A Caixa Econômica Federal, que já detinha a liderança do mercado de financiamento imobiliário com recursos do FGTS, virou o jogo contra os bancos privados nos empréstimos habitacionais para a classe média lastreados com dinheiro da poupança, o chamado SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo).
Segundo o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, pela primeira vez, os contratos firmados com recursos da poupança passaram a representar 51% do total.
"Até o final do ano nossa estimativa é termos na carteira R$ 58 bilhões em contratos financiados pelo FGTS contra R$ 80 bilhões do SBPE firmados neste ano", disse Guimarães à Folha.
Com esse movimento, a Caixa passa a ter uma estratégia mais ousada, disputando o rentável negócio dos financiamentos para a classe média. Para isso, Guimarães diz que teve de enxugar os custos.
"Vendemos prédios que não faziam sentido. Eram 248 próprios e agora contamos com 96. Muitos imóveis alugados por um preço exorbitante foram renegociados. Somente aí foi uma redução de R$ 700 milhões por ano."
Houve renegociação de contratos com fornecedores e o banco partiu para a venda de ativos, como ações de empresas ou participação direta em outros negócios.
"Em valor presente, trouxemos para o nosso balanço cerca de R$ 10 bilhões com esse processo todo", disse Guimarães. "Esse foi o principal fator para que pudéssemos oferecer mais crédito com recursos próprios."
A partir daí, o banco passou a reduzir os juros para retomar a perda de participação nos empréstimos da habitação para os bancos privados, que operam basicamente com recursos da poupança.
Até 2019, a maior parte dos contratos imobiliários dos bancos estava lastreada com o FGTS. O fundo costuma emprestar dinheiro para projetos de habitação. Na Caixa, ele financia programas do governo como o Casa Verde e Amarela.
Esse dinheiro sustenta a oferta de novas operações de crédito, que precisam ser rentáveis tanto para o fundo quanto para o banco.
No entanto, há um teto definido pelo Conselho Curador do FGTS para a exploração desses recursos. O fundo nunca pode perder dinheiro e há limites bem definidos para o tomador.
O negócio mais atrativo para as instituições privadas é a oferta do SBPE, uma linha de crédito abastecida com dinheiro da poupança, que deixa cada instituição livre para definir seu custo na oferta do financiamento (juros) e o limite de crédito a ser tomado pelo cliente.
Seguindo as regras do Banco Central, pelo menos 65% do dinheiro aplicado pelos correntistas nas cadernetas são direcionados para o SBPE.
O pagamento pode ser parcelado em até 35 anos e a prestação não pode comprometer mais que 30% da renda familiar mensal. É possível financiar até 80% do valor do imóvel novo ou usado.
Segundo o BC, até setembro deste ano, o estoque de crédito habitacional atingiu R$ 1,1 trilhão, um crescimento de 17,4% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Guimarães afirma que a Caixa liderou essa alta com metade desse estoque. O Itaú-Unibanco, que segundo o BC administra a segunda maior carteira (R$ 70,2 bilhões), participa com 6% desse mercado, de acordo com os dados computados até junho deste ano. O Bradesco movimenta um pouco menos (R$ 65,9 bilhões).
O crescimento da Caixa se deve ainda à concessão de até seis meses de carência no pagamento de financiamentos durante a crise causada pela pandemia. Foi concedido o mesmo prazo para quem fechou um contrato novo.
Também pesou nessas vendas a abrangência da rede de atendimento do banco, presente em praticamente todos os municípios do país. A Caixa atende diretamente (com agências) em 1.500 localidades. Nas demais, usa a rede de correspondentes bancários (9.000) e lotéricas (13.000).
O resultado foi uma operação arriscada pelo potencial de inadimplência futura.
"Foi um risco que corremos", disse o chefe da Caixa. "Foram R$ 18 bilhões em pausa dos pagamentos por quase 2,5 milhões de famílias."
Se encerrado esse prazo os mutuários não voltassem a pagar, o banco teria de assumir essas perdas em seu balanço e, pelas regras do BC, seria forçado a pisar no freio reduzindo o volume de crédito imobiliário.
Dentre os auxiliares de Bolsonaro, o nome do presidente da Caixa é apontado como candidato ao posto de vice na chapa que o presidente tentará a reeleição no próximo ano. Ele também é mencionado como substituto do ministro da Economia, Paulo Guedes, cada vez mais desgastado pelos políticos do centrão, base aliada do governo no governo.
Guimarães nega ambos os planos e diz que está "focado" em fazer do banco uma instituição competitiva.
Desde janeiro, o banco fechou 1,7 milhão de novos financiamentos. No total, a carteira de habitação da Caixa conta com 6 milhões de contratos, totalizando R$ 550 bilhões (dado mais recente).
"Pisamos no acelerador [da oferta de crédito] porque percebemos que, se a gente parasse a máquina do crédito durante a pandemia, as construtoras iriam quebrar e nossa retomada [pós-pandemia] seria muito mais lenta", disse Guimarães.
Para os empreiteiros, o banco flexibilizou o acesso às linhas de capital de giro. Antes, as construtoras precisavam comprovar ao menos 30% da execução das obras para ter direito à primeira rodada de crédito —que garante o restante da construção.
Guimarães decidiu liberar esse dinheiro mesmo com as obras a 10% e 20% de execução. "Eu sabia que haveria uma retomada lá na frente", disse.
Para o presidente da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), José Carlos Martins, isso foi o que segurou o mercado.
"Sem as linhas da Caixa e o avanço do banco no SBPE, muitas construtoras teriam fechado as portas", afirmou.
Martins avalia que houve uma "desvirtuação" do FGTS que, durante as sucessivas crises do passado, vem sofrendo saques vultosos a ponto de comprometer o Orçamento para obras.
"Outro fator que pesou contra [o FGTS] foi o aumento do custo da construção, pressionando o valor dos imóveis, algo que fez estourar os limites de financiamento com dinheiro do fundo [pelo tomador]. Com o SBPE não tem esse teto. Tem banco privado que coloca até dinheiro da tesouraria para fazer essas operações porque o retorno é muito maior."
A aposta de Pedro Guimarães acabou ajudando o governo de Jair Bolsonaro que, durante a crise causada pela pandemia, viu na Caixa um reduto de boas notícias no momento em que a situação econômica do país se agravou diante da necessidade do governo promover o assistencialismo com o pagamento de uma ajuda financeira para aqueles que perderam o emprego ou sofreram redução salarial.