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03/02/2022

Com clientes famosos, corretores de imóveis de luxo faturam R$ 200 mil por venda

O valor geral de vendas destas propriedades chegou a R$ 340 milhões somente em Fortaleza, segundo o Secovi-CE

O mercado imobiliário de luxo cearense disparou 109% em 2021, com o valor geral de vendas de R$ 340 milhões, segundo o Sindicato de Habitação do Ceará (Secovi-CE). Por trás desses números, além de clientes ricos e famosos, estão corretores que faturam, pelo menos, R$ 200 mil em cada imóvel negociado por R$ 5 milhões. 

É o caso de Rodrigo César Alencar, de 40 anos. Há 15 anos na corretagem de alto luxo, ele diz receber comissão de 4% a 5% em vendas de apartamentos na planta e construídos, respectivamente. 

“Os 6%, previstos na legislação, geralmente, são pagos só no Sul do País. Aqui, 90% das construtoras pagam esses percentuais”, afirma.

Outras fontes já dizem não haver modificações para o nicho de mercado, seguindo o teto fixado em 6%. Nestes casos, a remuneração subiria para R$ 300 mil. Uma pessoa do setor, contudo, pondera que a comissão também pode ser reduzida para 2%.

O Secovi-CE considera de alto padrão propriedades com tamanhos a partir de 250 m², custando cerca de R$ 20 mil o metro quadrado. Ou seja, essas moradias valem a partir de R$ 5 milhões.

 

Os dados da entidade mostram que, no ano passado, o quantitativo de apartamentos vendidos neste valor chegou a 92. Em 2020, foram 44 unidades. Juntas, essas aquisições passaram de R$ 124 milhões para R$ 340 milhões, em 2021. 

Como funciona o mercado imobiliário de luxo: quem compra e vende 

No Ceará, apenas 2,3% da população recebem acima de cinco salários mínimos (R$ 5,2 mil) por rendimento domiciliar per capita, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), considerando o último ano de levantamento, em 2020.

Isso demonstra o quão restrito é esse mercado luxuoso. Quando não se é herdeiro ou não há investimentos de longo prazo, é necessária uma renda bem superior a essa para comprar um apartamento de R$ 5 milhões. 

Poucos e cautelosos, a maioria destes endinheirados entende de economia, engenharia e arquitetura. Vender algo para esse público exige conhecimento sobre essas áreas e, também, que o corretor pertença ao mesmo ciclo social para conseguir ter acesso a eles. 

Por isso, muitos destes vendedores são tão famosos quanto os clientes. 

 

O corretor Rodrigo César conta ter clientes como o cantor Wesley Safadão, as irmãs sertanejas Simone e Simaria, o presidente do Grupo Newland, Luiz Teixeira, e outros grandes empresários do Ceará. 

Ele entrou neste mercado quando ainda era estudante de Direito, aos 25 anos. Rodrigo conta que observara o pai, um ex-bancário do alto escalão de uma instituição financeira, investir em imóveis e obter ganhos elevados nesta segunda atividade. Rodrigo resolvera, então, se arriscar e desfrutar da convivência com pessoas abastadas. 

“Lógico que o meu ciclo social foi importante para ter acesso a esses clientes. Como eu já tinha algumas amizades, comecei vendendo para alguns amigos e começaram as indicações”, lembra, acrescentando que, nesse meio, o “networking” (rede de contatos) é crucial. 

 

Rodrigo também se especializou em Direito Imobiliário para atender ao público. “A formação ajuda muito a concretizar as vendas. São valores altos e envolve confidencialidade”, diz. Apesar disso, frisa, há desafios para permanecer no segmento. 

"É muito difícil no começo. Sou um ponto fora da curva e não gosto de frustrar as pessoas dizendo que é fácil, pois não é. Ter um ciclo social facilita. É um mercado complicado para conhecer quem compre e conquistar a confiabilidade do cliente, que são muito ocupados e cautelosos", pondera. 

Durante a visita para imóveis de alto luxo, algumas empresas oferecem champanhe e até passeios de helicópteros. O processo de negociação também pode ser mais demorado devido à dificuldade para encontrar um apartamento ou casa que atenda todas as necessidades deste cliente mais rigoroso.

O corretor Natanael Bandeira, que atua no setor de médio e alto padrão, considera não ser fácil impressionar esse perfil de comprador. 

 

“A maioria dos consumidores busca sair do aluguel e abre mão de algumas questões para encontrar uma forma de ter o primeiro imóvel. Já o de alto padrão, que já tem tudo, pensa diferente", analisa.

"Eles sabem os nomes dos acabamentos e pedras utilizadas, por exemplo. O corretor precisa conhecer sobre vários assuntos que vão além do produto e ter um atendimento totalmente direcionado”, complementa. 

Natanael salienta que “vendas apelativas” não funcionam para esse consumidor e o ideal é estar bem informado e preparado. 

 

Neste mercado há mais de três décadas, o corretor Kalil Otoch destaca o aquecimento do setor diante da maior oferta de lançamentos em 2021.

