Aline Cury Zampieri
A bolha do mercado imobiliário chinês é a maior bolha de investimentos de todos os tempos. Essa é a visão de Edward Chancellor, historiador formado em Oxford e Cambridge, na Inglaterra, e que durante os anos 90 trabalhou como estrategista de investimentos do banco inglês Lazard Brothers.
Entre os livros que escreveu está "Salve-se quem puder", no qual narra a história da especulação financeira desde o século 17. Nele, constata que os impulsos que caracterizam o comportamento dos especuladores são os mesmos em qualquer época.
Para Chancellor, a situação chinesa é bastante instável, pois a economia do país apresenta muitas distorções. Mas ele lembra que as condições de mercado que levaram à bolha chinesa começaram nos Estados Unidos, com o primeiro movimento de queda de juros. E também vai depender da rota monetária nos EUA o caminho para a resolução desses problemas.
A seguir, trechos da entrevista ao Valor, por telefone.
Valor: Em "Salve-se Quem Puder" o senhor diz que os mercados financeiros são impelidos por caminhos perigosos e levam o resto das economias com eles. É o que vemos agora, globalmente?
Edward Chancellor: Vejo a especulação financeira derrubando as economias. A especulação não vem do nada, não tem a ver com exuberância irracional ou espírito animal. É largamente determinada por políticas de gerenciamento. Se voltarmos no tempo, por exemplo, nos últimos 13 anos, tivemos a bolha da internet em 2002. Depois disso, o Federal Reserve [Fed, o BC dos EUA], cortou as taxas de juros, o que gerou envio de dinheiro para os mercados emergentes. E os emergentes responderam à apreciação de suas moedas, com todo esse dinheiro chegando, cortando juros. Esse montante enorme de dinheiro deu aos mercados domésticos uma chance de sobreviver. E houve um boom de imóveis nos emergentes. E isso está acontecendo agora na China. A China tem uma combinação de taxas de juros baixas e um boom no mercado de imóveis. A economia foi direcionada para um crescimento forte, com peso grande de investimentos. A fatia de investimento na comparação com o Produto Interno Bruto só cresce e apenas metade desse dinheiro foi para o setor de construção. Então, a China se transforma em um comprador dominante de commodities como minério de ferro, cobre, num prazo muito curto. A fatia da China na demanda global numa base absoluta é muito alta e está subindo. O mercado de commodities se transforma numa função do boom de investimentos da China. Mas esse boom de investimentos é, ele mesmo, uma função da dinâmica da alta de juros nos EUA. E do dólar.
Valor: De que maneira essa situação pode criar bolhas?
Chancellor: A China colocou liquidez no mercado. Há dois tipos de fluxo. De investidores ocidentais procurando altos rendimentos e apreciação do câmbio, e companhias chinesas, em particular de construção, colocando dinheiro na China. Essas empresas trazem dólares de volta, que são comprados pelo Banco Central chinês [PBOC], e quando são comprados pelo PBOC, ele imprime dinheiro e esse dinheiro vem como depósito no sistema bancário da China. Isso provê liquidez para o sistema bancário da China. E essa liquidez gera as fontes para boom especulativo. A bolha do mercado imobiliário chinês é a maior bolha de investimentos de todos os tempos. Estou certo de que não há nada, em termos de extensão, para comparar. Você teve versões menores na Irlanda ou Espanha na última década, mas isso é enorme!
Valor: Qual o nível de conexão entre a bolsa chinesa e a economia do país?
Chancellor: Em algum nível, estão ligadas. Basicamente tudo é manipulado na China. Já houve um caso de bolha de ações do mercado chinês, de 2005 a 2007. E para mim foi uma surpresa porque o mercado imobiliário estava se enfraquecendo, o crescimento desacelerando. Não é uma situação na qual se esperaria uma bolha no mercado de ações. Mas nessa última bolha... O mercado de ações é apenas um lugar para estacionar o dinheiro. Mercado imobiliário é outro lugar para estacionar o dinheiro. Quando o imobiliário começa a se enfraquecer, há um aumento da capitalização e muito dinheiro pode sair do país. As autoridades chinesas criaram deliberadamente uma bolha como alternativa para os chineses que queriam tirar dinheiro do país. E eles fizeram isso, encorajaram os bancos, facilitaram as corretoras, relaxaram as regras de empréstimos para ações. Essa bolha foi uma combinação de afrouxamento monetário e de manipulação oficial. Foi uma bolha totalmente patrocinada pelo governo. As bolhas são difíceis de controlar e é fácil para as autoridades inflarem. Os chineses têm uma arrogância, acham que podem controlar tudo, mas mercados financeiros são difíceis de controlar. Os chineses se acostumaram a manipular mercados e pensaram que poderiam manipular os mercados de ações, mas esses são mais líquidos e voláteis, mais difíceis de manipular do que o de imóveis.
Valor: Então os chineses falharam nesse controle?
Chancellor: Nesse caso, parecem ter falhado e essa falha em controlar deve provocar saída de dinheiro do sistema financeiro chinês. O pano de fundo de tudo isso, novamente, é o momento em que os EUA elevarão suas taxas de juros. Sim, há especulação. Mas a causa de tudo isso é o papel do dólar como uma moeda global de reserva e todo o tempo em que os EUA mantiveram os juros baixos. Isso dá ao mercado financeiro uma cocaína e, com ela, ele faz coisas malucas. Tenho uma visão muito negativa da China, creio que é um pouco como a Grécia. A natureza do problema é diferente, mas eles têm em comum uma atividade econômica insustentável e para colocar o país de volta aos trilhos, a China precisa ter investimento em níveis normais e taxas de juros em níveis normais. Isso significaria que 20% do PIB teriam que desaparecer. Acho que essa crise será prolongada.
Valor: É possível prever como os mercados emergentes reagirão?
Chancellor: O caso da China é particularmente difícil de prever, já que eles manipulam demais os números. Não se pode realmente dizer o que acontece por lá. Quando o mercado de imóveis começou a enfraquecer, em 2011, eles mandaram as companhias controladas pelo Estado, com suporte dos bancos estatais, manter o boom do setor. Mas não se pode fazer isso indefinidamente. A China é vulnerável a uma saída de capital. Eles têm controles, mas não muito robustos. É um perigo. E uma das consequências é que o mercado baixista de commodities continuaria por um tempo. E por que não deveria? O mercado de alta também durou bastante tempo. Todos pensam que os "bull markets" [mercado altista, comprador] deveriam durar anos e os "bear markets" [tendência baixista] semanas, mas deve haver simetria entre eles. O mercado brasileiro é ligado a commodities, energia e bancos. Esse tipo de condição não é favorável, ainda mais nessa situação de iminente aperto de liquidez mundial. Mas falando em emergentes em geral, a grande questão é sobre o momento de reversão da liquidez abundante dos últimos anos. Há países mais vulneráveis que o Brasil, como a Turquia, cujos bancos estão muito dependentes de compras externas de moedas. Não vamos ver o fim dos problemas dos emergentes até termos algum sinal sobre as taxas de juros dos EUA. Os americanos podem não elevar os juros e, com isso, os emergentes podem até ter outro rali. A situação é muito instável pois a economia chinesa é muito distorcida. Nunca vi isso antes, uma economia tão ligada à economia global, tão grande e tão influente e ao mesmo tempo tão distorcida. Se os EUA mantiverem os juros em zero, o que acho que é o caso, os emergentes podem ter outra rodada de dinheiro à procura de rendimentos. Mas a volatilidade vai continuar até que as situações da China e dos EUA se resolvam. E nenhuma dessas condições será resolvida do dia para a noite. Vai levar anos.