desacreditadas. A revitalização é uma completa transformação e modernização das construções e isso envolve obras, que não são simples. É uma alternativa, mas, sozinha, não consegue resolver o déficit habitacional do país. Por isso, não é uma solução de momento, é uma alternativa para caminhar junto com as atividades do setor.