“Percebemos o aumento da demanda. São consumidores que já estão com a vida estabelecida e querem morar em apartamentos maiores e mais modernos, mas há muitos investidores que compram a preço de custo para revendê-los”, aponta. 

Por que o mercado de luxo cresceu?

Vista para o mar, espaço mínimo de 250 m², rooftop (estrangeirismo adotado pelo setor para terraço sofisticado), vizinhança famosa, reafirmação do status social e investimentos. Essas foram algumas das características e razões que levaram à venda 92 imóveis a partir de R$ 5 milhões em 2021, em Fortaleza.

A avaliação é de que o aumento das fortunas dos mais ricos, novas exigências em razão da pandemia e a migração de investidores impulsionaram essa fatia do mercado imobiliário.

Segundo presidente do Secovi-CE, Sergio Porto, "na pandemia, pessoas com alto poder aquisitivo buscaram ainda mais qualidade de vida".

 

"Como elas já têm conforto, foram demandados mais banheiros, banheiras grandes, ofurô, escritórios maiores e isolados de barulhos”, lista. 

Porto também identifica a demanda por recursos tecnológicos, como automação da climatização do ambiente, de cortinas e de eletrodomésticos. “São adicionados novos luxos. O apartamento de alto padrão é como um hotel cinco estrelas”, compara. 

As exigências mais 'básicas' são região privilegiada, pé direito alto, acabamento refinado e, pelo menos, quatro vagas na garagem. 

 

O presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França, aponta que esse "é um mercado menos sensível ao atual cenário econômico, em que temos juros mais altos e inflação, e ainda menos dependente do financiamento, ao ponto de muitos compradores adquirirem imóveis com finalidade de investimento". 

Ele acrescenta que um imóvel protege o capital da inflação, sendo, portanto, procurado por pessoas de alta renda. 

"Além disso, em grandes cidades, há poucos espaços disponíveis em áreas mais nobres, o que torna bastante atrativo os produtos de luxo que são lançados. Dessa forma, temos uma projeção otimista para o mercado de luxo", projeta. 

O economista Sergio Melo avalia que o excesso de liquidez somado à baixa rentabilidade provocou o redirecionamento dos investimentos financeiros para o setor imobiliário, puxando as vendas de luxo para cima. 

 

“O Brasil viveu, pouco antes da pandemia, taxas de juros extremamente baixas. Os rendimentos daqueles que vivem de renda e aplicam seus recursos em papéis caíram absurdamente”, mensura.

Entre o fim de 2020 e o primeiro semestre de 2021, a taxa básica de juros da economia, a Selic, ficou em 2% — menor patamar da história. 

“Isso provocou uma mudança no objetivo daqueles que têm muito dinheiro e vivem de renda. Além disso, apesar de caros, o Ceará ainda pratica preços muito aquém de diversas capitais brasileiras, como o Rio de Janeiro", analisa.  

Outro ponto, acrescenta, é que o segmento de luxo cearense ainda é pequeno e há uma demanda reprimida, inclusive para moradia. Diante disso, construtoras e incorporadoras apostaram em vários lançamentos ao longo de 2021. 

 

Melo considera que a tendência para esse nicho de mercado seguirá em alta, mas pondera o risco de reversão do quadro em caso de descontrole da inflação. 

Crescimento do setor imobiliário de luxo reflete desigualdade

O professor de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, evidencia que o crescimento do mercado de luxo retrata a desigualdade socioeconômica. 

“É a marca da civilização moderna e tecnológica: os ricos ficam mais ricos. Por outro lado, a humanidade passa por um empobrecimento generalizado. Diante disso, o poder de compra se concentra e o empresário percebe. Ele, que é um farejador de oportunidades, percebe esse processo e começa a explorar os nichos”, avalia.

Dados da Oxfam Brasil mostram que os 10 homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas, passando US$ 700 bilhões para US$ 1,5 trilhão, durante os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19.  

A taxa corresponde a US$ 15 mil por segundo, ou US$ 1,3 bilhão por dia. Já a renda de 99% da humanidade caiu e mais de 160 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza. 

 

"É assim há muito tempo, desde a inauguração da civilização moderna após a primeira revolução industrial e, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945)”, contextualiza historicamente o processo de desigualdade.   

No Ceará, segundo o indicador de concentração de renda medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice de Palma, os 10% mais abastados (acima de cinco salários mínimos) se apropriaram de 4,1 vezes mais de toda renda obtida do que os 40% com os menores rendimentos (menos de um salário mínimo). 

A desigualdade poderia ter sido ainda maior se não não houvesse programas sociais dos governos (federal, estadual e municipais) naquele ano. Segundo o IBGE, neste cenário, o indicador de Palma no Estado do Ceará seria de 8,72. 

Ou seja, os 10% com mais recursos se apropriariam de 8,7 vezes mais do rendimento total que os 40% com as menores rendas. Os dados do IBGE foram divulgados em dezembro de 2021, mas correspondem ao ano de 2020.   

FONTE: DIáRIO DO NORDESTE