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30/08/2021

Aumento de índice da construção pressiona consórcio imobiliário

Especialistas alertam que preços de imóveis devem subir e indicam como contornar reajuste das parcelas

Os consórcios imobiliários tiveram um aumento de 68,9% nas cotas vendidas de janeiro a julho deste ano, em comparação com o mesmo período de 2020, e há 1,12 milhão de participantes ativos, segundo a Abac (Associação Brasileira de Administradoras de Consórcios).

A modalidade atrai o consumidor por não ter juros, mas é preciso estar atento a outros fatores que incidem sobre o valor do consórcio, como o índice usado para reajustar as parcelas.

De acordo com a associação, 78% das administradoras de consórcio imobiliário utilizam o INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) para readequar as cartas de crédito —o valor que o consorciado consegue resgatar para comprar seu imóvel.

Há ainda empresas que usam outras taxas, como o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), utilizado pela Caixa.

Esse reajuste é feito uma vez por ano, na data de aniversário do grupo de consórcio, seguindo a taxa acumulada nos últimos 12 meses.

Os grupos que foram reajustados em agosto, por exemplo, tiveram aumento de 17,35%, valor do acumulado do INCC até julho. Para aqueles que utilizam o INPC, o acumulado foi de 9,85%.

O INCC está hoje muito acima do que costumava ser praticado nos últimos 10 anos, quando a taxa oscilava, no acumulado em julho, entre 3 e 7%. 

O reajuste é necessário para manter o poder de compra dos consorciados. Diferentemente do que ocorre em um financiamento, quem compra uma cota de consórcio não recebe o valor na hora. Os participantes precisam esperar serem sorteados, a cada mês, ou devem dar lances. Aqueles que derem os maiores lances também serão contemplados —cada grupo permite que um determinado número de pessoas seja contemplada ao mês.

O objetivo é que, até o final do grupo, que dura em média 184 meses (pouco mais de 15 anos), segundo a Abac, todos tenham acesso à carta de crédito e possam comprar o bem que desejavam no início do consórcio. Se não houver reajuste, quem for sorteado no começo consegue comprar o bem, mas quem fica para o final, não.

“Quando o INCC sai da curva desse jeito, vai ter impacto muito grande sobre os usuários, tanto aqueles que já receberam a carta e estão pagando a dívida quanto aqueles que não receberam o valor ainda e moram de aluguel”, afirma Gustavo Favaron, presidente global do GRI Club, clube de relacionamento do mercado imobiliário. “O que pode acontecer é essas pessoas não conseguirem continuar pagando”.

Paulo Roberto Rossi, presidente-executivo da Abac, afirma que a taxa de inadimplência dos consorciados contemplados, ou seja, daqueles que foram escolhidos para receber a carta de crédito, estava em junho em 2,45%.

“O INCC reflete a própria situação do mercado imobiliário, ano passado tivemos acomodação dos valores por causa da pandemia e neste ano pela falta de materiais” afirma Rossi. “O que notamos é que isso não está afetando demasiadamente os consorciados”.

Se a parcela se tornar muito pesada, uma opção do cliente é verificar se a administradora permite que a carta de crédito seja reduzida, o que também diminui as parcelas mensais. Como explica Alexandre Caliman Gomes, sócio-fundador da Consorciei, plataforma que atua no mercado secundário de consórcios, as regras sobre isso variam em cada administradora. Algumas permitem inúmeras alterações, enquanto outras liberam apenas uma ou duas.

A redução da carta também depende da disponibilidade do grupo. “Geralmente, a relação é de 50%: se o crédito maior é de R$ 200 mil, o menor é de R$ 100 mil”, afirma Gomes. Caso o consorciado já tenha a menor carta do grupo, não terá como reduzi-la.

Nessa situação, há ainda a saída de vender sua cota no consórcio para outra pessoa ou para uma empresa, como a Consorciei. Nesse caso, o consumidor perde uma parte do valor que já investiu. Pode ser melhor, porém, do que parar de pagar e esperar meses ou anos até receber o valor aplicado de volta, após o término do grupo.

O presidente da Abac recomenda que quem for contemplado agora não demore para comprar seu bem. Com a inflação especialmente forte sobre o setor de construção civil, a tendência é que o preço dos imóveis aumente e quem escolher esperar pode perder poder de compra.

Uma vez que a pessoa é contemplada, sua carta de crédito vai para um fundo de investimento, seguindo regras do Banco Central, e não é mais reajustada pelo índice do grupo, mas de acordo com aplicações financeiras.

Gomes aponta que outra estratégia para o consorciado não ser prejudicado pela inflação é evitar dar lances logo antes do mês de reajuste do consórcio, para que sua carta de crédito seja readequada ao novo valor. Se a pessoa for sorteada, porém, não há o que fazer, e a saída é concluir a compra rapidamente.

O consórcio imobiliário é indicado para quem deseja ter seu imóvel, mas pode esperar para fazer a compra. Para quem é sorteado no final do grupo, acaba funcionando como uma poupança forçada —sobre a qual incidem algumas taxas, sendo a principal delas a de administração.

“Se você pensar que vai juntar dinheiro por 10 anos e ser contemplado no final, compensa juntar na poupança, mas você vai ter disciplina para fazer isso? O consórcio traz a obrigação de poupar”, afirma Gomes.

A advogada Elaine Cristina Barreiro, 43, entrou no consórcio imobiliário já focada em fazer um lance nos primeiros meses, para conseguir rapidamente a carta de crédito.

Há cerca de 5 anos, Barreiro vendeu seu apartamento, mas continuou morando de aluguel no local. Então, ingressou em um grupo de consórcio e, meses depois, usou parte do seu FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para conseguir dar o maior lance e ser contemplada.

“Apesar de saber que o lance não era garantido, a partir do momento em que você compra a cota, tem acesso ao valor dos lances e sabe quanto tem que dar. Se todo o mundo está dando R$ 70 mil, a probabilidade de conseguir é grande se você der R$ 75 mil”.

Somando a carta ao que já tinha conseguido com a venda do imóvel, mudou para o novo apartamento, maior do que o anterior. Hoje, tem apenas mais três anos de consórcio pela frente.

Para ela, foi mais vantajoso do que entrar em um financiamento imobiliário, e o reajuste das parcelas, pelo INCC, não tem pesado no seu bolso. A última atualização do valor foi no início do ano.

Foi ainda uma forma de reduzir o prazo de pagamento da dívida. “Para poder ter uma parcela razoável, teria que financiar no banco em mais de 20 anos”, afirma. Seu consórcio terá duração total de 8 anos, com taxa de administração de 16%, cobrada sobre o valor total da carta de crédito.

Para aproveitar as vantagens do consórcio imobiliário, é importante estar atento às suas regras e não se deixar levar por promessas de que será sorteado rapidamente.

“A abordagem comercial do consórcio é muito agressiva, há uma falta de cuidado na venda que acaba gerando distorção, sentimos que é um pouco mais nebuloso fixar informações corretas e claras”, afirma Paulo Chebat, diretor-executivo da plataforma MelhorTaxa, que faz comparações entre financiamentos e lançou há três meses um comparador de consórcios.

Ele destaca que a comprovação de renda no momento da contemplação é mais meticulosa do que no início do contrato, o que pode ser um problema para alguns clientes. “Se o reajuste for entre 10% e 20% todo ano, em 3 anos a pessoa tem que comprovar renda muito maior [do que no começo do grupo], e provavelmente o salário dela não cresceu tudo isso”, afirma.  

FONTE: FOLHA DE S.PAULO