Novas regras propostas pela Prefeitura para a construção de moradia na região central de São Paulo estão previstas para entrar em segunda votação na Câmara no dia 24. O projeto divide opiniões em diferentes setores, de incorporadoras a movimentos sociais, e está com alterações em discussão. Um dos pontos debatidos é a manutenção da isenção da taxa cobrada para erguer edifícios acima do limite de altura básico (a chamada “outorga onerosa”) em distritos como o da Sé e da República.
Enviada aos vereadores pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB) em novembro de 2020, a proposta é referente ao Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Setor Central, com o qual a gestão Ricardo Nunes (MDB) pretende levar mais 200 mil moradores ao centro. A segunda votação estava prevista para hoje, mas foi adiada. Um dos motivos apontados por vereadores para a mudança de data são as ao menos 38 emendas apresentadas nos últimos dias. Também há pressão do mercado e de movimentos sociais por alterações. A ideia é que o texto substitutivo ao original seja apresentado na última audiência pública sobre o tema, remarcada para terça, às 15 horas, no plenário.
O PL precisa de 37 votos favoráveis. Em primeira votação, foram 39, com 15 contrários. Se aprovado, será enviado para sanção do prefeito. Uma possível aprovação do PL também vai revogar a Operação Urbana Centro, criada há 25 anos e que também visava a aumentar a população da região. Uma das principais apostas para que isso ocorresse era a isenção de outorga onerosa em trechos da Rua da Consolação e das Avenidas Ipiranga, Rangel Pestana, Senador Queiroz e do Estado, além de outras vias, enquanto a cobrança da taxa segue mantida na maior parte da cidade e é uma das principais fontes de recursos para projetos em áreas públicas. No caso do PIU, a estimativa é de que o recurso fosse dividido em 40% para moradia popular, 20% na recuperação de equipamentos públicos, 5% na restauração de bens tomados e 35% em infraestrutura.
Transição
Uma das mudanças mais discutidas para o substitutivo é manter a isenção da taxa para a região da Sé e criar uma cláusula da transição para a República, com aumento paulatino, a cada cinco anos, na cobrança até atingir 100% do que é cobrado para outras partes da cidade. Desse modo, os empreendimentos lançados nos próximos cinco anos pagariam um porcentual (que poderia ser de 35% ou 50%), por exemplo. Líder do governo na Câmara, Fabio Riva (PSDB) afirma que estão sendo ouvidos todos os setores interessados durante o processo de elaboração do novo texto. “A palavra aqui é melhorar, mesmo que tenha de aumentar o perímetro, dar condições de outorga para uma determinada região, principalmente da Sé.”
O vereador aponta que o PL está entre outros projetos de mudanças urbanas que estão previstos para entrar na pauta neste ano, como os PIUs Vila Leopoldina e do entorno dos Rios Pinheiros e Jurubatuba, dentre outros, incluindo alguns já aprovados, como a lei que incentiva o retrofit no centro. “Nós reservamos este ano para a pauta urbanística, e estamos avançando”, diz. “A cidade não tem tempo a perder.”
Visões antagônicas
Presidente da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente da Câmara Municipal, Paulo Frange (PTB) diz que uma avaliação sobre o impacto nas finanças municipais foi solicitada pelos vereadores, mas citou que Nunes tem defendido que se trata de um projeto que não visa A um aumento na arrecadação, mas sim à “transformação do território” para se “investir o máximo agora para ‘repovoar’ o centro”. “O Município hoje tem conforto no caixa.”
Já Luana Alves (PSOL) avalia que a proposta não se traduzirá em mudanças na vida da população empobrecida que vive no centro, como os moradores de cortiço ou em situação de rua. “Isso não está sendo levado em conta.”
O fim da isenção é criticado especialmente por representantes do mercado imobiliário. Coordenador executivo de Assuntos Legislativos e Urbanismo no Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Comerciais e Residenciais de São Paulo (Secovi-SP), Eduardo Della Manna propõe que a isenção seja mantida na área classificada no PIU como “setor Centro Histórico”, que é semelhante à abrangida pela Operação Urbana Centro. Ele também critica um trecho do PL que determina o tamanho médio mínimo para cada novo apartamento (proposto pela Prefeitura para ampliar a oferta para famílias), mas que argumenta ir contra a tendência de diminuição da metragem das unidades.
Mesmo setores com posições antagônicas ouvidos pelo Estadão concordam que era necessária uma revisão diante das transformações do centro, porém questionam o tamanho da área abrangida pelo PIU, de mais de 2 mil hectares, incluindo distritos mais à leste, como Brás, Belém e Pari. Professora de Urbanismo na Universidade de São Paulo (USP), Paula Freire Santoro critica a proposta, por propor a transformação do centro por meio de novos empreendimentos imobiliários. Ela avalia que o foco do Município deveria ser em dar melhores condições de vida à população que vive em situação de vulnerabilidade na área.
Também defende a priorização da população da periferia, que não seria atendida pelos novos edifícios. “A produção não está indo para quem precisa, mas para investidores que vão alugar.” Além disso, ela critica a manutenção das isenções, pois vão esvaziar a possibilidade de investimento da outorga em melhorias.
Matéria publicada em 17/08/2022