Com a possibilidade da Selic saltar para 12,75% ao ano em junho, ou até mesmo surpreender e atingir o pico já em abril e chegar a 13%, conforme projeções da autoridade monetária, uma parcela importante dos investidores deve continuar buscando pela renda fixa, a exemplo do que ocorreu em 2021. Na segurança trazida pela modalidade, mas em busca de opções para a carteira investida, o interesse pela Letra Imobiliária Garantida (LIG) tende a ser ampliado.
"Sem sinal de que a taxa de juros vai ceder no curto prazo, incluir a LIG na carteira é uma excelente opção pela possibilidade de ganhos reais [ganho acima da inflação]", avalia José Ramos Rocha Neto, presidente do Fórum de Distribuição da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
No ano passado, com a taxa a 9,25%, em dezembro, a tendência de crescimento em aplicações de renda variável foi pausada. Algo que não ocorria desde 2017. Já a LIG movimentou R$ 26,3 bilhões, a segunda maior variação em patrimônio líquido (volume financeiro total) dentro da categoria de renda fixa.
Em janeiro desse ano, com a Selic a 10,75%, a distribuição de LIG no segmento do varejo somou mais de R$ 4 milhões e no private, R$ 45 milhões. O público endinheirado, com patrimônio superior a R$ 3 milhões, ainda concentra os investimentos no título bancário lastreado em uma carteira imobiliária. Mas o perfil dos interessados vem mudando.
"A maturidade do private para investimentos de longo prazo contribuiu para os bancos iniciarem a oferta por esse público e acelerarem as transações em volume, em meio à expansão do crédito imobiliário, num segundo momento", diz Rocha Neto.
Ao traçar uma linha do tempo do investimento, o executivo avalia que agora a LIG está em sua terceira fase, com a explosão de investidores de varejo em busca de papéis de renda fixa para aproveitar a subida dos juros no cenário mundial, e a inflação no cenário interno.
O que é a LIG afinal de contas?
O ativo de longo prazo passou a ser opção para os investidores a partir de 2018. Sua emissão é destinada a financiar o mercado habitacional, muito dependente dos recursos contingenciados da poupança - o sistema SBPE -,e do FGTS. Com a demanda habitacional crescente, o investidor ganha com a necessidade dos bancos em alongar a dívida imobiliária para atender ao mercado.
A exemplo da Letra de Crédito Imobiliário (LCI), o produto é isento do Imposto de Renda para investidores locais e estrangeiros. Mas há diferenças importantes: o lastro de crédito imobiliário que serve de referência na LCI é o que oferece uma dupla segurança jurídica na LIG.
Isso porque o destino dos recursos captados dos investidores na LIG não é o patrimônio do banco (como acontece com as LCIs), mas sim a carteira de crédito para a habitação. Em caso do banco "quebrar", a LIG não é atingida por uma eventual liquidação da massa falida.
Também não há limite máximo de valor de cobertura. Ou seja, o investimento é protegido pela instituição emissora e pela carteira de créditos imobiliários, formada por títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, instrumentos derivativos destinados exclusivamente a proteção ("hedge"), entre outros. A lógica é parecida com o conceito de blindagem de papel vigente no CDB subordinado.
Na LCI, os investidores são protegidos apenas pelo Fundo Garantidor de Créditos (FGC) no limite de R$ 250 mil. Além disso, a liquidez é diária, passado o prazo mínimo de aplicação de 90 dias.
Retorno
O investidor que acompanha o desempenho dos ativos do mercado imobiliário já tem uma primeira sinalização sobre qual pode ser o retorno, já que se baseia em ativos de lastro único. Os ganhos da LIG podem estar atrelados à indexação cambial; pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o índice oficial de inflação); e pelo Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M). Mas a maioria delas está vinculada ao principal parâmetro de referência para os investimentos de renda fixa, o CDI, a taxa usada para empréstimos entre bancos. E isso deve permanecer assim por um bom tempo.
"O IPCA funciona muito bem em economias mais estáveis do que a do Brasil, já que traz mais risco para a operação de crédito e afeta o lastro da LIG. Já o CDI é considerado pelo próprio regulador como o mais adequado para indexar os papéis num cenário de escassez de fundos para o mercado habitacional, que lida com o grande déficit de moradias", pondera Rocha.
