Menos ligada a posse de bens e mais afeita à cultura do compartilhamento, as gerações Y (nascidos entre 1982 e 1994) e Z (a partir de 1995) têm ajudado a impulsionar um mercado que até pouco tempo era inexistente no Brasil: o multifamily – prédios habitacionais em que todos os moradores são apenas locatários. Em muitos casos, as unidades – com tamanho entre 30 m² e 140 m² – já vêm mobiliadas e com uma série de serviços para dar mais comodidade ao morador. Como dizem os empreendedores, o objetivo é oferecer uma experiência ao inquilino.
Os prédios contam com lavanderia, internet, coworking, aluguel de veículos e bicicletas, arrumadeira e academia, entre outros serviços. Normalmente, são construídos em áreas bem localizadas, perto de metrôs e comércio farto, onde o preço do imóvel para compra está em patamar bastante elevado. Mas um dos maiores atrativos é que as administradoras dos apartamentos não exigem fiador para fechar o contrato, uma burocracia que sempre deu muita dor de cabeça para quem quer alugar um imóvel.
Aperto monetário
A expectativa em torno desse mercado, que nos Estados Unidos representa 80% do segmento de aluguel e na Europa já está consolidado, também está ligada às condições macroeconômicas do País. O ciclo da taxa de juros, hoje em 12,75% ao ano, tende a comprimir a renda do consumidor e tornar a aquisição do imóvel mais cara. Além disso, os níveis de preços de casas e residências em grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, têm tornado o sonho da casa própria cada vez mais distante do bolso do brasileiro.
É a conjunção desses fatores que tem motivado construtoras e incorporadoras a apostar nesse nicho de mercado, que está apenas começando no Brasil. A Luggo, empresa da MRV criada para desenvolver e gerir esses prédios novos, já lançou 592 unidades para locação, sendo que 588 estão ocupadas. A empresa fechou uma parceria com a canadense Brookfield para construir 5.040 unidades no Brasil inteiro até 2025. A empresa vai construir os prédios, vender para a multinacional e depois fazer a gestão dos ativos, diz o chefe da área comercial e operações da Luggo, Rodrigo Lutfy.
Ele conta que a decisão de apostar nesse mercado no Brasil surgiu depois que o grupo comprou uma empresa nos Estados Unidos e viu o potencial do negócio. “Aqui há muito espaço para crescer. E com a Selic no atual patamar fica mais interessante”, diz ele, que aposta num público mais em início de carreira. Os jovens, diz ele, estão postergando a compra do imóvel. Preferem a liberdade de poder escolher onde morar e quanto tempo. Gostam de experimentar. Na Luggo, os aluguéis são a partir de R$ 2,2 mil, com condomínio e IPTU inclusos.
Gestão profissional
Atualmente cerca de 30% da população vive de aluguel, sendo que 95% dos negócios são com pessoa física – o que configura um mercado amador. No mundo todo, perceberam que esse é um ativo com pouca volatilidade e decidiram profissionalizar a gestão, diz o presidente da Vitacon, Ariel Frankel. Segundo ele, tem gente que não quer comprar ou que não consegue comprar, mas quer morar perto do centro financeiro.
“Fazemos studios de um ou dois dormitórios, de 20 a 90 m², muito bem pensados”, diz o executivo. As unidades são decoradas e oferecem uma série de serviços para que o inquilino não se incomode com nada. A empresa tem cinco edifícios em São Paulo e mais dois projetos em aprovação. O foco são regiões como Paulista, Faria Lima, Perdizes e Chucri Zaidan, em São Paulo.
O sócio do escritório NFA Advogados Ricardo Negrão, especializado em mercado imobiliário, conta que a maior parte dos projetos que tem acompanhado está sendo erguida em bairros nobres, portanto destinada a um público de classe média alta. “Os preços de imóveis nessas áreas estão numa crescente, o que dificulta a compra pelo consumidor. Mas muitos têm o desejo de morar nessas regiões. Então a solução é alugar.”
No Rio de Janeiro, por exemplo, bairros como Leblon e Ipanema vivem esse fenômeno de ter preços tão altos que as pessoas não conseguem comprar, diz Negrão. Fora do País, Canadá e Hong Kong também vivem essa realidade. “Pode ser que, ao longo do tempo, outras regiões entrem nessa lista.”
