Com R$ 722,7 bilhões depositados e R$ 753 bilhões em retiradas, as cadernetas de poupança do país perderam R$ 30,7 bilhões somente neste ano, segundo dados da Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Em março, por exemplo, foram R$ 12,5 bilhões a mais em saques do que em entradas e, em abril, até o dia 25, R$ 13,97 bilhões, conforme o Banco Central. Segundo especialistas, os números são resultado, principalmente, do cenário econômico de aumento no custo de vida, por conta da alta inflação.
O economista Alberto Ajzental, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), avalia que apesar do aumento das retiradas, o que poderia indicar uma queda no endividamento, a inadimplência também segue em alta. De acordo com o especialista, a inflação, que chegou a 12% no acumulado dos últimos doze meses, e o alto índice de desemprego formam uma conjuntura insustentável para o orçamento doméstico, onde nem a retirada do dinheiro poupado está impedindo o atraso no pagamento de contas.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios trimestral, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento real médio do brasileiro teve uma queda de 8,6% em março de 2022, na comparação com março deste ano.
“A poupança é um investimento de emergência, ela tem essa característica de ser uma reserva de valor. Se piora a situação, você pode esperar que ela vai ter mais retiradas do que depósitos. E o inverso é verdadeiro”, afirma.
“Se a economia tende a melhorar, as pessoas tendem a poupar mais e fazer uma reserva estratégica para urgência. E elas recorrem a essa reserva quando a economia está deteriorada”, complementa.
Em março deste ano, dados da Serasa Experian mostraram que o Brasil chegou ao patamar mais alto de inadimplência desde abril e maio de 2020, com 65,69 milhões de pessoas nesta condição.
Ainda segundo a entidade, a soma total das dívidas dos brasileiros soma R$ 265,8 bi, com uma dívida média de R$ 4 mil por pessoa com o ‘nome sujo’.
Atualmente, o rendimento da poupança é de 0,5% ao mês. No ano, esse valor é equivalente a 6,17%. “O povo está abrindo mão de receber os 6,17% de rendimento ao ano para não pagar juros de 30% [ao ano]”, afirma o economista.
Alberto Ajzental ainda avalia que a população também tem resgatado o dinheiro guardado como uma forma de complementar a renda.
“Na prática, não é comum que as pessoas tirem o dinheiro da poupança para aplicar em outros investimentos. Poderia dizer que isso acontece, mas não é o usual. Em geral, o povo deixa os valores lá e esquece. Essa não é a opção de perfis muito ativos, que pensam em investir se baseando na inflação”, defende.
Já para o professor e coordenador do MBA de Finanças do Ibmec, Gustavo Moreira, além da inadimplência e das consequências da inflação, existe uma porcentagem dos usuários da caderneta de poupança que vê na alta dos juros uma oportunidade para migrar para um investimento de renda fixa, com mais rentabilidade.
Mas Gustavo Moreira enfatiza que a maior parte das retiradas é para complementar a renda, já que com a chegada dos juros básicos a 12,75% pelo Banco Central do Brasil (BCB), o acesso a crédito pessoal, empréstimos e até compras com cartões de crédito ficam desvantajosos.
“A própria inflação é um fator que torna a pessoa inadimplente, porque se, por exemplo, o salário aumentou 5% e o custo de vida aumentou 15%, existe um empobrecimento. A gente tem menos poder de compra. Se tem menos poder de compra, recorre a crédito ou reserva”, pondera o professor do Ibmec.
Apesar das perdas da poupança, de acordo com o Raio X do Investidor, divulgado em abril pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), essa ainda é a principal escolha da população brasileira na hora de investir.
Levando todas as classes sociais em consideração, a poupança é o produto financeiro da preferência de 23%. No recorte das classes A e B, este número sobe para 35%.
Matéria publicada em 17/05/2022