O Banco Central retomou a agenda de medidas microeconômicas para a redução dos juros e dos spreads bancários que havia sido deixada em segundo plano no governo Dilma Rousseff. Na administração anterior, o foco foi o uso dos bancos públicos para pressionar as instituições privadas a reduzir os juros para os tomadores finais de crédito na economia.
Os trabalhos ainda estão no início, na fase de definição de prioridades e medidas, mas a orientação do presidente do BC, Ilan Goldfajn, é examinar temas como a cunha fiscal incidente sobre o crédito, subsídios cruzados ligados ao sistema de empréstimos direcionados e maior concorrência entre os bancos.
São questões que, para o Banco Central, devem ser lidadas no médio e longo prazos, incluindo os altos depósitos compulsórios vigentes no país, que têm implicações importantes para a condução da política monetária.
O objetivo é, ao longo do tempo, produzir uma queda sustentada e perene do custo do crédito, evitando o que a direção atual do BC considera como atitude "voluntarista" adotada no governo Dilma, que levou a uma queda apenas temporária nos juros do sistema e causou o enfraquecimento dos bancos públicos.
Desde abril de 2013, quando o BC começou a elevar a taxa básica de juros, o spread bancário subiu de 22,5 pontos percentuais ao ano para 40,7 pontos percentuais ao ano, em grande parte porque os bancos aumentaram as margens em função da alta da inadimplência e percepção de risco maior. Além desses fatores cíclicos, porém, há questões estruturais que historicamente fazem com que o custo do dinheiro para empresas e famílias sejam bastante elevados no Brasil.
A ideia é retomar a agenda de medidas para reduzir o custo do crédito que vigorou por uma década. Sua implementação deverá ser acompanhada ao longo do tempo pelo próprio BC, por outras áreas do governo e pelos poderes Judiciário e Legislativo.
Até 2010, o Banco Central divulgava, no seu relatório anual "Economia Bancária e Crédito", uma lista de propostas que estavam sendo implementadas. A ideia foi lançada na gestão de Armínio Fraga no BC, entre 1999 e 2002, e teve continuidade durante a gestão de Henrique Meirelles, já no governo Lula.
Dela, saíram medidas concretas, como a nova Lei de Falências - que o governo já indicou que estuda novos aperfeiçoamentos para dar maiores garantias nos empréstimos, reduzindo riscos de inadimplência -, o aperfeiçoamento da alienação fiduciária para financiamentos de automóveis e o marco legal do crédito consignado para aposentados.
Uma das questões que já estão sendo estudadas pelo Banco Central é o cadastro positivo, segundo informou Ilan em depoimento recente no Senado. Sua viabilidade está em xeque depois que o Judiciário de alguns Estados exigiu que pessoas e empresas sejam notificadas para terem nomes incluídos nesse banco de dados, impondo custos que, na visão do setor, poderiam tornar inviável o sistema.
A competição entre os bancos é um dos pontos que estão incluídos nos esforços do Banco Central. A ideia é assegurar que os bancos deem transparência aos preços e condições de seus produtos, para permitir que o consumidor compare as ofertas disponíveis no mercado.
Como princípio, Ilan também defendeu a ampla portabilidade dos produtos e serviços, o que permitiria que clientes bancários insatisfeitos migrem para concorrentes em busca de condições mais favoráveis.
Um dos pontos mais importantes que devem ser reexaminados na agenda, que vem sendo estudado pelo Banco Central pelo menos desde 1999, é a flexibilização do direcionamento obrigatório de crédito em segmentos como empréstimos rurais, imobiliários e microcrédito.
O governo chegou a criar um grupo de trabalho incluindo os ministérios de Fazenda e Agricultura e o BC para discutir alternativas para o setor rural. A conclusão, na época, foi que a economia não estava madura para esse passo - para flexibilizar a regra de direcionamento seria necessário primeiro desenvolver novas opções de financiamento de mercado.
No caso do crédito imobiliário, os estudos do Banco Central feitos no passado indicaram que a queda sustentada dos juros estruturais da economia são o melhor caminho para reduzir a dependência do direcionamento de recursos da caderneta de poupança. Autoridades do governo Temer têm argumentado que, com o ajuste nas contas públicas e a adoção de reformas que aumentem a produtividade da economia, a tendência é os juros caírem de forma sustentada.
A redução da chamada cunha fiscal no crédito é um ponto antigo na agenda da redução do spread e juro do crédito, sempre adiado para evitar impactos fiscais, que são ainda mais prementes no momento atual, quando o governo faz um ajuste nas suas contas públicas.
De forma análoga, a redução dos depósitos compulsórios também foi colocada em segundo plano ante a prioridade do Banco Central em reduzir a taxa básica de juros, quando o cenário inflacionário é favorável.
No seminário anual do BC sobre riscos, estabilidade financeira e economia bancária, foi apresentado um estudo, ainda em fase de elaboração, de um economista da instituição, João Barata Barroso, que discute o impacto da liberação de compulsórios na expansão de crédito ("Credit Supply Responses to Reserve Requirement Shocks: Evidence from Credit Registry").
O último Relatório de Economia Bancária e Crédito, de 2014, mostra que a margem líquida dos bancos representa quase 38% do spread bancário no crédito com taxas prefixadas; a inadimplência, quase 25%; os impostos, também 25%; os custos administrativos, 9%; e os compulsórios e subsídios cruzados, 3%.