Por Naiara Bertão
Se ao ler “cimento” você esperava uma foto de uma indústria altamente poluente, não será dessa vez. Não que o setor cimenteiro não seja um forte emissor de gás carbônico (CO2), o que é. O concreto, cujo principal componente é o cimento, responde sozinho por 7% do CO2 que vai para a atmosfera, semelhante às emissões totais da Índia. Em poluição, só perde para o setor siderúrgico. A indústria do cimento, portanto, está entre as que enfrenta os maiores desafios na descarbonização.
Mas a foto desta reportagem, do centro de coprocessamento de pneus na fábrica da Votorantim Cimentos, em Rio Branco do Sul (PR), ilustra as mudanças que ocorrem nas últimas duas décadas e que tornaram o Brasil referência mundial com a produção de cimento com menos emissão de carbono. Do total de emissões do país, só 2,3% vêm do cimento.
Alta temperatura
Em 2019, o Brasil gerava 564 quilos (kg) de CO2 por tonelada de cimento, 12% a menos que a média mundial, segundo a Global Cement and Concrete Association (GCCA), que compila dados de 850 fábricas no globo, exceto China. Em 1990, o Brasil emitia 700 kg de CO² e o mundo, 750 kg.
— No início dos anos 2000, a pressão sobre a indústria era incipiente, mas as empresas já tinham visão de longo prazo e entendiam que a questão climática ia bater à porta— afirma Gonzalo Visedo, líder de Sustentabilidade do Sindicato Nacional da Industria do Cimento (SNIC).
A Votorantim Cimentos é hoje uma das brasileiras na vanguarda desta agenda. Entre 1990 e 2021, ela reduziu as emissões de CO2 por tonelada de cimento produzido em suas fábricas em dez países em mais de 20%. No Brasil, a redução foi de 27%.
—Decidimos, em 2019, desenvolver cadeias de valor e insumos para substituir o coque de petróleo e, hoje, usamos diversas fontes de energia, como pneus, resíduos de tintas, restos de madeira, caroço de açaí e azeitona — explica Álvaro Lorenz, diretor global de Sustentabilidade, Relações Institucionais, Desenvolvimento de Produto e Engenharia da Votorantim Cimentos.
Ao contrário de outras indústrias, a maioria das emissões de cimento — cerca de 60% — é gerada no processo de produção do clínquer, material obtido a partir da combinação de cálcio, silício, ferro e alumínio moídos e queimados em forno a uma temperatura de 1.500 C, e não da eletricidade. Nesse processo, há liberação de CO2. Além disso, para chegar a essa temperatura, a praxe era usar combustíveis fósseis para aquecimento das caldeiras.
A fábrica da Votorantim Cimentos em Rio Branco (PR) queima pneu desde 1991. No caso do caroço do açaí, a fábrica de Primavera (PA), já coprocessou 214 mil toneladas em 2020 e 2021 e coleta o material com cooperativas locais, gerando renda para as famílias.
Globalmente, a Votorantim Cimentos substituiu 22,4% dos combustíveis por fontes alternativas em 2021. As iniciativas contribuem para ela bater a meta de atingir 53% de substituição térmica no Brasil até 2030, mas não serão suficientes para chegar à neutralidade em poucas décadas.
Material menos poluente
A meta do setor de cimento no Brasil é chegar a 375 kg CO2/tonelada de cimento até 2050, redução de 33% em relação a 2015. Visedo diz que, para dar subsídio técnico para a indústria mitigar essa quantidade de emissões, o SNIC lançou em 2019 o Roadmap Tecnológico do Cimento até 2050 — com oito frentes de ação para chegar à neutralidade em carbono até 2050.
Uma delas é diminuir o percentual de clínquer no cimento, que depende de flexibilização de normas técnicas. Outra é misturá-lo com materiais menos poluentes. A Votorantim conseguiu produzir na sua fábrica de Pecém (CE) um cimento com 40% de clínquer (o comum é 80%).
Estudo global recém-publicado pelo Credit Suisse sobre o setor, aponta que apenas uma redução adicional de 13% nas emissões diretas de cimento/concreto é viável no período de 2030-50, já que a “clinkerização” continuará a gerar emissões, ainda que usando 100% de energia limpa.
O caminho para o concreto net zero passa pela captura de carbono, que deve ser responsável por 59% da redução necessária para 2030-2050. O problema é que essas tecnologias, como comprimir e armazenar o gás, seja para uso ou para isolamento, são caras e ainda pouco desenvolvidas.
Matéria publicada em 13/07/2022