O Banco Central vai estudar o sistema de crédito direcionado nos segmentos imobiliário, agrícola, microcrédito e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), reabrindo o debate que virou tabu nos governo Lula e Dilma sobre subsídios cruzados e perda de eficiência da política monetária provocados pelo uso intensivo desses instrumentos de fomento.
O diagnóstico sobre o mercado dual de crédito, que será feito com apoio do Banco Mundial, faz parte de um plano de ação mais amplo anunciado pelo presidente do BC, Ilan Goldfajn, com iniciativas em áreas como cidadania financeira e redução do custo de crédito.
"Vamos reavaliar o impacto do crédito direcionado com muito cuidado, para entender o sistema", disse Ilan. "Vamos ver se existe um novo modelo possível."
O assunto deve ser examinado durante um prazo de dois a três anos, mas é a primeira vez em uma década e meia que o governo se mostra aberto ao tema. Na gestão Armínio Fraga no BC, foi feito um estudo semelhante, incluindo o papel dos bancos públicos, mas a conclusão foi de que o sistema financeiro da época ainda não estava preparado para abrir mão do crédito direcionado. No governo Lula, o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, chegou a propor a discussão, mas acabou desautorizado pelo governo.
De 2007 para cá, a proporção dos empréstimos direcionados no total de crédito bancário da economia passou de 35,6% para 50,1%, em grande parte devido ao uso dos bancos públicos como agente de políticas anticíclicas e como instrumento de fomento.
O Banco Central sempre se queixou que o segmento de crédito direcionado está relativamente imune a decisões de política monetária porque as suas taxas são fixadas na legislação e não variam muito quando os juros básicos da economia aumentam. Com isso, toda a carga da política monetária teria que ser concentrada, com doses mais altas, no crédito livre, que inclui linhas como capital de giro para empresas e crédito consignado.
Os subsídios cruzados significam que parte da população, como os depositantes de caderneta de poupança e tomadores de crédito livre, estariam bancando parte dos juros mais baixos oferecidos em linhas de crédito mais baratas, como imobiliário e rural.
Ilan negou, ao anunciar as medidas, rumores de que o governo esteja estudando orientar os bancos públicos a baixar os juros para estimular a competição no sistema bancário. "Não vamos cometer os mesmos erros do passado", disse o presidente do BC.
Ilan havia dito em outubro que preparava um plano de trabalho para a sua gestão, que ele pretende que vá além do dia-a-dia da políticas monetária e cambial e da supervisão do sistema financeiro. O anúncio, no fim, acabou muito próximo da divulgação de um pacote do governo Temer para estimular a economia, levantando expectativas de que o BC estivesse também elaborando um plano de ação imediata para tirar a economia da recessão.
"É uma agenda de trabalho para os próximos anos", disse Ilan sobre o plano de ação, batizado de "BC+". No fim, basicamente uma ação terá aplicação imediata - a edição de medida provisória (MP) permitindo que comerciantes cobrem preços diferentes para pagamentos com cartão e dinheiro.
Muito do que foi incluído no agenda de Ilan já fazia parte do planejamento estratégico do Banco Central, como, por exemplo, estudos para criar um sistema de resolução de crises bancárias e para agilizar e minimizar perdas nos processos de liquidação de instituições financeiras.
Uma das novidades foi a ideia de aperfeiçoar os processos administrativos punitivos para instituições financeiras e seus dirigentes que infringem as regulamentações da área. Será criado o Termo de Compromisso (TC), para cessar práticas que o BC considera irregulares. E também o acordo de leniência, um instrumento muito usado ultimamente nas apurações da Lava-Jato para empresas reconhecerem irregularidades, pagarem multas e mudarem as suas práticas.
Ilan também decidiu levar avante iniciativas de um outro programa do BC para reduzir custos para o sistema bancário conhecido como Otimiza BC. Uma das mais importantes é o projeto de "unificar e simplificar alíquotas e prazos" dos depósitos compulsórios dos bancos ao longo de 2017. Não está claro ainda o que o BC chama de unificação de alíquotas, mas a indicação do é que "a medida não visa alterar o volume de recursos recohidos, mas reduzir gradualmente a complexidade operacional para reduzir custos".
O BC, disse Ilan, segue estudando medidas para reduzir o prazo que os comerciantes recebem os recursos das operadoras de cartões de crédito e para diminuir os juros cobrados dos clientes no crédito rotativo.
Ilan esclareceu que a criação da Letra Imobiliário Garantida (LIG) não significa que o governo vá acabar com incentivos tributários para as Letras do Crédito Imobiliário (LCIs) e das Letras do Crédito do Agronegócio (LCA), nem que vá ampliar ainda mais os prazos de carência de resgate para fazer jus a esse benefício.
O BC também resgatou discussões que vinham sendo feitas pelo governo passado para aperfeiçoar a relação da instituição com o Tesouro. A ideia avaliada é criar uma conta de reservas de resultados que serviria para amortecer prejuízos de exercícios subsequentes. As transferências de resultados entre o BC e o Tesouro seriam feitos com os mesmos instrumentos, provavelmente dinheiro, reduzindo ou eliminando o uso de títulos públicos nessas operações.