Busca por terrenos
Por isso, as construtoras e incorporadoras estão aproveitando para comprar áreas nesses bairros, mesmo que pequenas. A Vila 11, do fundo Evergreen, comprou 16 terrenos para construir prédios destinados a aluguel. Em 2017, o fundo decidiu investir R$ 1,5 bilhão nesses empreendimentos no Brasil. Em 2019 ficou pronto o primeiro prédio, com 100 unidades, na Vila Madalena. Há um mês, a empresa inaugurou o segundo prédio, agora na Bela Vista, com 142 unidades.
Até o fim do ano, serão mais quatro entregas. No total, a empresa vai contar com 600 unidades prontas. “Tivemos um aporte de mais de US$ 50 milhões para iniciar a construção dos demais 10 empreendimentos nos Jardins e no Itaim, previstos para o ano que vem”, diz Ricardo Laham, presidente da Vila 11, que desenvolve e administra os prédios para locação em São Paulo.
Ele acredita que o aumento da taxa de juros cria um ambiente favorável ao crescimento desse mercado no Brasil. “A cada 1% de aumento na taxa, a renda necessária para aquisição de um imóvel sobe 10%.” Segundo o executivo, o efeito é imediato: as pessoas ficam com medo de se endividar para comprar e também têm menor capacidade financeira.
O presidente da Next Reaty, Felipe Antunes, concorda: o poder de aquisição do brasileiro vem caindo muito nos últimos anos e joga esse público para a locação. A empresa tem três prédios nos Jardins, com 189 unidades. Parte dos apartamentos é dedicada ao aluguel de curta duração, que pode ser de 3 dias a 3 meses. Os empreendimentos têm serviço de concierge, restaurante ou café, spa e coworking, além de muita tecnologia envolvida seja nos acessos ou nos ambientes comuns. Para 2024, a empresa tem dois lançamentos: um na Bela Cintra, de 22 m² a 42 m², e outro na Padre João Manuel, de 154 m², voltado para locação de longa temporada.
Aluguel é saída para a instabilidade financeira
Elizângela Rosa da Silva Costa, de 38 anos, e Dharana Calesco Rezende, de 33 anos, moram de aluguel. As duas optaram pelo multifamily – estrutura de habitação na qual todos os moradores são apenas locatários. Com tecnologia e inovação, os empreendimentos são compactos e cabem no bolso dos consumidores.
No caso de Elizângela, o apartamento tem 50,93 m² e o aluguel custa R$ 1.736, incluindo condomínio, IPTU, água e gás. O imóvel fica em Belo Horizonte, onde ela mora com o marido e o filho, de três anos. “Tentamos comprar um apartamento, mas a parcela do financiamento seria muito alta. Essa foi a melhor opção para nós."
A analista de sistema diz que procurou outras alternativas no mercado, mas a burocracia desanimou o casal. “Aqui não precisava nem de fiador e a negociação foi mais fácil.” Além disso, diz ela, o empreendimento oferece uma série de serviços que compensa muito, como segurança, playground, academia, minimercado, lavanderia e aluguel de carro. “Não penso em sair daqui tão cedo.”
Dharana mora em São Paulo e alugou um apartamento, de 27 m², nos Jardins para morar. Segundo ela, a escolha está associada à sua instabilidade financeira desde que começou a pandemia. Assessora de eventos, ela teve os rendimentos comprometidos por causa do isolamento social. Por isso, optou por um negócio que não lhe amarrasse tanto no caso de algum problema. “Aqui fico o tempo que quiser.”
Antes desse apartamento, ela morava num outro imóvel alugado de uma pessoa da família. “Mas a manutenção me dava muita dor de cabeça. Isso eu não tenho aqui”, diz ela, que não pensa em comprar um imóvel tão cedo. “Não sei se vale a pena. A não ser que tenha uma família.”
Um dos benefícios do empreendimento foi pegar o apartamento todo mobiliado e decorado. “Só precisei trazer a mala com as roupas. O resto estava tudo aqui, pronto.” Outra vantagem é a sala de reunião, onde consegue atender os clientes e trabalhar. “Isso sem contar que já tem serviço de faxina, o que é muito bom.”
Matéria publicada em 23/05/2022