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01/11/2018

Bolsa e títulos longos voltam a ser indicados

Na bolsa, a maior valorização foi observada no índice de ações do setor imobiliário, com ganhos de 23,3%, com o empurrão dado pela antecipação das regras de financiamento pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) para imóveis avaliados em até R$ 1,5 milhão

Após a definição de que Jair Bolsonaro (PSL) é quem vai ocupar o Planalto em janeiro, estrategistas de investimentos passaram a recompor algumas posições de longo prazo nas carteiras dos investidores, com bolsa e títulos prefixados ou atrelados à inflação. Alertam, contudo, que a cena externa pode estragar o clima de lua de mel do mercado com o novo governo.

Em outubro, a valorização dos ativos domésticos no meio do primeiro e segundo turnos da eleição presidencial assegurou um novo mês de ganhos tanto para a renda fixa quanto para o mercado de ações. Os investidores inverteram a mão nas suas estratégias de proteção, o que se refletiu na desvalorização do dólar e do euro em relação ao real, bem como do ouro, normalmente procurados como amortecedores em tempos de crise.

Na bolsa, a maior valorização foi observada no índice de ações do setor imobiliário, com ganhos de 23,3%, com o empurrão dado pela antecipação das regras de financiamento pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) para imóveis avaliados em até R$ 1,5 milhão. O índice de Small Caps, de empresas de menor capitalização na bolsa, também andou bem, 12,6%, seguido pelo índice de dividendos, com alta de 11,4%. O Ibovespa avançou 10,2%.

O IRF-M, índice de renda fixa da Anbima que representa uma cesta de prefixados, ganhou 3,7%, enquanto o IMA-B, que representa os indexados à inflação, 7,1%. Na contramão, o dólar perdeu 7,8%, o euro teve queda de 10,07% e o ouro recuou 5,2%. No acumulado do ano, o IBrX 50 lidera com alta de 17,7%.

No geral, os grandes investidores, principalmente os locais, se anteciparam à vitória de um candidato considerado de agenda mais reformista. A direção dos ativos locais parece estar dada, mas não será sem emoções, alerta Marcos de Callis, estrategista de Investimento da gestora de recursos do Banco Votorantim. Na sua percepção, não é possível antever a extensão da onda de vendas de ações nos Estados Unidos. E no redimensionamento de riscos globais, o Brasil não deve sair ileso.

"Lá fora a gente foi surpreendido por essa realização [de lucros], que aparentemente mostra uma preocupação excessiva com o fim do ciclo [de crescimento] e do pico de lucro das companhias", diz. A sua impressão é que a guerra comercial capitaneada pelo governo de Donald Trump contra a China começa a mostrar seus efeitos negativos num momento em que economia já perde o impulso fiscal dado pelo corte de impostos. Ao mesmo tempo as companhias já sinalizam algum impacto de aumento de custos e pressão sobre as margens. "O cenário internacional de curto prazo é perigoso para ativos de risco."

Para enfrentar esse período mais adverso, a instituição estuda que tipo de hedge colocar nas carteiras, se fica "vendida" (apostando na baixa) no S&P 500, comprada (prevendo a alta) em taxas de juros americanas ou uma combinação dessas alternativas.

No Brasil, o posicionamento do Votorantim reflete uma alocação mais otimista, com a bolsa como principal carro-chefe, com uma fatia de 10% a 15% nas carteiras de perfil moderado. Já na renda fixa, De Callis enxerga prêmios mais magros tanto nos títulos prefixados quanto nas Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B), atreladas à inflação.

"A bolsa tem um componente de estar superdescontada em relação ao crescimento do ano que vem, pois faz tempo que o mercado corrige crescimento só para baixo", afirma. Ele acha que à medida que o economista Paulo Guedes, futuro ministro da Economia do novo governo, estabeleça as prioridades para encaminhar questões "mais estruturais do que cosméticas", o país pode ter um câmbio mais ancorado, não havendo necessidade de mexer muito na Selic. Isso patrocinaria uma atividade econômica mais forte.

