Em meio às indefinições sobre o futuro do Minha casa minha vida (MCMV), milhares de brasileiros estão vendo o sonho da casa própria cada vez mais distante. O programa habitacional, que completou 10 anos e entregou mais de 4 milhões de imóveis no país, vive momento de incertezas e passará por reavaliação, segundo o Palácio do Planalto.
Dos R$ 4,1 bilhões previstos no orçamento de 2019 para o financiamento de moradias, 39% foram bloqueados por decisão do Ministério da Economia como medida para equilibrar as contas públicas.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde 19 empreendimentos (com 2.260 apartamentos) estão em construção na faixa popular, mais de 150 mil pessoas se inscreveram no programa nos últimos cinco anos e esperam apoio do poder público para conseguir moradia.
É o caso das moradoras do Bairro Novo Horizonte, em Contagem, Elaine Valério, de 45 anos, e Janete Rodrigues Xavier, de 56 anos. Vizinhas de um dos empreendimentos do MCMV, o residencial Caiapós, previsto para ser entregue no início do ano que vem, elas se inscreveram no programa há três anos em busca de habitações mais dignas.
Sem serem contempladas no sorteio dos imóveis feito pela prefeitura, elas cobram melhorias na infraestrutura da região, que sofre com alagamentos, falta de saneamento e, nas últimas semanas, um surto de dengue.
“Quando anunciaram a construção dos prédios houve até festa com candidatos, montaram palanque e prometeram que a prioridade seria dada para os moradores da região que têm muitos problemas em suas casas. Depois não tivemos mais informação. O que queremos é que, pelo menos, cuidem da vizinhança dos novos prédios. O córrego transborda todo ano e a gente perde tudo. O mato não é capinado faz anos”, reclama Elaine, que mora com suas duas filhas a poucos metros de um córrego há 14 anos.
Em Contagem, além do Caiapós, outros dois conjuntos do MCMV estão em andamento com previsão para entrega de 1.200 apartamentos até o final de 2020. No entanto, o déficit habitacional da cidade é de 10 mil moradias, de acordo com o IBGE, e mais de 28 mil pessoas se inscreveram no programa em busca de financiamento para compra de imóvel popular.
Segundo o secretário municipal de Habitação, Reinaldo Oliveira Batista, a Prefeitura de Contagem não prevê a paralisação dos empreendimentos em andamento. “O que percebemos é um entendimento do novo governo, talvez pela falta de recursos, de que não serão feitos novos empreendimentos. Mas o planejamento é finalizar as construções em andamento, sem nenhuma paralisação”, diz o secretário.
Reivindicação - Uma mobilização para convencer o governo federal a manter o MCMV como prioridade para o setor habitacional está sendo organizada por vários prefeitos, que consideram o programa um divisor de águas nos investimentos em moradias populares.
“Considero um erro a decisão de não se empenhar tanta verba do programa na faixa 1, que atende a população mais carente. Temos que respeitar a decisão do governo, mas ficamos chateados. Vamos tentar uma agenda em Brasília para apresentar os números e os benefícios para a vida das pessoas que têm acesso à casa própria. Esperamos convencer o governo federal da necessidade de manter as políticas habitacionais na lista de prioridades”, explica Reinaldo Oliveira.
No Bairro Nossa Senhora da Conceição, em Contagem, a vendedora Ingrid Caroline Viana, de 20 anos, espera novos lançamentos do programa para realizar o sonho da casa própria. Ela trabalha ao lado do residencial Nossa Senhora da Conceição, que tem 352 apartamentos previstos para serem entregues em agosto, e acompanhou o andamento das obras sonhando em ser sorteada para um dos imóveis.
“Me inscrevi no Minha casa minha vida porque estava ficando difícil manter o pagamento do aluguel. Hoje pago R$ 500 em uma quitinete e seria uma facilidade enorme poder morar próxima do trabalho, sem ter que pagar aluguel. Mas não fui sorteada dessa vez”, lamenta Ingrid.
Em Belo Horizonte, onde 317 mil pessoas se inscreveram no programa desde 2009, não estão previstos empreendimentos para atender a faixa 1 do MCMV. Segundo a secretaria municipal de Habitação, desde a criação do programa foram entregues 4.679 unidades habitacionais voltada para a população mais carente. A PBH não tem previsão de lançamentos para a faixa 1 do MCMV e depende de investimentos do governo federal.
Por meio de nota, o ministério do Desenvolvimento Regional – que deve ser desmembrado em duas pastas: Cidades e Integração – informou que está sendo estudada a possibilidade de novos aportes de recursos para o MCMV no segundo semestre e que o programa é uma das prioridades do governo federal.
“Preocupado com a possibilidade de interrupção do programa e prejuízos que poderiam ser causados à população, o ministro vem tratando a situação com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que garantiu o aporte de R$ 800 milhões na última semana”, diz a nota.
Alívio e expectativa dos sorteados - Enquanto milhares de pessoas inscritas no MCMV lamentam as incertezas sobre o futuro do programa, famílias sorteadas este ano que estão prestes a pegar as chaves da nova casa comemoraram e defendem o apoio do poder público para a aquisição das moradias. A expectativa se mistura com o alívio ao saber que a crise econômica do país pode colocar em xeque os investimentos em habitações populares nos próximos anos.
Com a documentação já separada para levar na Caixa Econômica Federal, Cleyzer Santos Souza, de 40 anos, foi sorteada no MCMV para adquirir um imóvel no residencial Nossa Senhora da Conceição, em Contagem. A programação é que o apartamento em que ela vai morar com as duas filhas seja entregue em agosto. Desempregada há seis anos, Cleyzer conta os dias para entrar na nova casa.
“É a realização de um sonho que mudará a minha vida e da minha família. Sempre morei de aluguel. Mas quando fiquei desempregada, em 2014, passei a ter muitas dificuldades para pagar. Acebei tendo que sair do local e contei com ajuda de conhecidos para conseguir uma moradia. Hoje, se você não tem um teto você não tem condição de nada, não tem uma vida digna e não consegue conquistar algo na vida”, diz Cleyzer.
Para a recepcionista Ana Priscila Damasceno, de 24 anos, as notícias sobre falta de recursos para o MCMV geram tristeza e apreensão. Mãe de duas meninas, ela também vive a expectativa de receber o novo imóvel por meio do programa. “A ansiedade é grande e espero que dê tudo certo com a documentação. A dificuldade para conseguir pagar as contas e juntar dinheiro para comprar uma casa é enorme. Tomara que o MCMV volte a ser prioridade do governo. É uma forma de mudar a vida das pessoas”, diz Ana.