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22/09/2023

Bairros planejados buscam uma vida urbana ‘idealizada’ (Valor Econômico)

Empresas misturam incorporação e loteamento para criar vizinhanças caminháveis, mas espaços podem ser excludentes, diz urbanista

Nas últimas décadas, condomínios fechados atraíram consumidores em busca de uma forma diferente e mais segura de viver. Agora, há quem aposte que o apelo é criar espaços mais conectados à cidade, sem muros. São os bairros planejados, grandes áreas que misturam parques, espaços de moradia, comércio e trabalho, com ruas caminháveis.

O modelo tenta replicar um ideal de uma vida urbana: tornar possível fazer tudo a pé ou de bicicleta, com segurança e poucos deslocamentos de carro. Mas a iniciativa desperta alertas para o risco de ser excludente.

 

Segundo Fabiano de Marco, sócio-fundador da incorporadora e loteadora gaúcha Idealiza Cidades, que faz esses empreendimento, os bairros planejados são um “meio do caminho” entre o enclausuramento dos condomínios-clube e cidades inseguras. “Os bairros conseguem suprir a omissão estatal de zeladoria e segurança em espaços públicos”, afirma.

A Idealiza tem cinco projetos de bairros planejados, dois com lançamentos. O primeiro começou em 2015, em Pelotas (RS), cidade dos sócios. O Parque Una ocupa 320 mil m2 e, quando pronto, terá de 50 a 60 torres residenciais e de salas comerciais, com lojas no térreo. Do total, 20 já foram lançadas.

 

O ritmo é de dois a três lançamentos ao ano. O bairro já tem uma associação de moradores, sem fins lucrativos - uma das premissas para ser considerado bairro planejado, segundo de Marco - que recolhe cerca de R$ 160 mil ao mês, revertidos em zeladoria.

 

São espaços com qualidade urbana, mas o modelo é vendido para determinadas classes sociais”

 

— Angélica Alvim

 

Como o bairro leva décadas até ser concluído, mantê-lo organizado, limpo e seguro é importante para valorizar os empreendimentos que ainda serão lançados. “A reputação da primeira torre interfere no preço do metro quadrado das outras 49”, diz.

 

O foco é o público de classe média e média-alta, mas há variação de plantas. Já foram lançadas unidades de 29 m2 a 200 m2, com preço de venda de R$ 7,5 mil a R$ 12 mil por metro quadrado. “São pessoas em diferentes momentos da vida, isso é bom urbanisticamente, para gerar diversidade, e também do ponto de vista mercadológico, porque conseguimos não nichar tanto”, diz.

Há inclusive prédios feitos em parceria com um restaurante e uma livraria local, que vai transferir sua sede para o Parque Una.

 

A Idealiza está replicando o modelo em Uberlândia (MG), em área ainda maior, de 350 mil m2. Foram investidos R$ 40 milhões em infraestrutura. A primeira torre, um residencial com 149 unidades, lançada em julho, foi 100% vendida, por uma média de R$ 10,5 mil por metro quadrado. Mais dois prédios serão lançados neste ano, um comercial e um residencial, este feito pela Maxi, incorporadora local. Chamar uma empresa para ser parceira ajuda a acelerar o projeto, conta de Marco, “puxando para dentro” um empreendimento que seria feito fora do bairro.

 

Em 2024, a Idealiza quer lançar a primeira torre do seu terceiro bairro planejado, em Porto Alegre, em área de 160 mil m2 no bairro Petrópolis. Com 15 prédios, estima-se um valor geral de venda (VGV) de R$ 1,5 bilhão.

 

A companhia aguarda registro na prefeitura de São José dos Campos (SP) para lançar um quarto bairro, com 60 torres. Ali, o VGV previsto é de R$ 6 bilhões. Serão investidos R$ 110 milhões em infraestrutura. O primeiro lançamento de torre deve ocorrer em três anos. Há ainda um quinto bairro, em Paulista (PE), cujas obras de infraestrutura devem começar em 2024.

 

Com esses projetos, mais os condomínios fechados que também faz, a empresa teve resultado líquido de R$ 120 milhões no ano passado, 30% acima de 2021. A expectativa para 2023 e os próximos três anos é atingir de R$ 140 milhões a R$ 150 milhões. A empresa espera obter R$ 431 milhões em vendas em 2023, com R$ 413,6 milhões em lançamentos.

Em Maringá (PR), uma área de 600 mil m2 também está sendo transformada em bairro planejado. O Eurogarden é gestado desde a compra do terreno, em 2009, pelo grupo Nogaroli, oriundo do setor de supermercados.

 

Geógrafo de formação e interessado em urbanismo, o CEO do grupo, Jefferson Nogaroli, pensou em recriar um estilo de vida “que lembrasse o jeito europeu”, na região, com mais áreas verdes e caminháveis. As obras de infraestrutura começaram em 2018 e já foram investidos R$ 200 milhões.

A primeira torre deve ser lançada em 2024, com projeto da incorporadora parceira A.Yoshii, mas a inauguração oficial do empreendimento ocorreu no dia 11 - o público pode aproveitar os jardins que já estão formados.

 

Nogaroli espera lançar de quatro a cinco empreendimentos por ano, em um processo que deve levar até 12 anos. Além de torres residenciais e comerciais, ele quer criar um shopping a céu aberto, de preferência construído com madeira engenheirada.

 

O empreendimento tem apelo sustentável: a sede tem certificações Leed e Well no nível Platinum, o mais alto, a energia consumida no Eurogarden vem de fazenda de placas solares e serão instaladas hortas orgânicas.

 

Ali, o público almejado também é de médio e alto padrão. Nogaroli acredita especialmente no interesse de recém-aposentados. “Tem muitas pessoas com 50, 55 anos que moram em São Paulo ou no Rio e podem morar no interior, com custo de vida pela metade, segurança e trânsito mais fácil”, diz.

Apesar de serem espaços abertos, sem barreiras físicas, a diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Angélica Alvim, lembra que empreendimentos do tipo continuam sendo negócios imobiliários e que podem se tornar áreas de segregação. “Não tem muros, mas tem controles, normalmente via câmera, para garantir a segurança dos moradores”, pontua.

 

Para ela, os bairros são interessantes do ponto de vista de ocupação de vazios urbanos e de expansão das cidades, mas precisam ser planejados com cuidado para não serem excludentes.

Uma alternativa seria haver parcerias entre empresas e o poder público, para que este ditasse a inclusão social no bairro. “São espaços projetados com qualidade urbanística, mas é um modelo vendido para determinadas classes sociais”, afirma. 

FONTE: VALOR ECONôMICO