O Banco Central divulgou ontem um estudo especial que estabelece o arcabouço analítico que vai guiar as suas decisões de liberação de depósitos compulsórios a serem feitas no curto, médio e longo prazos. A autoridade monetária está examinando as sobreposições entre o compulsório sobre depósito a prazo e as exigências de liquidez estabelecidas pelo acordo de Basileia 3, principalmente o chamado “Liquidity Coverage Ratio” (LCR).
A questão é se, com a adoção plena dessa exigência de liquidez no Brasil no ano passado, faz sentido manter as elevadas alíquotas de recolhimento compulsório sobre depósito a prazo, atualmente em 31%, como um instrumento macroprudencial para lidar com crises sistêmicas de liquidez. O LCR opera de uma forma bem semelhante às exigibilidades de compulsórios. Por essa regra, os bancos devem destinar 40% dos recursos que captam de empresas à compra de ativos líquidos, basicamente títulos públicos. Já nas captações feitas junto a pessoas físicas, esse percentual é de 5% a 20%.
Dependendo das conclusões desse estudo, em tese o Banco Central poderá anunciar novas rodadas de liberação de compulsório no curto e médio prazos, antes da plena operação do novo sistema de assistência financeira de liquidez (AFL) que está sendo criado.
O estudo especial discute também a função e a evolução dos compulsórios sobre depósitos à vista e sobre os depósitos de poupança. Cada um desses segmentos tem uma lógica própria e, portanto, as diretrizes para eventuais reduções dos compulsórios serão diferentes entre si.
No caso dos depósitos à vista, cuja alíquota foi reduzida de 45% para 21% desde 2016, o estudo do Banco Central dá indicações de que não há espaço para novos cortes. Em dezembro de 2019, havia um total de R$ 45,5 bilhões em compulsórios sobre depósitos à vista recolhidos ao Banco Central, com uma alíquota efetiva de 19,6% (considera as isenções) e muito concentrado (93,7%) nos cinco maiores bancos.
A função principal dos compulsórios sobre depósitos à vista é dar liquidez ao sistema de pagamentos. As instituições financeiras podem usar os recursos para honrar compromissos com as câmaras de compensação no decorrer do dia. Apenas uma vez, na crise financeira internacional de 2008, esse tipo de compulsório foi usado como instrumento macroprudencial dentro do pacote que injetou liquidez no mercado bancário. “Depreende-se que o montante atual dos compulsórios sobre depósito à vista é adequado para a fluidez do sistema de pagamentos”, diz o estudo especial do Banco Central.
No caso dos compulsórios sobre depósitos de poupança, que em dezembro somavam R$ 168,5 bilhões, o estudo afirma que eles assumem o papel de fornecer um colchão de liquidez para eventuais descasamentos entre captação e aplicação de recursos. De 2016 para cá, a alíquota de compulsórios sobre poupança caiu de 24,5% para 20%.
Os bancos captam recursos com liquidez de curto prazo na caderneta de poupança, que podem ser sacados a qualquer momento pelos correntistas, e aplicam em empréstimos imobiliários de longo prazo, que podem durar 30 anos. Em alguns momentos, pode haver saques mais fortes na poupança, criando um desequilíbrio entre passivos e ativos dos bancos. Em 2015, mostra o estudo especial, houve um aumento de saques da caderneta, que registrou uma captação negativa de 7%, quando a taxa Selic chegou a um pico de 14,25% ao ano, oferecendo investimentos mais rentáveis ao poupador.
“Um cenário de resgate líquido persistente dos depósitos de poupança poderia acontecer [...] quando observados níveis baixos da taxa Selic, reagindo, por exemplo, a um ambiente de retração econômica ou preferência por modalidades de investimento de maior risco e retorno”, diz.
O estudo faz referência a simulações apresentadas no Relatório de Estabilidade Financeira (REF) de outubro de 2019, que exploram como os bancos reagiriam a choques que levem a quedas severas nas captações de poupança. Os bancos restringiriam novos financiamentos e passariam a pagar mais caro em linhas como as Letras do Crédito Imobiliário (LCI), esgarçando as margem financeiras - em situações realmente extremas, o risco é o colapso no sistema de poupança e empréstimo.
A liberação temporária de compulsórios, diz o estudo, ajudaria na travessia desses tempos difíceis. Portanto, qualquer eventual decisão sobre o nível adequado de compulsórios sobre poupança deve pesar seu papel como instrumento macroprudencial no segmento imobiliário.
O documento diz que é preciso calcular o montante de compulsórios necessário para desempenhar bem esse papel. “É recomendável atenção quanto ao dimensionamento dos compulsórios sobre poupança, tendo em vista que eventuais excessos tendem a reduzir a eficiência na alocação de recursos.”
O estudo dá alguns parâmetros se o volume atual de compulsório sobre depósitos a prazo é suficiente para agir numa crise de liquidez. Em dezembro de 2019, havia R$ 244 bilhões recolhidos ao Banco Central nessa modalidade, o que equivale a 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB). Na crise financeira de 2008, o Banco Central liberou o equivalente a 3% do PIB.
Se os compulsórios sobre depósito a prazo fossem o único instrumento macroprudencial disponível, não haveria muito espaço para redução. Mas o estudo especial chama a atenção para a criação, desde então, de outros instrumentos preventivos de liquidez, como é o caso do LCR.
O Banco Central também está criando a linha de AFL, que deve entrar em operação no fim de 2021. O Banco Central passará a aceitar títulos privados como garantia para empréstimos de assistência de liquidez para bancos com aperto de caixa.
O Brasil é um caso raro de país com compulsórios sobre depósitos a prazo, mas o estudo do BC coloca a alíquota sob perspectivas. Os bancos estão fazendo captações com outros instrumentos isentos de compulsórios, como as letras financeiras (LFs). Assim, a alíquota efetiva é de cerca de 15%.