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30/08/2024

Bancos e governo preparam ‘reforma’ para crédito imobiliário voltar a crescer (Estado de S.Paulo)

Participação do financiamento imobiliário no PIB passou de 2% no início dos anos 2000 para 10% em 2015; depois disso, parou de crescer

Agentes do mercado e do governo estão construindo uma agenda com diversas iniciativas para fazer o crédito imobiliário crescer nos próximos anos a partir de novas fontes de recursos. A movimentação ganhou força após ficar claro que a poupança - principal fonte para os financiamentos - não deve se recuperar após os saques de mais de R$ 200 bilhões nos últimos três anos. O entendimento é de que é preciso procurar alternativas, ou o crédito ficará escasso e caro.

A participação do crédito imobiliário na economia nacional no Produto Interno Bruto (PIB) passou de 2% no início dos anos 2000 para 10% em 2015. Desde então não cresceu mais.

 

Em parte, o avanço dos anos anteriores ocorreu graças à criação de ferramentas jurídicas - como a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação - que deram mais segurança para os bancos emprestarem o dinheiro e tomarem as garantias em caso de calote.

O avanço também se deu pelo surgimento do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que se vale de recursos subsidiados do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para financiar o sonho da casa própria das pessoas de renda baixa.

Depois disso, a participação do crédito imobiliário no PIB parou de avançar, prejudicada pelo ambiente de juros altos e pelo esgotamento da poupança. “O crédito teve um crescimento muito grande. Mas quando se olha os últimos dez anos, ficou estagnado, oscilando entre 9% e 10%”, disse Marina Gontijo, sócia da Oliver Wyman.

 

A consultoria fez um raio-x do setor encomendado pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

Uma das constatações do estudo é que o Brasil está atrás de outras economias similares quando o assunto é a participação do crédito imobiliário no PIB. O patamar nacional de 10% está atrás de México (11%), Índia (12%), África do Sul (18%), China (18%), Itália (23%), Chile (30%) e Cingapura (32%), por exemplo. “É importante olhar para esses países, com economias semelhantes à do Brasil, mas com crédito imobiliário muito mais desenvolvido”, observou Gontijo.

A primeira explicação para esse distanciamento é óbvia: o juro alto por aqui torna o financiamento ao comprador de imóvel mais oneroso do que em outros países. E a razão para o banco cobrar um juro alto é que os recursos que alimentam esses empréstimos também têm um custo de captação alto. “Se tiver um custo de funding mais barato, é possível aos bancos oferecer uma taxa menor”, apontou a sócia da consultoria.

 

A taxa média de financiamento imobiliário no Brasil está em 11,7%. Desse total, 8% vem do custo do dinheiro captado (poupança e instrumentos de mercado). Há também 1,2% de custo do risco de inadimplência, 0,9% de tributos e encargos, 0,6% de despesas administrativas bancárias e 1,0% para margem de lucro operacional.

 

Esse custo poderia ser ainda mais alto se não fosse a poupança, que tem remuneração menor devido à regulação. Entretanto, a caderneta vem perdendo participação no funding (como mostra a tabela abaixo) e não há expectativa de recuperação. “Não podemos contar mais com a poupança, temos de procurar outras fontes alternativas”, disse Gontijo. “Ao contrário de outros anos em que a poupança se recuperou dos saques, desta vez é diferente. Houve uma mudança na postura do investidor, que passou a ter acesso a outras aplicações financeiras”.

O levantamento da Oliver Wyman apontou algumas opções para destravar o setor. Uma delas seria aperfeiçoar os instrumentos alternativos já existentes, como Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs). “Precisamos garantir que sejam atraentes para quem investe e para quem emite”, frisou Marina Gontijo.

 

Outra opção é introduzir uma taxa para mutuários que façam o pagamento antecipado dos financiamentos - situação que ‘frustra’ a receita que os bancos teriam com juros ao longo do contrato. “O Brasil é um dos poucos países onde não se cobra taxa dos mutuários para fazer o pré-pagamento. Vários países (Chile, África do Sul, Turquia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, entre outros) atribuem uma penalidade para o pré-pagamento, na forma de tarifa. Isso é até regulamentado”, observou.

 

O presidente da Abecip, Sandro Gamba, afirmou que o foco da associação nos próximos anos será construir um caminho na transição entre as fontes de funding tradicionais (poupança e FGTS) para os novos instrumentos, como LCIs, LIGs e CRIs. “Estamos em uma fase de transição e ficou muito claro que não teremos uma solução única. A agenda é de várias medidas de aprimoramento”, disse.

 

FONTE: ESTADO DE S.PAULO