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18/12/2024

Averbação de indisponibilidade de bens - O CNJ prestigia a insegurança jurídica (Migalhas)

Há determinados temas que são tão claros que sequer exigem fundamentação extensa. O recente provimento do CNJ contém um dispositivo tão absurdo, que merece apenas brevíssimos comentários.

Por Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza

 

Há determinados temas que são tão claros que sequer exigem fundamentação extensa. O recente provimento do CNJ contém um dispositivo tão absurdo, que merece apenas brevíssimos comentários.

Dispõe o § 3º do art. 320, I, do provimento 188, de 4/12/24:

"A superveniência de ordem de indisponibilidade impede o registro de títulos, ainda que anteriormente prenotados, salvo exista na ordem judicial previsão em contrário".

Felizmente o provimento só entrará em vigor 30 dias após a publicação - há tempo, portanto, para corrigir a infeliz disposição.

Dentre os princípios informadores da atividade registral está o da segurança jurídica, que seria a certeza quanto ao ato e sua eficácia, promovendo a libertação dos riscos. 

O princípio está estampado logo no art. 1º da lei 8.935/94. Antes mesmo da edição da lei que regulamentou o art. 236 da CF/88, o princípio já constava, também do art. 1º, da lei 6.015/73.

Segurança jurídica - os serviços registrais e notariais devem assegurá-la, sob pena de não alcançarem sua finalidade, dando margem ao surgimento de inúmeros conflitos de interesses.

Dentre os princípios fundamentais do registro imobiliário, está o princípio da prioridade.

O desrespeito a tal princípio faz cair por terra todo o sistema do registro imobiliário.

Tal princípio "determina a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, sendo eficaz o registro desde o momento em que se apresentar o título ao oficial do registro e este o prenotar no protocolo (art. 1.246 do Código Civil e art. 186 da Lei n. 6.015/73) - comporta exceções (arts. 189 e 192 da Lei n. 6.015/73). O princípio da prioridade importa em que os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da sequência rigorosa de sua apresentação, e o número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais. O desrespeito ao princípio da prioridade pode fazer ruir toda a segurança do sistema"1.

Ora, o que quer fazer o CNJ? Derrubar a prioridade prevista em lei ordinária, afastar a preferência dos direitos reais, e arruinar a segurança jurídica que o registro imobiliário proporciona. Quem comprar um imóvel com observância de todas as disposições aplicáveis, com diligência extrema, e apresentar o título de imediato ao registro, ainda assim não estará seguro - pode surgir uma ordem de indisponibilidade posterior à prenotação que, nos termos do dispositivo em comento, impedirá o registro!!!!!

O princípio da prioridade, base de todo o registro imobiliário, impõe o registro na estrita ordem de apresentação dos títulos, salvo expressa ordem judicial, específica quanto a determinado título. 

Para evitar intepretações errôneas como a do CNJ, as Corregedorias Estaduais editaram normas específicas (até mesmo desnecessárias, mas com objetivo de esclarecimento).

Dispõe o Tribunal de São Paulo que "quando se tratar de ordem genérica de indisponibilidade de determinado bem imóvel, sem indicação do título que a ordem pretende atingir, não serão sustados os registros dos títulos que já estejam tramitando, porque estes devem ter assegurado o seu direito de prioridade" (Provimento nº 58/89, Cap XX, Seção IV, Subseção II, 108.3).  No mesmo sentido em Minas Gerais: "Provimento Conjunto nº 93/2020, art. 850, § 2º, a ordem ou mandado de indisponibilidade genérica ou específica de determinado imóvel será prenotada e, respeitando-se a respectiva ordem de protocolo, averbada. § 3º Não serão sustados os registros dos títulos que já estejam prenotados, devendo ser assegurada a sua prioridade". O Estado do Rio de Janeiro, em recente alteração do seu Código de Normas, estabeleceu no art. 1.212: " A ordem ou mandado de indisponibilidade genérica ou específica de determinado imóvel será prenotada e, respeitando-se a respectiva ordem de protocolo, averbada. § 2º. Não serão sustados os registros dos títulos que já estejam prenotados, devendo ser assegurada a sua prioridade".

O CNJ resolveu andar na contramão. 

E o faz com empenho.

Sabedor de que a indisponibilidade é a restrição ao poder de dispor da coisa, impedindo-se sua alienação ou oneração por qualquer forma, "permite" que seja lavrada a escritura2 mesmo diante de ordem de indisponibilidade, sem ponderar se seriam nulos, anuláveis, ou meramente ineficazes os atos de disposição de bens atingidos pela indisponibilidade, ignorando a origem da determinação e seus efeitos, que podem variar. À guisa de regulamentar a CNIB, o CNJ foi muito além. No entanto, permite a lavratura da escritura, mas impede o registro não só de tais escrituras, mas também daquelas lavradas e prenotadas no registro quando não havia ordem de indisponibilidade. Qual a lógica, tendo em conta o sistema de duas etapas na aquisição da propriedade? Para a primeira etapa, a indisponibilidade não é óbice, ainda que decorra da lei e o efeito seja a nulidade do ato de disposição de bens atingidos pela indisponibilidade. Quanto à segunda etapa, a indisponibilidade impede o registro, mesmo a que alcança o protocolo após o ingresso de um título totalmente hígido.

Eu, como registrador de imóveis, profissional do Direito, responsável pela segurança jurídica quanto aos atos que pratico, prefiro estar com o Raul Seixas, não quero mais andar na contramão.

Dito tudo isto, concluo que talvez não fosse preciso tanto: pode o CNJ dispor contra leis Federais, que asseguram o princípio da prioridade e a preferência dos direitos reais (art. 1.246 do CC e art. 186 da lei 6.015/73)? 

FONTE: MIGALHAS