Por Rita Azevedo
O crédito imobiliário tem se mantido aquecido e deve encerrar o ano com recorde, mas a expectativa dos bancos é que haja um freio em 2025, já que a alta da Selic e, principalmente, a restrição do funding começam a comprometer a oferta. As taxas de juros dos financiamentos estão subindo, e uma queda - que chegou a ser vislumbrada para o fim deste ano - pode demorar a acontecer.
O encolhimento do crédito imobiliário está relacionado a um problema já conhecido: o aumento dos saques da poupança. A situação foi agravada neste ano com a alta dos juros e com mudanças nas regras para emissão de letras de crédito imobiliárias (LCI), que elevaram o tempo de carência e aumentaram o custo de captação, diz Sandro Gamba, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), em entrevista ao Valor.
“Não será em novembro ou dezembro, mas ainda no primeiro trimestre de 2025 haverá uma diminuição do crédito imobiliário”, afirma Gamba. “O momento atual é positivo, mas, considerando a subida da curva longa de juros [taxas de juros futuros], a manutenção desse patamar alto de concessões nas taxas que o mercado tem absorvido é algo muito difícil de se manter.”
Existia uma grande expectativa de queda das taxas do crédito imobiliário, mas isso mudou” — Rafael Sasso
Trata-se de uma reversão de cenário de um setor que tem se mantido muito forte. Até setembro, os financiamentos com recursos da poupança (SBPE) somaram R$ 136 bilhões, volume 19% maior que o registrado no mesmo intervalo de 2023. Já o financiamento com recursos do FGTS cresceu 47%, para R$ 99 bilhões, no mesmo período. O esperado é que o montante total, considerando poupança e FGTS, chegue próximo à marca dos R$ 300 bilhões, segundo Gamba, da Abecip, superando outros anos positivos para o mercado, como em 2021.
Os bancos têm defendido a redução de depósitos compulsórios pelo Banco Central. Em outra linha de frente, a Abecip também solicitou o retorno das regras para a emissão das LCI aos moldes antigos, com redução do atual prazo de nove meses, estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), para três meses. Com a ampliação do prazo, o volume de emissões diminuiu e o custo das captações aumentou, diz Gamba.
Em outubro, alguns bancos começaram a se movimentar para adequar o volume de concessão de crédito, seja por meio da elevação da taxa de financiamento ou pela adoção de restrições. No Santander, por exemplo, a taxa inicial passou de 10,49% a 10,99%. No Itaú Unibanco, a elevação foi de 10,49% para 10,79%. O Bradesco, até o momento, não divulgou alterações.
Mais recentemente, a Caixa mudou as regras e definiu que os financiamentos feitos com recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) seriam limitados a imóveis de até R$ 1,5 milhão. Além disso, a parcela do imóvel financiada pelo Sistema de Amortização Constante (SAC) passou de 80% para 70%. Pelo sistema Price, a fatia caiu de 70% para 50%.
As taxas de financiamento ficaram praticamente estáveis até setembro, segundo levantamento da Liquid, startup que aplica inteligência artificial no mercado imobiliário. Em janeiro, a média era de 11,19% e de fevereiro a setembro permaneceu em 10,42%. Em outubro, passou a 10,54%. “Com a queda da Selic, ao longo do ano, existia uma grande expectativa de queda das taxas do crédito imobiliário, mas isso mudou”, diz Rafael Sasso, fundador da Liquid.
Mesmo com as alterações nas taxas, a procura por financiamento se manteve, segundo Priscilla Basso, coordenadora de crédito imobiliário da Melhortaxa, plataforma de comparação de empréstimos habitacionais. “Ocorreram muitas entregas de empreendimentos que ficaram parados por um tempo. Com isso, os clientes não pararam de buscar financiamento. Até agora, não houve uma redução drástica”, explica. Do lado dos bancos, ela notou outras mudanças mais sutis, como a prioridade da concessão de recursos para quem já tem relacionamento com a instituição. “Em vez de abrirem o leque para todos, passaram a focar, por exemplo, em correntistas.”
Segundo Thales Ferreira, diretor de crédito imobiliário, veículos e consórcios do Itaú Unibanco, há desafios de adaptação com a questão de equilíbrio de funding e os impactos de taxas de juros de longo prazo. “Temos que estar muito atentos e realizar movimentos necessários para continuar garantindo a oferta com condições competitivas. E isso está muito mais dinâmico, latente e tempestivo do que em outros momentos”, afirma em nota enviada ao Valor, ressaltando que, o crédito imobiliário deve fechar 2024 com números absolutos e relativos “muito fortes”.