Dennis Kac, sócio da Brainvest, se diz cautelosamente otimista com o desfecho eleitoral, e cita o aparente apoio do novo Congresso a Bolsonaro como algo positivo. As proteções que tinham sido feitas para as aplicações com opções de dólar em plena greve dos caminhoneiros não foram renovadas no fim de setembro e após o primeiro turno a gestora passou a reconstruir as posições que tinham ficado menores. Após o segundo turno, a casa aumentou mais um degrau o risco e ampliou o prazo médio de prefixados e NTN-B.

"Na renda fixa, a alocação estratégica chegou onde a gente queria estar." Para ele, o câmbio no nível atual tirou o risco de o BC ter que antecipar um novo ciclo de aperto monetário, podendo deixar a correção para quando a economia de fato reagir.

Já o Itaú Unibanco tem privilegiado a bolsa brasileira e os fundos multimercados, segundo o diretor de investimentos Claudio Sanches. Na renda fixa, a instituição ainda vê prêmios em títulos prefixados e um pouco menos nas NTN-B. A preferência tem sido por papéis mais longos.

"Existe um otimismo baseado no que tem sido indicado para o cenário econômico", diz Sanches. "A eleição deu base bastante grande [no Congresso] para próximo governo conseguir encaminhar as reformas que diz ter vontade de fazer." Os próximos meses serão, contudo, de observação até que se tenha um governo estabelecido.

Ele espera que uma eventual volta do fluxo estrangeiro auxilie na valorização dos ativos locais, mas lembra que a cena externa também pode jogar contra. "Dependendo do que acontecer lá fora com aumento de taxa de juros, eventualmente parte do capital que viria para cá não venha."

De Callis, do Votorantim, acrescenta que a não ser pelo posicionamento dos fundos multimercados, tanto os estrangeiros quanto pessoas físicas e institucionais locais estão subalocados no mercado de ações. Em tese, quem se antecipar a uma eventual volta do capital externo poderia se beneficiar desse fluxo. Já no segmento de juros, ele considera que os preços dos ativos caminharam um pouco na frente dos fundamentos.

Mas mesmo o baixo posicionamento do capital externo no mercado local requer um monitoramento, já que normalmente é esse tipo de investidor que lidera movimentos de valorização, alerta De Callis. "Não acho que seja mau humor com o Brasil em particular, mas generalizado com emergentes", diz. "Isso me preocupa porque a nossa parte estrutural não está ancorada. Há um descompasso entre os preços dos ativos e a avaliação de risco que o mercado internacional faz de Brasil."

Com uma transição de governo que sugere cautela até o Brasil, de fato, encaminhar reformas, retomar a direção do crescimento e equilibrar as contas públicas, Cesar Chicayban, vice-presidente do private bank do Citi Brasil, diz que a recomendação para o investidor brasileiro é prosseguir com a diversificação internacional e ficar "mais neutro" em relação aos ativos locais.

"Os próximos meses vão ser determinantes sob a perspectiva das reformas estruturais, é isso que vai ser um grande divisor de águas. Se forem conduzidas de forma efetiva, daí teremos um rali." O executivo explica que a indicação neutra para Brasil significa ter uma distribuição balanceada em bolsa, papéis pós-fixados, prefixados e de inflação, mas sem indicação para aumentar posições estruturalmente.

Chicayban conta que as remessas de recursos com o objetivo de ter uma carteira mais diversificada tinham sido interrompidas com a desvalorização cambial que precedeu o primeiro turno da eleição, e agora foram retomadas.

Na visão dele, apesar do ambiente internacional mais volátil, após o resultado de algumas empresas ficar aquém das expectativas, é o momento de aproveitar a baixa para aumentar a alocação. As recomendações incluem ações americanas do setor de tecnologia, dívida corporativa nos Estados Unidos e uma distribuição mais seletiva em papéis de empresas de países emergentes.

"Nós continuamos construtivos com o cenário internacional", diz Chicayban. "O ciclo [de crescimento] parece chegar ao fim, mas não a ponto de se enxergar uma recessão nos Estados Unidos ou na Europa." Na avaliação do Citi, o Fed será contido no seu processo de elevação de juros e o cilo de aumento de juros nos EUA já está em grande parte incorporado aos preços dos ativos.

FONTE: VALOR ECONôMICO