Avessos inicialmente aos criptoativos por receios regulatórios e reputacionais, os grandes bancos brasileiros passaram a desenvolver diversas iniciativas utilizando a tecnologia blockchain nos serviços a clientes e no “back-office”, a ponto de algumas instituições financeiras locais despontarem na vanguarda global da aproximação do setor com esse universo.
É o caso do Itaú Unibanco, que lançou sua própria “tokenizadora” de ativos digitais, com o desafio declarado de liderar o segmento e de levar os ganhos de eficiência dos ativos financeiros tokenizados para financiar uma rede de mais de 4 mil empresas de diferentes portes, além de abrir uma nova gama de investimentos para os clientes pessoa física. “Pessoa física é o grande foco para democratizar o acesso. Esse é o objetivo, dentro das regras de ‘suitability’”, disse Vanessa Fernandes, que lidera a operação no banco.
A iniciativa marca uma mudança na postura do Itaú, que no passado chegou a encerrar contas bancárias de corretoras de criptomoedas. O banco dizia que não tinha intenção de ser concorrente dessas empresas ou de se envolver com qualquer produto relacionado a criptoativos. Fernandes, por outro lado, admitiu até mesmo a possibilidade de, no futuro, a instituição oferecer criptomoedas aos clientes. “Houve uma evolução do mercado como um todo, antes não tínhamos todas as ferramentas que temos hoje”, justificou.
Entre as grandes instituições, o Santander foi o pioneiro ao utilizar a tecnologia blockchain da Ripple para fazer transferências internacionais ainda no início de 2018, reduzindo custos e tempo dessas operações. O banco queria competir com fintechs como a Wise (antiga TransferWise), que já oferecia o serviço a uma fração dos preços dos bancos.
O Banco do Brasil também monitora a tendência. O presidente do BB, Fausto Ribeiro, informou em nota ao Valor que o banco enxerga a tokenização como uma excelente oportunidade para melhoria e ganho de eficiência, de modo que já está fazendo experimentações na área. O laboratório “Lentes BB” tem blockchain como primeira tecnologia selecionada, em parceria com a startup GoLedger, e é o responsável por esses testes. “Neste primeiro ciclo de experimentação estamos prototipando e validando alguns casos de uso, incluindo tokenização de ativos ambientais, para uma blockchain permissionada do BB. Após a validação dos casos, seguiremos para o desenvolvimento das soluções junto aos clientes e parceiros estratégicos”, adiantou o executivo.
Já o Bradesco comprou há dois anos a fintech 4ward, de blockchain as a service (BaaS), por meio da carteira digital Bitz. A startup faz back-office de pagamentos, conciliação de operações, análise de risco e até tokenização de ativos. Procurado, o Bradesco respondeu laconicamente sobre suas iniciativas em tokenização: “Está em processo de avaliação.”
No segmento de investimentos, os bancos digitais e as plataformas financeiras saíram na frente oferecendo inclusive aplicação em criptomoedas, fronteira ainda evitada pelos bancos tradicionais, com o objetivo de conter o avanço das plataformas “criptonativas” sobre sua clientela. Nubank, XP, BTG Pactual e PicPay planejam negociar diretamente bitcoin, ether e outras criptomoedas, como já fazem MB (antigo Mercado Bitcoin), Binance e Bitso, entre outras.
André Portilho, head de ativos digitais do BTG, lembra que o banco fez sua primeira tokenização de um valor mobiliário em 2019, um portfólio de imóveis. Ele conta que a plataforma Mynt, que permitirá a negociação de criptoativos por clientes do banco, em um futuro próximo passará a oferecer a negociação de tokens. “Vamos começar com bitcoin, ethereum, solana, cardano, polkadot e outras criptomoedas. Para os próximos meses, traremos os produtos tradicionais tokenizados”, projeta. Portilho diz ver muito ganho de eficiência em tokens, pois a tecnologia permite cortar etapas e intermediários, mantendo os processos de controle eficientes.
Já a XP afirma que fez uma pesquisa com os clientes que mostrou que metade já tinha alguma exposição ao universo cripto, seja aplicando em criptomoedas e ETFs ou outros produtos. Desse total, 90% gostariam de fazer isso por meio da plataforma da XP.
Como diferenciais em relação aos “criptonativos”, essas plataformas já têm os dados cadastrais, acesso à conta fiduciária, operam num ambiente conhecido e contam com a aprovação e a confiança dos clientes — o que não é pouco diante das histórias de pirâmide financeira e desconfiança do mundo regulado em relação às chamadas finanças descentralizadas.
Felipe Vella, analista da Ativa Investimentos, entende que é “natural” que bancos passem a ter braços de ativos digitais. Para ele, o principal benefício que as instituições financeiras tiram de entrar nesse negócio é a possibilidade de mexer com ativos menos líquidos. “Você pode tokenizar ativos de agritech, infraestrutura, imóveis etc. E pode tokenizar também ativos financeiros e imobiliários”, exemplifica.
No entanto, o analista prevê que a tokenização será utilizada pelos bancos como meio e não como fim. “Não vão emitir seus próprios tokens, o que vão fazer é tokenizar ativos físicos ou mobiliários para facilitar a difusão.”
Na área de pagamentos, a principal iniciativa é da Tecban, empresa responsável pela rede de caixas eletrônicos Banco24horas. Desde 2020, os equipamentos são conectados com algumas das principais plataformas cripto e permitem conversão de moeda digital em dinheiro em espécie. Os saques são feitos no caixa por meio de um aplicativo que gera um QR code no local
Matéria publicada em 24/07/2022