O Brasil vai sair da pandemia com um mercado informal maior do que o formal, afirmou a economista-chefe do Santander, ex-secretária do Tesouro Nacional e ex-secretária-executiva do Ministério da Fazenda, Ana Paula Vescovi, durante o Abecip Summit Digital, nesta quinta-feira.
Segundo a economista, a pandemia vai deixar como herança um contingente de quase 17 milhões de desempregados e um endividamento bruto de quase 100% do PIB. "A dívida pública vai sair da pandemia em quase 100% do PIB — era 75% do PIB antes da crise —, não haverá outro país em desenvolvimento com patamar de dívida tão alto como a nossa."
Na avaliação da especialista, nesse cenário a manutenção do teto de gastos e o avanço da agenda de reformas, que sinalizem a retomada da trajetória de equilíbrio fiscal, serão fundamentais para o país evitar um quadro de descontrole macroeconômico.
"Nosso cenário sem teto de gastos, ou seja, sem uma âncora fiscal é de macroeconomia desorganizada", ponderou. O cenário base do banco, porém, é mais positivo.
"Acreditamos que o país vai retomar o rumo em que estava antes da pandemia. Falo de reforma tributária e administrativa e outras transformações microeconômicas, coma a lei de recuperação judicial, a lei do gás, da autonomia do Banco Central, dos depósitos voluntários, precisamos aprová-las para não desorganizar a nossa macreconomia."
Mesmo se o país conseguir aprovar as reformas, o crescimento potencial brasileiro estaria na casa de 2% ao ano, apontou Ana Paula. Na avaliação da economista, o mundo e o Brasil passam por grandes transformações que têm levado a uma queda estrutural nas taxas de juros e também a um menor crescimento potencial.
Conforme a economista-chefe do Santander, há grandes tendências globais como a demográfica, com envelhecimento mais acelerado da população, e a digitalização, que reduz custos comerciais e de manufatura, além de induzir à inovação de modelos de negócios. A ex-secretária do Ministério da Fazenda também chamou a atenção para a “desglobalização”, que definiu como um processo de aumento da polarização política.
No caso do Brasil, esse cenário "afeta não só as contas públicas por conta dos regimes previdenciários, mas também traz uma convivência com taxas de juros neutras ou estruturais mais baixas".
"Quando a gente fala que o Brasil, se fizer um bom dever de casa, pode crescer 2% ao ano as pessoas assustam, mas é essa questão demográfica que está por trás", explica a economista. "Nos últimos três anos crescemos 1% ao ano, em média. Vamos ter de nos acostumar ao novo normal em termos de crescimento", acrescentou.
Para Ana Paula, a questão da sustentabilidade da dívida brasileira "não passa pela estatística, mas sim de como fazer para assegurar uma trajetória na qual, primeiro, a dívida se estabilize e depois volte a cair ainda que no longo prazo".
Na visão da ex-secretária do Tesouro, "desde 1988, quando fizemos a reforma constitucional até recentemente, as nossas despesas crescem 6% reais ao ano e isso com um PIB que nem de longe cresce isso".
Segundo Ana Paula, "nos próximos 10 anos, com a aprovação da reforma da Previdência, o crescimento real das despesas vai cair de 6% para 4,9% ao ano, mas isso com um PIB potencial de 1%". A executiva ressaltou ser necessário "realmente conter a evolução o crescimento da despesa pública no Brasil".
O problema é que a rigidez orçamentária, com um nível elevado de despesas obrigatórias, impede essa diminuição. "Os espaços para conter o crescimento da dívida são muito pequenos, porque as despesas são obrigatórias e enfrentar esse desafio é realmente muito pesado."
Para a economista, "precisamos fazer uma reflexão profunda no Brasil neste momento, porque não temos mais tempo e precisamos voltar à trajetória que estávamos antes da pandemia e assegurar as reformas".