Os bancos públicos e o fundo de investimento do FGTS (FI-FGTS) são os maiores credores do grupo Odebrecht SA sem garantias reais, como ações e imóveis. Essas instituições detêm quase R$ 17 bilhões de dívidas incluídas nessa categoria dentro da recuperação judicial da empresa, que foi aceita nesta terça-feira, 18, pelo juiz João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais, de São Paulo. O processo da Odebrecht, que tem dívidas de R$ 98,5 bilhões, é considerado o maior da história.
Sem garantias, os bancos públicos vão para o fim da fila dos credores a receber, na frente apenas dos acionistas. Além disso, deverão ter um desconto grande sobre o valor principal, dependendo das negociações na assembleia. Nessa categoria de empréstimos, o maior credor é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A instituição tem cerca de R$ 7 bilhões em créditos da Odebrecht. Em seguida, aparece o Banco do Brasil com R$ 4,75 bilhões; e a Caixa, com R$ 4,13 bilhões. O crédito do FI-FGTS é de R$ 902 milhões, segundo a lista de credores constante no processo judicial.
Na outra ponta, estão os bancos privados – Bradesco, Santander e Itaú. Juntos eles têm uma dívida a receber de R$ 1,3 bilhão, sem garantias. Em contrapartida, detém um crédito de R$ 8,4 bilhões, com garantias, especialmente de ações da Braskem. No caso de Bradesco e Itaú, que têm o maior montante segurado com os papéis da petroquímica, o valor foi elevado no ano passado quando os dois bancos aceitaram fazer um novo aporte de R$ 2,6 bilhões no grupo.
De um total de R$ 14,5 bilhões de dívidas com garantias, como ações da Braskem, e que não entraram na recuperação judicial, os bancos públicos detém uma fatia de apenas R$ 6 bilhões.
Contestação - O BNDES contesta as informações do processo judicial. Em nota, o banco afirmou que todas as operações firmadas com a Odebrecht têm garantias reais e pessoais. “O banco apresentará sua manifestação no âmbito da recuperação judicial de modo a obter o correto reconhecimento do valor, classificação dos seus créditos.” A Caixa informou que a operação é protegida por sigilo bancário, e, por isso, não iria se manifestar. O BB e os bancos privados não comentaram.
Segundo especialistas, a prática de conceder crédito sem garantias não é incomum. Em muitos casos, os bancos avaliam o risco da empresa e, em vez de exigir garantias, incluem nos contratos os chamados covenants – que são cláusulas com indicadores financeiros que não podem ser descumpridos sob pena de terem o vencimento de dívidas antecipado. Isso ocorre com Vale e Petrobrás, que têm parte da dívida atrelada apenas a esses mecanismos, disse um especialista em estruturação de dívida.
A Odebrecht já vigorou nesse rol de empresas. Em determinado momento, com o forte crescimento econômico e a expansão dos negócios do grupo, as instituições estavam “confortáveis com risco da empresa”, explicou um executivo de um grande banco. A companhia dava garantias específicas para alguns projetos, mas pegava muita dívida corporativa sem garantia. Exemplo disso, é que entre 2008 e 2015, o endividamento do grupo saltou de R$ 18 bilhões para R$ 110 bilhões.
No caso do BNDES, além de conceder financiamentos para projetos específicos, como hidrelétricas e rodovias, que tinham como garantia a própria receita do negócio, o banco também dava garantias para contratos da empresa com terceiros. Ou seja, se hoje a Odebrecht não pagar um determinado contrato, quem pagará a conta é o BNDES, explica um advogado.
Apesar da dívida bilionária, a recuperação judicial da Odebrecht deve ter impacto limitado para os grandes bancos, segundo a casa independente de análise financeira Eleven Financial. A explicação é que os bancos já fizeram níveis elevados de provisionamento para possíveis perdas.
“Hoje eles apresentam níveis de provisionamento mais elevados em relação aos patamares de 2015-2016, período em que foram impactados por alguns casos decorrentes da Lava Jato”, avalia a analista Tatiana Brandt, em relatório ao mercado.
Marcelo e Emílio Odebrecht, acionistas do grupo e condenados na Operação Lava Jato, estão entre os credores da Odebrecht dentro da recuperação judicial. Segundo a lista de credores da empresa, Marcelo – condenado a 19 anos de detenção e que hoje está em prisão domiciliar – tem R$ 16,2 milhões de créditos a receber da empresa. O valor de Emílio Odebrecht é de R$ 80 milhões.
O cunhado de Marcelo, Maurício Ferro, que também é réu da Operação Lava Jato, detém um montante de mais de R$ 8 milhões. Os valores atribuídos a Newton Souza, ex-presidente do grupo, chegam a R$ 280 milhões e envolvem a recompra de ações do grupo, segundo o processo. Outros condenados no escândalo de corrupção também estão entre os credores.
Na lista, os escritórios de advocacia estão em maior número ao lado dos grandes bancos. Embora o valor seja bem menor, a variedade de escritório é grande – o que explica a complexidade do grupo diante dos reflexos causados pela Operação Lava Jato. O declínio do império Odebrecht começou em 2015 quando Marcelo Odebrecht foi preso. De lá para cá, o grupo tem sofrido um revés atrás do outro.