Setor que demanda elevados volumes de crédito para deslanchar, a construção civil está exposta como poucos ao juro alto em 2022. Há cinco anos, após encarar 14 meses seguidos de taxa Selic a 14,25%, a atividade acostumou-se, a partir de 2019, com curvas em declínio até que os ventos mudassem outra vez. Agora, com previsão de taxa em 11,75% ao ano, segundo o Relatório Focus, o momento é de repensar as estratégias para absorver incertezas. Com projeção de freio em imóveis voltados à baixa renda, produtos de luxo são a aposta para sustentar a expansão no Estado.
Coordenador do curso de Negócios Imobiliários da Fundação Getulio Vargas (FGV), Alberto Ajzental delimita os extremos enfrentados pelo segmento que responde por 6,2% do Produto Interno Bruto (PIB) gaúcho e emprega cerca de 124,3 mil pessoas no Estado. No pior período recente, de agosto de 2015 a setembro de 2016, o juro real (descontado a inflação) era de 8%. Quatro anos depois, entre setembro 2020 e março de 2021, chegou a 4% negativo.
Na ponta do lápis, o especialista verifica os efeitos dessa oscilação. Para tanto, analisa empréstimos concedidos para o tipo de bem mais vendido no Brasil: o apartamento de dois dormitórios com preço médio de R$ 250 mil, cujo valor total coberto por linha de crédito chega a 80% (R$ 200 mil).
Assim, Ajzental explica que para cada 2,3 pontos percentuais de elevação no juro básico da economia, há alta correlata de 1% no custo efetivo final do imóvel financiado. Isso, automaticamente, retiraria 1 milhão de famílias da chamada demanda qualificada (propensa a comprar). Com base na pirâmide de distribuição de renda e na estimativa de juro a 11,75% em 2022, a projeção indica que cerca de 2,5 milhões de famílias de menor renda deixarão de fazer parte do alvo dos futuros lançamentos imobiliários.
— Pequenas variações na taxa de juro colocam muitos números a mais nas parcelas. Pesa sobre os prazos alongados e os volumes de capital envolvidos. Vivenciamos o processo contrário de tudo que foi feito para melhorar o acesso do cidadão médio ao mercado imobiliário no país — diz Ajzental.
Impacto diverso
Apesar de incertezas, que também contemplam inflação, eleições e pandemia, o fator juro tem distintos pesos em diferentes segmentos. Nos imóveis de alto padrão, o impacto tende a ser menor, diz Marcelo Guedes, diretor superintendente de Incorporações da Melnick, ao identificar que as linhas bancárias não respondem de imediato ao movimento da taxa Selic.
Em cenário de juro a 2% ao ano, por exemplo, encontravam-se taxas de 6% para residências de R$ 1,5 milhão. Com a Selic em 9,25%, o patamar se aproxima de 11% nos financiamentos. Além disso, novas modalidades pós-fixadas, indexadas à poupança, e a portabilidade dos contratos ajudam a sustentar esse nicho de mercado.
Guedes acrescenta que este perfil de cliente também usa menores volumes de crédito e fica mais protegido da inflação. Assim, em 2021, a construtora gaúcha entregou 11 lançamentos, no maior desempenho de sua história, com valor geral de vendas superior a R$ 1 bilhão