Após engordar o caixa em R$ 500 milhões com a oferta pública realizada em setembro, o Banco Pan se organiza para triplicar o tamanho de sua carteira e ser para a baixa renda um banco completo, não apenas uma solução pontual de crédito. Essa é a primeira rodada de expansão relevante planejada desde a fraude de R$ 4 bilhões que levou o empresário Silvio Santos a vender a instituição ao BTG Pactual, em 2011. O banco fundado por André Esteves entrou no negócio dois anos após a chegada da Caixa. Desde então, controlam juntos a instituição financeira.
Após oito anos de trabalho, os sócios viram o valor de mercado do Pan sair de R$ 2,2 bilhões no fechamento de 2018 para os atuais R$ 9 bilhões. A guinada na bolsa - que na máxima chegou a passar de R$ 13 bilhões - é uma mistura do salto nos resultados deste ano com uma aposta no plano estratégico.
O retorno sobre patrimônio do banco (ROAE, na sigla em inglês) subiu de 4,2% para 11,2% em um ano, na comparação entre o segundo trimestre de 2018 e o de 2019. Descontados os efeitos que a instituição ainda carrega no balanço devido às fraudes de 2010, o retorno passa de 12,2% para 23,9%. O lucro líquido avançou de R$ 42,2 milhões para R$ 117,7 milhões, na mesma comparação - enquanto a receita de intermediação financeira teve leva alta de R$ 1,5 bilhão para R$ 1,6 bilhão.
Com esse desempenho e o universo digital à disposição, o Pan foi alçado à classificação de “core business” dentro do BTG, dado os planos da casa para varejo - projeto que ficará aos cuidados do empresário Amos Genish, que tornou-se um dos sócios de Esteves. Quando foi adquirido, era um para ser um projeto de reestruturação e venda. “O Pan é totalmente foco hoje”, enfatizou Alexandre Camara, sócio que esteve à frente da reestruturação pelo BTG e explicou a evolução do status do projeto.
É assim que, ao lado da Caixa, um dos ícones da Avenida Faria Lima quer transformar o negócio, que começou em 1969 como Baú Financeira, no maior projeto digital para trazer concorrência ao superconcentrado setor bancário.
Na semana passada, o Pan começou a testar sua conta digital, que terá todos os serviços digitais para os clientes, de movimentação de conta e pagamentos, mais a parceria para atendimento físico em lotéricas e terminais de auto-atendimento da Caixa. Além da conta corrente, que oferecerá cheque especial e limites, o Pan investiu ao longo dos últimos anos em digitalização dos processos e tecnologia de autocontratação.
O lançamento da conta para o público deve começar no fim deste ano. Com isso, o investimento em marketing vai aumentar substancialmente. O banco, que passou por uma grande reforma na sua identidade visual em julho, prevê que as despesas com publicidade que hoje não chegam a R$ 10 milhões ao ano possam variar entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões.
“Não somos fintech. Somos um banco que usa tecnologia para inovação dos produtos”, enfatizou Carlos Eduardo Guimarães, presidente do Pan, em sua primeira entrevista desde que assumiu o comando da instituição. “E somos integralmente dedicados às classes C, D e E”, disse o executivo ao Valor, lembrando que não há nenhuma instituição exclusiva para esse mercado hoje.
Esse foco é, na visão do mercado, ao mesmo tempo a oportunidade e o grande desafio de futuro do Pan. Vender crédito e serviços à baixa renda em plataforma digital não tem nada de trivial, na visão de um gestor de recursos ouvido pelo Valor. A enxuta carteira de produtos é bem-vista pelos investidores, dada a eficiência no retorno obtido, mas a dúvida é sobre a facilidade de uso da plataforma digital.
Hoje, da contratação mensal de R$ 900 milhões em consignado, R$ 250 milhões já são feitos sem papel, totalmente digitais, com assinatura por meio de biometria facial. A expectativa é que esse percentual de quase 30% alcance 80% em meados do próximo ano. O banco não pretende reduzir os canais de venda física, mas usar a opção da autocontratação.
A captação de recursos pela oferta primária - fruto de uma operação total de R$ 1 bilhão, entre a venda de novas ações e de parte das preferenciais detidas pela Caixa - deu fôlego ao Pan para, na visão de analistas de mercado, buscar como meta triplicar a carteira de crédito. Ou seja, sair dos atuais R$ 22,5 bilhões para cerca de R$ 60 bilhões até o fim de 2020. Além disso, há R$ 10 bilhões em crédito cedido à Caixa - formato que será reduzido até desaparecer, pois ficará todo dentro do banco.
Quando a carteira tiver alcançado o novo potencial, o Pan não estará muito distante da carteira de crédito de pessoa física da própria Caixa, considerada a principal instituição das classes C, D e E atualmente. Apesar da enormidade de uma carteira de R$ 682,4 bilhões, a Caixa tem apenas R$ 80,7 bilhões fruto de empréstimos a pessoas físicas - para além do crédito imobiliário. E mesmo com tamanhos potencialmente comparáveis, Pan e Caixa não irão rivalizar, pois os focos são complementares.
Hoje, o Pan tem 5% do mercado de consignado, 5% de veículos (carros usados e motos novas) e 0,5% de cartões. “Nosso tamanho hoje é o melhor reflexo da nossa oportunidade de crescimento”, ponderou Cadu, como é conhecido dentro e fora do banco, agora com recursos para crescer. Foi no início de 2017 que o Pan fez o reposicionamento de produtos e escolheu essas frentes como foco, deixando para trás crédito corporativo e imobiliário. Esse último voltará a ser ofertado na plataforma digital, mas de outras instituições, não como carteira própria.
Atualmente, o Pan tem 4,6 milhões de clientes. O plano, com o digital, é conquistar mais 2 milhões de usuários novos, além da adoção da conta pela base atual. E reforça que crédito é o foco. “Nosso diferencial como banco digital é o foco no crédito. Essa é a grande ferramenta de engajamento nessa faixa de renda, pois é a maior carência.” Cadu também destacou que, por mês, são realizadas cerca de 500 mil novas pesquisas de crédito no Pan. Dessas, apenas um terço se torna contrato. Assim, há um espaço já existente, segundo ele, em que podem avançar.