De olho em uma fonte barata de captação em meio à escassez de recursos para o financiamento de longo prazo, os bancos privados têm interesse em acabar com o monopólio da Caixa Econômica Federal na gestão das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O saldo dos recursos descontados todo mês do salário dos trabalhadores com carteira assinada era da ordem de R$ 475 bilhões no fim de março.
Os recursos depositados nas 147 milhões de contas rendem o equivalente à taxa referencial (TR) mais 3% ao ano, muito abaixo da inflação e dos juros pagos pelo governo nos títulos públicos. Para ter acesso a parte desse dinheiro, os bancos estariam dispostos a oferecer ao trabalhador uma remuneração mais atrativa, de acordo com reportagem do jornal "O Globo".
Para o presidente do Santander Brasil, Sergio Rial, a concorrência entre os bancos para conceder empréstimos com "funding" do FGTS traria benefícios ao trabalhador. Na visão de Rial, ampliar o acesso das instituições privadas ao FGTS faz parte de uma agenda mais ampla de mudança na regulamentação do sistema financeiro. "O banco quer liderar discussões para uma desregulamentação de médio prazo que favoreça a concorrência", disse, ao frisar que monopólios não são bons para o país em nenhuma situação.
Como agente operador dos recursos do fundo, a Caixa é quem mais teria a perder com uma possível abertura da gestão para a concorrência. Os recursos do FGTS representam quase um quarto do total de ativos administrados pelo banco público. Procurada, a Caixa informou, em nota, que a opção de tornar o banco operador exclusivo do fundo trouxe "inúmeros avanços do ponto de vista de administração, controle e transparência".
O funding barato e estável é apontado como principal atrativo do FGTS para os bancos privados. O acesso aos depósitos do fundo permitiria às instituições conceder financiamentos de longo prazo, como o crédito imobiliário, com um spread mais atraente. "Há espaço para remunerar melhor os depósitos do fundo sem elevar a taxa de juros para o tomador", afirma um executivo, que pediu para não ser identificado.
A principal fonte de recursos usada pelos bancos privados para o financiamento da casa própria é a caderneta de poupança, que remunera o correntista a uma taxa equivalente ao dobro do FGTS (TR mais 6% ao ano). Os bancos também poderiam usar parte dos recursos no financiamento à infraestrutura, segundo uma fonte. Atualmente, quase todo o funding para o crédito de longo prazo vem de repasses de linhas do BNDES.
Para tudo isso ocorrer, porém, seria necessário não apenas permitir a concorrência pela gestão como também mudar a legislação que rege o FGTS. A norma estabelece que o agente operador receba apenas pela administração dos recursos, segundo a Caixa. Ou seja, o spread das operações realizadas com o dinheiro do fundo não vai para o banco.
O interesse dos bancos pela gestão do FGTS dependerá também das condições para a aplicação dos recursos. Assim como acontece com a poupança, o governo pode impor limites para a taxa de juros nos financiamentos e determinar percentuais mínimos de alocação, segundo uma fonte. As decisões de alocação passam pelo Executivo e pelo Conselho Curador do fundo. "Se as regras forem muito rígidas, pode acabar não sendo tão vantajoso", diz uma fonte.
A permissão para que o trabalhador pudesse escolher o banco no qual depositar os recursos do FGTS também teria de vir acompanhada de algum mecanismo de proteção para o cliente em caso de quebra da instituição, segundo a fonte. Os depósitos da caderneta de poupança, por exemplo, têm cobertura de até R$ 250 mil do fundo garantidor de créditos (FGC).