A despeito da aparente vantagem da Caixa Econômica Federal para reter recursos das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), bancos e plataformas de investimentos se mobilizam para atrair uma fatia dos R$ 43,6 bilhões que vão ganhar livre trânsito a partir desta sexta-feira. Executivos de grandes conglomerados financeiros ouvidos pela reportagem não veem razão para não abocanhar pelo menos a mesma participação que detêm no mercado bancário e prometem uma disputa acirrada pelo rico dinheirinho dos trabalhador.
Recuperação de dívidas inadimplentes, antecipação dos recursos e produtos de investimentos estão na hierarquia de ofertas que farão intensivamente na rede ou por meio dos canais de autoatendimento.
O Bradesco já está em plena campanha na mídia, enquanto o Banco do Brasil (BB) vai colocar no ar a sua comunicação voltada para o FGTS inativo nesta sexta-feira. O Santander, por sua vez, pretende se ater massivamente apenas aos canais remotos. Em todos os casos, a orientação para os gerentes das agências é identificar nas respectivas carteiras os potenciais beneficiários dos recursos das contas inativas. Com bases de clientes gigantes, talvez seja como procurar agulhas no palheiro, mas alguns filtros por idade ou profissão têm sido usados em alguns casos.
No Banco do Brasil, a percepção é que boa parte dessa enxurrada de dinheiro que vai entrar em circulação na economia será direcionada para o pagamento de dívidas e por isso a instituição vai oferecer condições especiais para recuperar recursos de clientes inadimplentes, diz o vice-presidente de negócios de varejo, Marcelo Labuto. "Nosso sentimento é que a primeira leva seja de clientes em busca de tentar pagar mais rapidamente suas dívidas até porque os juros, diferentemente dos que remuneravam esse capital, são muito mais altos. O mais interessante é quitar essas obrigações." O banco também lançou uma linha que antecipa até 80% do saldo do FGTS inativo, para pagamento único até o fim de agosto, a um custo de 4,29% ao mês.
Embora a quantidade de contas com saques acima de R$ 3 mil seja menor (3,3 milhões), esse universo soma R$ 27 bilhões, 62% do bolo total. Mas ninguém, além da própria Caixa, sabe quem são os donos desses volumes. Nas faixas até R$ 3 mil estão 57,5 milhões de CPF, com R$ 16,6 bilhões.
Apesar de ser um jogo cego, Labuto diz não ver razão para o BB, pela sua capilaridade, não conquistar no volume total liberado uma fatia semelhante à participação que detém no mercado, algo como 20%. Isso equivaleria a mais de R$ 8,5 bilhões, mas o executivo deixa claro não haver uma meta nesse sentido.
A Caixa tem a inteligência de dados como CPF e valores estacionados nas contas inativas, mas os trabalhadores em geral já têm a sua movimentação financeira e recebem salário em outro banco, e é com essa dinâmica que o Bradesco trabalha para captar recursos para investimentos ou antecipar numa operação de crédito 100% do valor do FGTS. A campanha inclui internet, jornais, mídia de rua como pontos de ônibus, além do tête-à-tête pelos gerentes na rede.
"Obviamente, o banco não conhece o CPF de todos os clientes que têm contas inativas", diz Cassiano Ricado Scarpelli, diretor do Bradesco. "Mas o banco usou toda a sua capilaridade para abranger potenciais correntistas que vão tirar recursos do FGTS." Conforme exemplifica, na internet há um banner com as alternativas para o trabalhador direcionar seus recursos. A comunicação traz ícones para regularização de dívidas, antecipação do dinheiro e, na parte dedicada a investimentos, links para aplicação no fundo simples, agendamento para consultoria de investimentos ou para planos de previdência. É o trivial empacotado sob o apelo do FGTS.
Como os saques contemplam um público diverso, cada gerente vai trabalhar na sua segmentação, identificando os perfis de risco. "Não dá para falar em percentuais [de captação]", diz o diretor-adjunto do Bradesco Aurelio Guido Pagani. "O banco vai tentar no atendimento capturar a maior quantidade possível." Scarpelli completa que a proposta é deixar claro que a instituição é um banco de portas abertas e que até a poupança é uma alternativa para as pessoas de menor renda. "Ele pode tirar de uma aplicação que rende TR mais 3% para uma de TR mais 6% ao ano."
O FGTS inativo tem sido considerado pelo Santander como mais um evento de liquidez a engordar o fluxo dos primeiros meses do ano, a exemplo dos pagamentos de bônus ou das sobras do 13º salário, segundo o superintendente de investimentos, Marcos Figueiredo. Massivamente, a comunicação do banco se restringe aos canais remotos, enquanto a equipe comercial na rede está orientada a identificar nas respectivas carteiras quem potencialmente terá acesso aos recursos.
"Como muitas empresas têm folha [de pagamento] conosco, temos como ver quem entrou na empresa há pouco tempo ou já tem uma certa idade, para analisar quais os potenciais beneficiários", diz. Da soma que vai ser injetada na economia, a ambição é conquistar uma parcela superior à participação do banco no mercado, de cerca de 10% dos ativos.
Para Figueiredo, essa é uma oportunidade para incrementar negócios, seja engordando o bolo de crédito seja o de investimentos. Como esse era um dinheiro não previsto no fluxo dos correntistas, a primeira mensagem é usar os recursos para reduzir a alavancagem das famílias. "Em vez de se lambuzar, fazer um bom uso dele, para quem está endividado, a orientação é saldar as dívidas, porque vai ter mais benefício do que se poupar ou consumir."
O segundo passo, prossegue o executivo, é a construção de uma reserva de emergência, muito rara entre os brasileiros que não conseguem ter uma poupança equivalente a três meses de renda, quiçá aos seis meses recomendados pelos manuais de finanças pessoais. Em último plano, ele cita os fundos de previdência.
Como o FGTS é conceitualmente de longo prazo, Aline Sun, sócia da Guide Investimentos, pondera que esse é um recurso que, não havendo dívidas a saldar, pode ser eventualmente direcionado para uma carteira de ações, que pode render mais que o fundo, ou para Notas do Tesouro Nacional - B (NTN-B, atreladas à inflação) longas. "Com toda a perspectiva de queda de taxa de juros, o importante é manter o poder de compra", afirma.
A instituição traçou algumas estratégias para atingir esse público. Primeiro fez um filtro por profissões, excluindo da comunicação profissionais liberais, e a partir de agora começará a enviar peças de e-mail marketing pelo mês de aniversário, coincidindo com o cronograma de saques previsto pela Caixa.
"E há também todo um trabalho educativo, chamando a atenção das pessoas que têm mais recursos, de que, mesmo não precisando do dinheiro, têm que ir resgatar para aplicar em coisa melhor", diz Aline. "O diretor de uma empresa, por exemplo, que está fora do dia a dia do mercado financeiro, talvez tenha muito dinheiro para sacar e não esteja olhando para isso."
A Rico, por sua vez, tem se empenhado em campanhas educativas em que reitera nos minguados retornos do FGTS a importância de dar um destino melhor aos recursos. Segundo o analista-chefe da instituição, Roberto Indech, o Tesouro Selic é uma boa alocação para os perfis mais conservadores, enquanto os multimercados podem trazer diversificação eficaz para horizontes de longo prazo.