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04/12/2016

Calote na faixa 1 do ‘Minha Casa’ chega a quase 30%

Ele está no grupo de mutuários da faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida – a que recebe o maior subsídio do governo – que não vem conseguindo pagar as prestações.

“Como os pedidos só foram diminuindo, quando o celular tocava de manhã, a gente já sabia que era o banco ligando para cobrar a prestação da casa”, lembra o auxiliar de cozinha Luiz Eduardo Meirelles, de 48 anos, que faz doces para festas desde que foi demitido de uma confeitaria da Grande São Paulo, em maio. Ele está no grupo de mutuários da faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida – a que recebe o maior subsídio do governo – que não vem conseguindo pagar as prestações.

Com medo de perder o imóvel, ele conta que vai vender a moto da família e passará a fazer as entregas dos doces de bicicleta. “Trabalhar em casa era um sonho antigo que virou falta de opção, só que todo mundo está segurando gastos e fica difícil vender. A gente passou da fase dos pequenos cortes. Vamos abrir mão de parte do patrimônio para salvar o principal.” 

A queda na renda e o aumento do desemprego têm pesado na taxa de inadimplência dos beneficiados pela faixa 1. O índice de atraso superior a três meses bateu em 28% em setembro. No mesmo mês de 2015, eram 23% com parcelas em aberto há mais de 90 dias, segundo o Ministério das Cidades. É o maior porcentual de atraso desde o agravamento da crise. 

Para efeito de comparação, o índice de prestações atrasadas na carteira de crédito que inclui as faixas 2 e 3 do programa, para famílias com renda mais elevada, era de cerca de 2,03% no terceiro trimestre deste ano, de acordo com a Caixa. 

O crédito imobiliário da faixa 1 do Minha Casa se destina às famílias que têm renda mensal bruta de até R$ 1,8 mil. Os preços dos imóveis variam de acordo com a localidade e, como até 90% do valor da casa é custeado com recursos públicos, os novos contratantes pagam prestações mensais a partir de R$ 80. 

Até o ano passado, esses números eram mais generosos: a prestação mínima paga pelos beneficiários do programa era de R$ 25 ao mês. Além disso, para toda a faixa 1, cerca de 95% do valor do imóvel era subsidiado.

No Amapá e em Roraima, os Estados com maior porcentual de inadimplentes em setembro, os atrasos nos pagamentos chegam a 41%. Em seguida estão Pará (40%), Bahia (37%) e Mato Grosso (36%). Distrito Federal, Alagoas e Rondônia têm os menores índices, com 7%, 11% e 19%, respectivamente. 

“Mais preocupante que o aumento da inadimplência da fatia mais carente do programa é a persistência dos atrasos em um patamar tão alto, bem acima dos financiamentos bancários convencionais e das demais faixas do Minha Casa, Minha Vida”, diz Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV. 

“O programa precisa criar mecanismos de cobrança mais eficientes, como os usados pelo microcrédito. Uma alternativa seria a adoção de agentes de crédito, atuando de porta em porta, para instruir os mutuários e propor alternativas de renegociação das dívidas”, diz. 

“A crise se caracteriza pelo aumento da inadimplência em geral, mas essa é uma faixa de renda particularmente sensível, que sente o desemprego de forma mais aguda”, diz Rodrigo Luna, vice-presidente de Habitação Econômica do Secovi-SP, entidade do setor imobiliário.

“Quando o governo voltar a ter condições de contratar novas unidades para a faixa 1, no entanto, é importante manter essa prestação simbólica, para que o mutuário entenda e dê valor ao que ele conquistou.”

Segundo Luna, caso as medidas de cobrança sejam mais frouxas que em financiamentos convencionais, a longo prazo, o aumento da inadimplência pode colocar em risco a viabilidade do programa. “Os projetos frearam por conta do ajuste fiscal do governo, que teve de rever subsídios, mas é preciso manter um sistema de cobranças eficiente para evitar calote.” 

Chamada a cobrar. Em muitos casos, o mutuário custa a acreditar que terá o imóvel retomado, por se tratarem de parcelas simbólicas, diz Marcelo Prata, do Canal do Crédito, comparador de produtos financeiros. “A opinião do vizinho pesa muito. O morador fica sabendo de casos em que o inadimplente não perde o imóvel e acha que está seguro. Além do abalo causado pela crise, o benefício da moradia também não foi acompanhado de uma educação financeira e ele se perde nas contas.” 

Caso seja retomado, o imóvel deve passar a ser novamente incluído no programa e é destinado a outra família na lista de espera, lembra. 

Com o agravamento da crise econômica, os beneficiários com pagamentos em atraso passaram a receber ligações e mensagens de celular da Caixa já nos primeiros dias após o vencimento das faturas. O recrudescimento na cobrança se deu sobretudo na faixa 1.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO