Aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto do novo marco legal das garantias causou polêmica pela possibilidade de que as famílias tenham seu único imóvel penhorado em caso de inadimplência em empréstimos.
Deputados contrários defenderam que isso levará as famílias a ficarem desalojadas, enquanto os favoráveis pontuaram que é uma opção individual de cada um e a mudança ajudará a reduzir a taxa de juros.
A proposta levou até uma parlamentar de oposição a precisar se explicar nas redes sociais. A deputada Tabata Amaral (PSB-SP) votou contra o projeto e a favor de duas das três emendas da oposição que impediam a penhorabilidade, mas contra a terceira emenda. Pelas redes, ela afirmou que cometeu um “erro técnico” ao votar contra, mas que enviou ofício à Câmara para corrigir o erro. As três emendas, de todo modo, foram rejeitadas pela Câmara.
O que diz o projeto
O projeto, de autoria do presidente Jair Bolsonaro (PL) e que ainda precisa passar pelo Senado antes de ter validade, promove uma série de mudanças na gestão de garantias a empréstimos. A principal crítica da oposição se concentrou no fim da impenhorabilidade do imóvel único de uma família, se ele for dado como garantia para tomar financiamento em um banco.
Hoje, a Lei da Impenhorabilidade do bem de família (Lei 8.009/1990) diz que o imóvel próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável, desde que quitado. Há exceções, como se a dívida for para pagar pensão alimentícia, se for dado como garantia em hipoteca (instrumento pouco utilizado no Brasil), para quitar a inadimplência de impostos referentes ao próprio imóvel ou se o bem foi adquirido com produto de crime.
Pelo projeto, esse imóvel único poderá ser dado como garantia a um empréstimo, o que diminui a taxa de juros cobrada, mas se o cliente não pagar o financiamento, o bem poderá ir a leilão para quitar a dívida. Isso valerá mesmo se o empréstimo for em nome de um terceiro, desde que o imóvel tenha entrado como garantia para obtenção desse dinheiro.
Continuará proibido, porém, penhorar o único imóvel de uma família por dívidas em que ele não for dado como garantia. Ou seja, se a pessoa fizer um empréstimo normal no banco e não pagá-lo, a instituição financeira não poderá pedir na Justiça que a casa desse cliente vá a leilão.
Coordenador dos setores financeiro e de tecnologia da BMJ Consultores Associados, Gianluca Benvenutti diz que a expectativa do governo com a mudança é diminuir a taxa de juros ao reduzir o risco de o banco de tomar um calote.
“A lei hoje proíbe oferecer o único imóvel da família como garantia, mas na prática há formas de contornar isso. Alguém com dois imóveis pode oferecê-los em empréstimos diferentes e, ao perder um deles por inadimplência, alegar que o outro não pode ser penhorado, mesmo que o tenha dado como garantia”, afirma.
Há também uma discussão no Judiciário sobre qual é a composição familiar a que se refere a lei que proíbe a penhora do imóvel, se engloba apenas o casal, os filhos ou outros parentes eventualmente morando com eles no imóvel, como um sobrinho ou tio. Essas incertezas, diz o governo, ajudam a tornar mais alta a taxa de juros exigida pelos bancos ao emprestar dinheiro.
Briga ideológica
Segundo Benvenutti, a discussão no Congresso entre a base do governo e a oposição é ideológica. “Tem parlamentares que acreditam que o Estado não tem que se envolver na opção individual do cidadão de oferecer seu único imóvel como garantia para baratear um empréstimo. E outros que acreditam que o Estado precisa ter um papel de zelo com o cidadão e cumprir o papel social de não deixar a pessoa arriscar seu único imóvel”, pontua.
Relator do projeto, o deputado João Maia (PL-RN) disse que não faz sentido permitir o uso do imóvel único para hipoteca, pouco usada no Brasil, e não para outros tipos de empréstimo. “Não se deve proteger alguém que oferece imóvel em garantia e, diante do descumprimento de obrigações garantidas, alega a impenhorabilidade do seu bem”, afirmou.
Líder do Psol, a deputada Sâmia Bomfim (SP) destacou que há pessoas que herdam um imóvel familiar, mas não tem renda suficiente e que, diante do cenário econômico do país, “é evidente que procurarão essa modalidade de empréstimo”. “As pessoas vão ser consideradas potenciais pagadoras, sendo que a realidade financeira das famílias não é essa. O que isso significa? Que as pessoas vão perder suas casas”, disse.
O deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), que votou a favor do projeto, mas contra esse ponto, argumentou que relativizar a impenhorabilidade do bem de família pode levar a uma bolha imobiliária igual à que quebrou os Estados Unidos. “O banco já tem um instrumento de defesa, quando o único bem oferecido à garantia for o bem de família, que é não conceder o crédito”, afirmou.
Imóvel como caução em operações de crédito
Adicionalmente, a proposta também estabelece regras para permitir o uso de um imóvel como caução em várias operações de crédito ao mesmo tempo. Será criada a figura da Instituição Gestora de Garantias (IGGs), um tipo de empresa que avaliará os bens (um carro, imóvel, joias) e permitirá utiliza-los como lastro para obtenção de empréstimos.
Hoje, o bem fica “travado” ao ser oferecido como garantia. Ao oferecer uma casa de R$ 100 mil em troca de um empréstimo de R$ 5 mil em dinheiro, por exemplo, o imóvel fica bloqueado e não pode ser dado como caução em outras operações, mesmo tendo valor bem maior. A ideia do governo é permitir várias operações com o mesmo bem.
Matéria publicada em 04/06/2022