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31/01/2017

Brasil destoa de outros países ao permitir distrato de imóveis, mostra estudo

As informações constam em estudo produzido pelo analista de construção civil do banco BTG Pactual, Gustavo Cambaúva.

São Paulo - A ausência de regras para o cancelamento dos contratos de venda de imóveis na planta coloca o Brasil numa posição que destoa de outros países, onde o distrato quase sempre é proibido. E nos casos em que a rescisão do negócio é permitida, os consumidores não são ressarcidos pelos valores já pagos na fase de obras, ficando, inclusive, sujeitos a processos. 
 
As informações constam em estudo produzido pelo analista de construção civil do banco BTG Pactual, Gustavo Cambaúva. "Do ponto de vista regulatório, o Brasil está a quilômetros de distância de outros países", descreve o analista no relatório, ao qual o Broadcast teve acesso. 
 
O levantamento compara as regras para distratos em 11 países desenvolvidos e emergentes: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Portugal, México e Reino Unido. 
 
Apenas no Brasil e na Austrália, o distrato é permitido. Nos demais, o comprador e o incorporador são obrigados a honrar o contrato de comercialização. Caso o acordo seja rompido, os compradores australianos perdem o valor já pago. Só os brasileiros recebem devolução. 
 
O relatório aponta também que em todos os países, com exceção do Brasil, os compradores que rescindem o negócio estão sujeitos a processos, em que a pena é reassumir a compra ou compensar os gastos da empresa com a venda desfeita. 
 
"Uma análise das diferenças em relação a outros países mostra que a decisão judicial no Brasil sobre cancelamentos é incerta e muito mais pró-consumidor", descreve Cambaúva. 
 
Vale ponderar, no entanto, que o mercado imobiliário tem particularidades em cada País. No Brasil, por exemplo, a duração da obra gira em torno de 18 a 36 meses, enquanto outros países têm ciclo mais curto, o que ameniza imprevistos financeiros que geram os distratos - como perda de emprego ou elevação das taxas de juros do financiamento bancário. 
 
Regulamentação - Empresários, membros do governo e representantes dos consumidores têm discutido a criação de regras para os distratos, mas não há consenso sobre o assunto. Três reuniões já foram feitas neste ano, mas ainda sem desfecho, e não há novo encontro marcado. 
 
Uma das propostas na mesa é que o incorporador retenha como multa até 10% do valor do imóvel em caso de distrato, até o limite de 90% do montante pago pelos consumidores. Em um imóvel de R$ 500 mil, por exemplo, a empresa poderia reter até R$ 50 mil. Já se o consumidor pagou apenas R$ 30 mil até a rescisão, a multa ficaria em R$ 27 mil. 
 
Se essa proposta for aprovada, o incorporador só obterá a retenção máxima (10% do valor do imóvel) após 12 meses de contrato. Antes disso, a multa será proporcionalmente inferior, segundo cálculo do analista do BTG Pactual, que considera o fluxo de pagamento. 
 
Distorções -
O advogado Carlos Ferrari, do escritório NF&BC, pondera que os contratos no Brasil são originalmente irrevogáveis e irretratáveis. Entretanto, o judiciário brasileiro se aproximou das decisões que buscam resguardar o lado considerado hipossuficiente nas relações - no caso da compra do imóvel, trata-se do consumidor. 
 
Durante o boom do mercado, entre oito a dez anos atrás, surgiram os primeiros casos de distratos. Na ocasião, as empresas tinham grande facilidade na revenda, além de lucrarem com a forte valorização das moradias, o que contribuiu para a inclinação pró-consumidor do judiciário, avalia Ferrari. "Esse efeito gerou uma jurisprudência que foi criada aos poucos e passou desavisada", observa. "Quando o mercado inverteu, isso se mostrou danoso aos incorporadores e tomou um volume desproporcional". 
 
Em 2016, 40,9 mil unidades tiveram as vendas canceladas até novembro, o equivalente a 44% das vendas totais no período, segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). O vice-presidente da entidade, Claudio Carvalho, avalia que a ausência de regras alimenta um clima de insegurança jurídica e prolonga os danos financeiros para os incorporadores, criando um risco para todos os envolvidos na cadeia. "Do jeito como está, o mercado corre um risco sistêmico. As empresas não vão aguentar", alerta. 
 
O especialista em mercado imobiliário Alberto Mattos, do escritório Penachio, Moroni Câmara, Mattos e Fittipaldi (PMMJ), também entende que há uma postura pró-consumidor da judiciário, onerando as empresas. "A quebra da expectativa de fluxo financeiro durante a obra aliada à necessidade de devolução dos valores ao cliente, corrigido e com juros, compromete o planejamento das empresas". 
 
Mattos acrescenta que a devolução de recursos já usados na obra colocam em risco a continuidade do projeto. "A consequência é que estes custos e riscos serão repassados aos próprios consumidores no próximo ciclo de desenvolvimento de um projeto, encarecendo ainda mais a compra de um imóvel", complementa. 
 
Já na visão de Marcelo Tapai, advogado especialista em direitos do consumidor, o modelo de incorporação no País é favorável às empresas, uma vez que boa parte das obras é feita com recursos obtidos junto aos compradores das unidades na planta. "O risco é todo do consumidor, pois se não pagar as parcelas da obra, não efetiva a compra e ainda perde parte do dinheiro 'emprestado' para a empresa", afirma. "O incorporador é responsável por levantar os recursos, então deve assumir os riscos do distrato".  

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO