Por Nathália Larghi
Desde que a Selic entrou em trajetória de alta, em março de 2021, os juros saíram de 2% ao ano para 12,75% ao ano. Além de elevar o custo de financiamentos e empréstimos, essa alta também faz com que o rendimento de aplicações financeiras de renda fixa, especialmente as atreladas diretamente ao CDI ou Selic, fique maior. Com isso, muitos brasileiros passaram a fazer ajustes em suas carteiras de investimentos e a mirar mais em ativos de renda fixa.
Um levantamento feito pelo buscador de investimentos Yubb mostrou que em abril do ano passado, quando a Selic estava em 2,75% ao ano, os ativos mais procurados na plataforma eram as ações e os fundos de ações. Em seguida, apareciam os Certificados de Depósito Bancário (CDBs) e os títulos públicos negociados no Tesouro Direto. Um ano depois o ranking praticamente se inverteu: os mais procurados passaram a ser títulos de renda fixa como os CDBs, o Tesouro Direto, as Letras de Crédito Imobiliário e do Agronegócio (LCIs e LCAs), as Letras de Câmbio (LCs) e os Recibos de Depósitos Bancários (RDBs) e os fundos multimercados.
Em um ano, as ações saíram da primeira posição nas buscas para a oitava colocação no ranking. Já os fundos de ações deixaram a segunda colocação para ocupar a nona.
A mudança sugere que possa existir um "comportamento de manada", com os investidores reagindo aos acontecimentos recentes do cenário macroeconômico e aos ativos que ganham os holofotes, seja por passarem a ser mais comentados por criadores de conteúdos financeiros na internet ou pelas próprias notícias. Bernardo Pascowitch, fundador do Yubb, conta que esse tipo de tendência é normal, mas afirma que isso é longe de ser o mais ideal ou saudável para a vida financeira.
"Essa mudança de comportamento do investidor é bastante comum. Vemos que eles acabam reagindo ao cenário atual da macroeconomia, aos investimentos mais comentados por influenciadores e àqueles com maior e menor valorização nos últimos dias", explica. "Vemos que não há uma visão de longo prazo por parte dos investidores, mas muito mais voltada ao curto prazo: investimentos que tiveram uma boa performance nas últimas semanas tendem a atrair um interesse maior em detrimento dos investimentos que tiveram performance pior", diz.
O problema desse tipo de compotamento, no entanto, é que muitas vezes os ajustes feitos na carteira não são compatíveis com o perfil daquele investidor ou até mesmo com seus objetivos.
"Sabemos que essas mudanças não são baseadas em estratégia, mas em performance passada de curtíssimo prazo. Os investidores deveriam basear a sua tomada de decisão na diversificação da sua carteira, na realização de aportes recorrentes e na visão de longo prazo", afirma Pascowitch.
A movimentação da saída da renda variável para a renda fixa foi sentida, inclusive, na indústria de fundos. Segundo Marília Fontes, sócia-fundadora da Nord Research, os analistas viram um resgate significativo nos fundos de ações e multimercados desde que a Selic começou a subir. Simultaneamente, os aportes em fundos de renda fixa aumentaram. "Tanto o investidor saiu de ações específicas para ir para produtos específicos, quanto os próprios fundos tiveram essa mudança. E é por conta da Selic, sim, ela é o principal fator", afirma.
Oportunidades
A especialista concorda que a migração nem sempre é positiva para os investidores, mas admite que há muitas oportunidades na renda fixa e que devem se perpetuar. Segundo Marília, os juros devem continuar altos por um tempo devido à inflação que segue "alta e consistente" e sem sinais de que deve arrefecer em breve.
"Tem gente no mercado que espera uma queda da Selic já neste ano. Acho difícil isso acontecer pela persistência dos dados de inflação alta. Ainda por cima, temos eleição e precisamos esperar para ver como será a política fiscal no ano que vem", explica.
Para a especialista, as principais oportunidades estão em produtos pós-fixados. Esses títulos têm o retorno variável de acordo com algum indexador econômico, que pode ser, por exemplo, a Selic.
"As oportunidades na renda fixa pós-fixada vão se manter. Tem gente ansiosa para se fixar em inflação mais longa. Eu acho isso arriscado, porque e se o próximo presidente flexibilizar o teto de gastos? Os juros subirão mais. Se os EUA elevarem mais os juros? Os juros subirão mais. Acho complicado se travar também em um prefixado mais longo. Então, os pós-fixados seguem como melhor oportunidade nesse período", afirma. Segundo a especialista, as oportunidades em títulos de crédito privado, em que o investidor "empresta dinheiro" para uma empresa ou instituição financeira, também devem continuar aparecendo.
"Quando vem demanda forte para renda fixa, as empresas aproveitam. Porque aumentou o custo dos insumos das empresas, então elas precisam de mais caixa, de mais financiamento, de capital de giro. Então acho que eles vão continuar emitindo títulos", afirma.
Vinícius Romano, analista da Suno, concorda que há oportunidades e afirma que, caso o investidor faça aportes mensais, não há problema em se focar na renda fixa. "O ruim é quando a pessoa tira da renda variável para colocar na renda fixa, porque muitas vezes pode acabar vendendo um ativo que está a um preço baixo e comprando um que está caro e é justamente o oposto do que buscamos", explica. "Mas se ele investe todo mês, pode ser bom priorizar a renda fixa agora que tem muitas oportunidades", diz. Ele destaca, no entanto, que o investdor precisa ter atenção antes de escolher seus ativos.
"Um primeiro filtro é entender qual é o tipo de garantia que você tem naquele título. Os do governo, do Tesouro Direto, são os mais seguros, depois tem os bancários, em que a grande maioria tem proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) e, por último, tem as CRIs e CRAs com a questão do 'rating' (espécie de avaliação do quanto aquele título é seguro)", explica.
O FGC foi criado em 1995 e funciona como um "seguro" para quem investe em instituições financeiras. Assim, estão cobertas por esse seguro as aplicações em Certificado de Depósito Bancário (CDB), Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), além de depósitos em conta corrente e poupança, entre outros.
Já o chamado "rating" é um termo em "inglês" que designa a classificação de risco de crédito da empresa que está emitindo aquele título. Trocando em miúdos, ele é uma nota para saber o quanto é seguro emprestar dinheiro para aquela companhia, ou quais as chances de ela honrar com aquele compromisso financeiro.
Romano destaca, no entanto, que, se possível o investidor deve procurar mais informações além do rating. "Se o investidor já tiver um conhecimento mais prévio de contabilidade é bom entender como aquela empresa está no momento, ver as projeções para o futuro, etc. O importante, antes de investir, é ver as garantias atreladas àquele investimento. Algumas empresas, por exemplo, atrelam a dívida a imóveis ou têm a fiança do acionista que está por trás da companhia e etc. Então, é preciso estar atento a isso", conclui
Matéria publicada em 07/06/2022