Para entender os efeitos da alta da taxa básica de juros (a Selic) no financiamento de imóveis, podemos imaginar uma situação. Se o aumento da Selic fosse um terremoto, as pessoas que estivessem por perto, ou dentro de um edifício, ficariam bastante machucadas. Já o prédio teria alguns problemas na estrutura – mas nada grave. O impacto da tendência de alta é sentido por todos – pessoas físicas e bancos - mas de formas diferentes. A taxa de referência dos juros no Brasil é usada como base para investimentos de renda fixa e operações de crédito, como o financiamento de imóveis.
O mercado já esperava a subida da taxa referencial de juros para 11,75%. Os números mostram que houve “estrago”, em razão da tendência de alta dos últimos meses. Mas o setor ainda não pode reclamar muito. O total financiado para a pessoa física em 2021, de R$ 165 bilhões, foi maior do que o do ano anterior, de R$ 93,9 bilhões. “O mercado sentiu, mas não foi desesperador”, diz Rafael Costa, chefe de produto da CrediHome.
O consumidor que está interessado em financiamento não deve perceber o aumento tão já. Sandro Gamba, diretor de negócios imobiliários do banco Santander, afirma que os recursos destinados ao crédito imobiliário estão atrelados à poupança. “O crédito imobiliário é de longo prazo. É feita uma análise da curva dos juros futuros”. A taxa do Santander hoje é de 9,49% ao ano mais TR. Apesar do otimismo, o diretor reconhece que 2022 não conta com as variáveis positivas de 2021.
Uma conta simples: um casal está interessado em financiar um imóvel de R$ 500 mil. Pretende dar R$ 200 mil de entrada e parcelar os R$ 300 mil restantes em trinta anos. Antes da subida da Selic, a prestação seria de R$ 3.241. Agora, a taxa, em algum momento, deve ficar em torno de 10,5%. O valor da prestação sobe para R$ 3.470. O financiamento total, que era de R$ 862 mil, pula para R$ 902 mil.
“Precisamos levar em conta o cenário de curto prazo. Tudo indica que na próxima reunião do Copom, no início de maio, a Selic tenha novo aumento. Uma saída para o consumidor é optar pelo financiamento atrelado à poupança, que tem uma taxa de 2,99% mais o rendimento da poupança. Isso é uma vantagem de longo prazo. Quando a Selic começar a cair, o rendimento da poupança acompanha e a prestação do imóvel também”, indica Costa.
Histórico - Em junho de 2021, a Selic era de 4,25%. E a taxa média praticada pelos bancos, de 7,20% mais a TR. Em dezembro, os índices pularam, respectivamente, para 9,25% e 9,21%. “A taxa do financiamento vai aumentar. Mas terá que parar porque senão os bancos não conseguirão fazer negócio. É a lei de mercado”, explica Paulo Chebat, CEO da MelhorTaxa.
Ele chama a atenção para a competição entre os bancos, que pode beneficiar a pessoa interessada em fazer o financiamento do imóvel. A Caixa Econômica Federal retomou um espaço conquistado pelos bancos privados – que não querem ficar para trás. “A taxa anual hoje é de aproximadamente 10% mais a TR. Com o aumento do Copom, pode subir entre 1,5% e 2%, mais a TR. Mas isso pode ser mudado. Os bancos não querem perder para a concorrência e podem diminuir o índice”.
Chebat afirma que o consumidor precisa analisar o cenário. De um lado, por exemplo, ele tem o imóvel que sempre quis. Se ele deixar o negócio para depois, por conta da alta da taxa, pode perder e se arrepender. E, se for à frente, vai arcar com valores maiores. “Depende do momento de vida de cada um”.
O banco faz análise minuciosa para evitar o risco de inadimplência. Chebat, porém, alerta que o consumidor também tem que ficar de olho na hora de escolher o financiamento. “É preciso considerar as outras exigências dos bancos, que às vezes querem que o cliente mantenha produtos para conseguir uma taxa atraente. Pode não valer a pena”.
Há outro ponto que precisa ser levado em conta. Muitos deixarão de ter acesso ao financiamento em razão do maior custo de crédito para a compra do imóvel. É que a parcela não pode ultrapassar 30% da renda familiar. “A pessoa ficará excluída. Ela terá que diminuir o valor do imóvel, aumentar o montante dado na entrada ou escolher um bem mais em conta, diz a professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e planejadora financeira CFP, Paula Sauer.
Para ela, quem tiver possibilidade de esperar para fazer o financiamento imobiliário, é o melhor a se fazer. “Esta não é hora de tomar crédito”.
(Matéria publicada em 22/03/2022)