Bancos e incorporadoras têm sido condenados a pagar o IPTU de imóveis na capital paulista que foram financiados por meio de alienação fiduciária. Em recentes decisões, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) aceitou o redirecionamento das cobranças. Há entendimento nesse sentido em duas das três câmaras de direito público que julgam o tema.
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Na capital paulista, o nome do banco ou da incorporadora vai inserido no próprio carnê do IPTU. No caso de o responsável pelo financiamento não pagar o imposto, o débito em nome da instituição vai direto para a dívida ativa, segundo advogado Bruno Sigaud, do Sigaud Advogados.
A prática de redirecionamento de cobranças de IPTU ganhou força com a crise gerada pela covid-19. Em 2020, a inadimplência de IPTU na cidade de São Paulo chegou a 15% (cerca de R$ 1,9 bilhão). Nos quatro anos anteriores, foi de 12% em média, segundo a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal da Fazenda.
“No ano passado, a demanda em nosso escritório por parte de clientes com esse tipo de conflito triplicou”, afirma o advogado Cristiano Luzes, sócio do Serur Advogados. O valor do IPTU, em geral, corresponde a 2% a 3% do valor do imóvel.
Na Justiça, bancos e incorporadoras questionam o entendimento da Prefeitura de São Paulo. Para a Secretaria Municipal da Fazenda, conforme nota enviada ao Valor, a atribuição de responsabilidade tributária subsidiária “decorre do fato de que, na alienação fiduciária, a instituição credora assume a posse indireta do bem, sob condição resolúvel, passando a ser titular daquele imóvel e, portanto, torna-se sujeita a satisfazer o IPTU devido”.
O órgão ainda acrescenta que a instituição credora “aufere benefícios econômicos da relação que resulta dessa posse indireta, na medida em que a alienação fiduciária é instrumento que encoraja o adimplemento do financiamento contratado”. E que “deve, portanto, também por uma questão de capacidade contributiva e justiça fiscal, ser chamada a responder pelo IPTU devido, no caso de inadimplemento pelo devedor fiduciante”.
A argumentação é contestada por bancos e incorporadoras. Alegam que apenas têm os imóveis como garantia e posse indireta dos bens, o que não seria suficiente para caracterizá-los como contribuinte do IPTU. “O credor não detém os atributos mais típicos da propriedade, como direitos de usar, gozar e dispor do bem, nem tem interesse em se tornar efetivamente dono do imóvel”, diz Diogo Ferraz, do Freitas Leite Advogados.
O advogado Cristiano Luzes afirma que não poderia haver responsabilização por dívida de IPTU nem mesmo quando a instituição executa sua garantia — ou seja, tenta retomar o bem por inadimplência. Ela passaria a ser responsável, acrescenta, somente após tomar a posse do imóvel.
Em janeiro, o advogado obteve uma liminar para uma instituição financeira nesse sentido. Foi concedida pela desembargadora Silvana Malandrino Mollo, da 14ª Câmara de Direito Público do TJ-SP (processo nº 2001177-33.2021.8.26.0000). A decisão, porém, poderá ser modificada pelo colegiado, que costuma decidir contra a tese dos bancos.
A 18ª Câmara de Direito Público também julga a favor da Prefeitura de São Paulo. Em recente decisão (agravo de instrumento nº 21826
67-22.2020.8.26.0000), o relator de um caso contra um banco, desembargador Ricardo Chimenti, afirma estar “correta a postura da municipalidade ao fazer constar em seu cadastro a credora fiduciária e proprietária do imóvel, promovendo a ação executiva para fins de cobrança do IPTU”. E acrescenta: “Nos termos da legislação aplicável, é contribuinte do IPTU e parte legítima [o banco] para figurar no polo passivo da execução fiscal em curso.”
Na 15ª Câmara de Direito Público, porém, o entendimento é contrário. Em julgamento realizado neste mês, os desembargadores decidiram a favor de um banco, que era cobrado por uma dívida de IPTU de 2017 (agravo de instrumento nº 2178486-75.2020.8.26.0000).
O relator, desembargador Silva Russo, afirma na decisão que “somente a propriedade resolúvel é conferida ao credor fiduciário e para fins apenas de garantia, por isso restando afastada sua condição de contribuinte”.
Como o TJ-SP segue dividido é possível, segundo o advogado Diogo Ferraz, que casos idênticos sejam julgados de maneira diversa. “Esse é o pior cenário possível, porque a jurisprudência, em vez de gerar segurança e igualdade, produz insegurança e desigualdade”, diz.
O que agrava ainda mais a situação, afirmam advogados, é que os tribunais superiores que poderiam esclarecer o tema em definitivo — o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) — dizem que não são competentes para julgar o tema. “Era esperado que a questão fosse pacificada no STJ ou no STF. Mas é aqui que surge o possível limbo”, afirma Ferraz.
Em outros municípios, como Belo Horizonte ou Florianópolis, há cobrança apenas quando o imóvel já está na propriedade do banco, mas ainda não houve a imissão na posse (os devedores ainda moram no imóvel). Nesse caso, tanto o TJ-MG quanto o TJ-SC têm decisões favoráveis aos contribuintes, segundo o advogado Bruno Sigaud.
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte afirma que “o direcionamento da cobrança aos bancos, após a consolidação da propriedade, é imposição legal da responsabilidade por sucessão (artigo 130 do Código Tributário Nacional).”
Também por meio de nota, a Prefeitura de Florianópolis informa que “enquanto não houver a consolidação da propriedade em favor do banco, continuamos cobrando o IPTU em face da pessoa que obteve o financiamento. Somente quando há a transferência da propriedade para o banco é que a responsabilidade recai sobre a instituição bancária”.