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10/10/2022

Cade intensifica fiscalização sobre SPEs na construção civil (Valor Econômico)

Há duas semanas foi homologado acordo entre Cyrela, Precon Engenharia e o órgão relativo a uma sociedade de propósito específico

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) está de olho nas aquisições de imóveis e assemelhados - fundo de investimento imobiliário, sociedades de propósito especifico e até terrenos - pelas empresas. Há duas semanas foi homologado acordo entre Cyrela, Precon Engenharia e o órgão relativo a uma sociedade de propósito específico (SPE), modalidade de joint venture que cria nova empresa com atividade restrita.

 

Segundo o Cade, não existem setores específicos para fiscalizações e as notificações são comuns. Já os advogados indicam que as fiscalizações estão mais recorrentes e que, apesar de previsão legal, algumas construtoras consideravam que não precisavam notificar muitos desses casos, mesmo quando envolvem empresas com faturamento acima do limite que exige comunicação ao Cade, por não serem fusões e aquisições clássicas, mas operações corriqueiras no setor.

 

A relevância não está no caso homologado em si, mas nesse tipo de situação, que tem crescido nos últimos anos, segundo Maria Eugênia Novis, sócia do Machado Meyer. “Percebemos aumento no número de notificações ao Cade de operações do setor imobiliário dos mais diversos tipos, aquisições feitas por fundo de investimento imobiliário, venda de aquisição de participação em SPEs, até aquisição de terreno nu tem sido objeto de notificação ao Cade”, afirmou.

 

De acordo com a advogada, para as empresas, é o momento de observar o que o Cade considera importante de ser notificado. “Há dúvida da indústria sobre o que precisa ser notificado e o Cade vem pacificando”, afirmou. Segundo Novis, as decisões do Conselho têm indicado que é necessário notificar a compra de ativos relevantes para a atividade do comprador.

 

Ainda segundo a advogada, o Cade não emitiu, até o momento, nenhuma resolução sobre as hipóteses em que operações envolvendo ativos devem ser notificadas, ao contrário das situações de operações envolvendo participações societárias minoritárias, tratadas na Resolução nº 33. “A avaliação é feita caso a caso, com base em precedentes do Cade.”

Em análises recentes de aquisições de ativos - compra e venda de imóveis próprios e incorporação de empreendimentos imobiliários - a Superintendência Geral do Cade tem se manifestado pela obrigatoriedade da notificação. O mesmo acontece em aquisições de imóveis por fundos de investimento imobiliários (FII).

 

De acordo com o advogado e professor da Universidade Mackenzie Vicente Bagnoli, as construtoras tinham por princípio não notificar. “O histórico era de não submissão da operação mesmo quando chegava no valor que obriga a levar ao Cade”, disse. Bagnoli afirma que, na lógica das construtoras, são associações temporárias para obra e se fossem levar ao Cade, muitos casos teriam que ser submetidos.

 

“Há pouco tempo não era comum. Os empreendedores se assustavam quando pensavam o que o Cade tinha a ver com compra e venda puramente imobiliária”, disse Maria Flavia Seabra, sócia da área de imobiliário do Machado Meyer Advogados. Só o fato de ter de passar a operação pelo Cade às vezes muda o cronograma, segundo Seabra. “A empreiteira compra pensando no lançamento e não que ela vai ‘perder tempo’ no Cade.”

 

A operação analisada pelo Tribunal há duas semanas consistia na aquisição de participação numa SPE para desenvolver projeto imobiliário. No voto, o relator, conselheiro Gustavo Augusto, afirmou que a constituição de SPE voltada ao desenvolvimento de empreendimentos imobiliários se submete à necessidade de notificação obrigatória se preenchidos os critérios legais de faturamento dos envolvidos na operação. O Tribunal homologou a proposta de acordo, com contribuição pecuniária de R$ 813 mil.

 

As empresas alegaram que não era um ato de concentração capaz de alterar as estruturas de mercado, mas uma atividade inerente ao “core business” de ambas enquanto incorporadoras de empreendimentos imobiliários. Quanto à tese de que como as SPEs fazem parte do núcleo do negócio das imobiliárias não precisariam ser notificadas, o relator disse que o Cade até poderia criar essa exceção, que não existe em lei ou resolução. “Não há exceção que diferencie se a fusão é ou não relacionado ao núcleo do negócio.”

 

De acordo com o conselheiro, a exigência legal já existia e está inalterada há alguns anos. “A fiscalização se tornou mais recente”, afirmou ao Valor. De acordo com o relator, a simples constituição da SPE não é notificável, depende do faturamento dos sócios. “Como as SPEs, na construção, só foram criadas em 2004, e popularizadas apenas depois, imagino que várias empresas do setor talvez não estivessem plenamente cientes das regras de antitruste aplicáveis.”

 

De acordo com o superintendente geral do Cade, Alexandre Barreto, os procedimentos administrativo para apuração de ato de concentração são abertos desde o início da vigência da lei nº 12.529 para investigar a necessidade de notificação de operações e que até na vigência da lei anterior a prática já ocorria. “Não há priorização de um setor da economia”, afirmou sobre fiscalizações na construção civil. Além disso, algumas apurações de atos de concentração investigadas são arquivadas e não chegam a ser conhecidas por tramitarem em sigilo, disse Barreto.

 

Matéria publicada em 10/10/2022

FONTE: VALOR ECONôMICO