Notícias

20/09/2016

BC quer a inflação em torno da meta

Essa noção de que o centro da meta é o piso ganhou força durante a gestão de Alexandre Tombini.

O diretor de política monetária do Banco Central, Reinaldo Le Grazie, citou ontem o objetivo de deixar a inflação "em torno da meta", alimentando incertezas sobre o horizonte de cumprimento desse objetivo, entre 2017 e 2018.


Em evento da Cámara Oficial Española de Comércio, no Rio, Le Grazie parecia se referir mais a um princípio geral do funcionamento do regime de metas de inflação, e não a uma prescrição mais imediata de política monetária.

A questão é o quanto esse princípio mais geral poderá guiar as decisões que serão tomadas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC em outubro e em novembro, num contexto de forte divisão dos analistas econômicos sobre quando a autoridade monetária poderá iniciar um ciclo de distensão monetária.

O diretor do BC chamou a atenção para a necessidade de resgatar o tripé de política macroeconômica, seguindo uma linha de discurso iniciada em junho pelo presidente da instituição, Ilan Goldfajn.

"Quanto mais tempo a inflação permanecer em torno da meta, maior será a contribuição do Banco Central para que as correções de preços deixem de ser uma preocupação recorrente na tomada de decisão dos agentes", disse o diretor do BC.

A manutenção da inflação em torno da meta significa que, em alguns anos, o índice de preços ficaria acima do centro da meta, hoje de 4,5%, e em outros ficaria abaixo desse percentual.

Conforme já havia sido dito por Ilan, isso reforçaria a ideia de que o centro da meta é realmente o centro, e não o piso. Essa noção de que o centro da meta é o piso ganhou força durante a gestão de Alexandre Tombini.

Nesse período, o intervalo de tolerância do regime de metas serviu não apenas para acomodar choques inesperados que desviam a inflação do centro da meta. Também absorveu desequilíbrios conhecidos de antemão, como crescimento da economia acima do potencial e mercado de trabalho muito apertado, que pressionavam a inflação e exigiam uma resposta da política monetária que nunca ocorreu.

Na gestão Ilan, o trabalho de recuperar o regime de metas está longe de ser concluído. Muitos analistas no mercado acham que o BC vai abandonar o centro da meta de 2017, cortar os juros e se focar apenas na meta de 2018. Isso evitaria, segundo essa linha de raciocínio, a volatilidade da inflação e da atividade.

As projeções oficiais de inflação no cenário de referência estão de 4,5% para 2017 e, possivelmente, em percentual abaixo disso para 2018, pressupondo que os juros fiquem estáveis nos atuais 14,25% ao ano. Se os juros caírem como prevê o mercado, a inflação ficaria em 5,1% em 2017.

Se for adotar na risca o princípio defendido por Le Grazie no discurso, o BC teria que manter os juros estáveis em 14,25% ao ano enquanto esse for um pré-requisito para atingir a meta de 4,5% em 2017. O BC só poderia deixar os juros caírem se suas projeções - levando em conta essa queda de juros - apontarem o cumprimento da meta de inflação em 2017. O BC só teria espaço para focar em 2018 mais adiante, já em 2017, quando as suas decisões de política monetária tiverem efeito muito pequeno sobre o ano-calendário em curso.

Isso porque apenas as projeções na meta de inflação poderão ampliar a chance de o índice de preços ficar, ao longo do anos, em torno desse alvo, só se afastando do centro da meta como resultado de choques de preços inesperados, positivos e negativos. Cenários alternativos mais favoráveis podem até aumentar a chance de cumprir o centro da meta. Mas seria arriscado se fiar neles, porque se esses cenário fossem confiáveis, seriam o cenário central, e não alternativos.

Se baixar os juros sem que as projeções estejam rigorosamente na meta, o Banco Central provavelmente estará pesando outro objetivo da política monetária, também legítimo: o de suavizar a oscilação do Produto Interno Bruto (PIB) em torno de sua tendência de longo prazo. Bancos centrais do mundo todo mantém um olho na inflação e outro na atividade, usado a flexibilidade do regime de metas de inflação.

Mas não é isso que tem sido enfatizado no discurso atual do BC, que parece atribuir um peso mais forte ao resgate da meta de inflação - que parece correto, dado seu grau de abandono nos últimos anos. Le Grazie enfatizou, no seu discurso, a importância da transparência na comunicação do Copom. Se for usar da flexibilidade do regime de metas, portanto, isso ainda deverá ser comunicado pelo Copom. 

FONTE: VALOR ECONôMICO