Uma outra perspectiva futura está nos ganhos gerados pela reprogramação das taxas do crédito imobiliário, algo que acontece nos covered bond, mas que hoje ainda não é permitido no Brasil. Se isso ocorrer, e quando ocorrer, os títulos de créditos imobiliários poderão ser revistos a cada três ou cinco anos, a exemplo do que acontece nos Estados Unidos.
Isso deve gerar papéis ainda mais longos, uma renovação da saúde financeira do mercado e beneficiar o investidor, avalia a Anbima. Para tanto, mudanças no regramento são necessárias. "A LIG atende aquilo que a captação da poupança e da LCI não consegue, que é dar mais estabilidade para o caixa a um custo menor do que o CDI", avalia o porta-voz da entidade.
Quando investir?
Camilla Dolle, coordenadora de renda fixa da XP, e Pietro Consolaro, analista de renda fixa, avaliam que as aplicações em LIG se encaixam em diferentes estratégias de investimento que possuam viés de médio a longo prazo, mas desde que seja respeitada a data de vencimento.
Por serem inspirados no ‘covered bond’, títulos de dívida garantidos por uma carteira imobiliária, os ativos têm vencimento mínimo de dois anos e trazem para o mercado brasileiro a visão de investimento de longo prazo, comum ao mercado internacional.
"É importante a análise da carteira [suitability] de investimentos como um todo para definir o peso da alocação, tendo bem definido os objetivos financeiros, perfil de investimento - conservador, moderado ou agressivo - e horizonte de tempo das aplicações".
Os profissionais da XP ainda destacam outro ponto sobre a liquidez. "Além de possuir uma carência mínima de 12 meses para a recompra pelos bancos, as tentativas de resgate antecipado através do mercado secundário podem frustrar os investidores por conta da dificuldade de liquidez para a classe. Por conta desse risco de liquidez mais elevado, a LIG tende a apresentar taxas de retorno mais elevadas que a Letra de Crédito Imobiliário (LCI)".
Como investir?
A LIG Bradesco, por exemplo, tem um valor mínimo de aplicação de R$ 50 mil. O produto não é restrito ao correntista e está disponível direto no banco ou em sua corretora, a Ágora Investimentos. O banco lançou um primeiro programa de emissão entre dezembro de 2018 e julho de 2019. A segunda captação foi entre agosto de 2019 e janeiro 2021. A mais recente oferta começou em fevereiro de 2021 e ainda não tem data prévia de encerramento. A aplicação é diária, com remuneração podendo ser um percentual do CDI; prefixada ou atrelada ao IPCA (que é o mais comum) e tem um prazo mínimo de vencimento de 3 anos.
O Itaú também pratica o mesmo valor e prazo mínimo para a aplicação. No Santander, o segundo programa de emissão tem como data de vencimento final maio de 2051. Já quem procurar pelo produto na Caixa Econômica Federal até vai encontrar um site no ar, mas não conseguirá fazer alocações. O banco informou que atualmente não está emitindo a LIG, "mas avalia continuamente as oportunidades de mercado e poderá passar a ofertar o produto em outro momento".
A oferta começou com os bancos, mas desde abril de 2020, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autoriza as corretoras de títulos e valores mobiliários, distribuidoras de títulos e valores imobiliários e corretoras de câmbio a emitirem o instrumento de captação de recursos. A distribuição pública da LIG foi regulamentada em outubro do mesmo ano pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Leonardo Betanho, gerente de Produtos de Balcão na B3, comenta que mais da metade dos ativos já corresponde a emissões realizadas no modelo de distribuição pública. Em janeiro desse ano, foram movimentados R$ 50 bilhões na B3. Em fevereiro, o estoque subiu para R$ 54 bilhões. No agregado de 2020, o estoque foi de R$ 48 bilhões, 132% a mais do que no primeiro ano.
Para presidente do Fórum de Distribuição da Anbima, "o mercado está mais aberto do que no passado e a distribuição vai crescer, assim como aconteceu com outros investimentos. Quando tivermos uma maior estabilidade econômica, deveremos ter uma quarta onda que vai levar a LIG para várias prateleiras. Isso vai acelerar a descida para o investidor de varejo, que vai ter mais apetite para longo prazo", pondera.
(Matéria publicada em 05/04/2022)