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15/12/2021

Como a empresa que revolucionou o mercado imobiliário brasileiro levou só 16 meses para virar unicórnio

O húngaro Mate Pencz e o alemão Florian Hagenbuch se conheceram ocasionalmente em 2008 durante um estágio num grande banco e perceberam que compartilhavam o mesmo sonho de empreender em algo novo e desafiador

A primeira tacada de sucesso foi a Printi, uma plataforma online de serviços de impressão via internet. Saíram em 2016, turbinados com o aporte de R$ 60 milhões da americana Vistaprint, e criaram a Loft em 2018, com a mesma proposta de usar a tecnologia para ganhar escala, agora no ramo imobiliário.

 

Na pandemia, sofreram com a retração do mercado e reagiram abrindo a plataforma para anúncios de terceiros. Deu certo. No começo de 2020 a Loft possuía 300 apartamentos na plataforma. Em um ano, passou para 10 mil. Atualmente, tem 25 mil apartamentos em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

 

Nessa escalada, a Loft adquiriu a CredPago, com mais de 123 mil contratos, que somam R$ 40 bilhões em ativos sob gestão, e a CrediHome, gerando mais de R$ 7 bilhões de financiamento imobiliário. A empresa se tornou unicórnio em tempo recorde, apenas 16 meses após a fundação. Na entrevista abaixo, Mate conta como tudo aconteceu.

 

ÉPOCA NEGÓCIOS Por que você e o Florian decidiram empreender?

Mate Pencz Estávamos num setor bom, o bancário, num ambiente interessante e desafiador. Mas era algo muito ‘teórico’. E eu senti vontade de aterrissar e colocar a mão na massa, entender como a economia real funciona. Sair do macro e ir para o micro. E nada melhor do que abrir uma empresa do zero para entender como o processo funciona. Além disso, tinha um desejo grande de causar um impacto real e tangível, o que explica por que resolvemos empreender aqui e não na Europa ou Estados Unidos. O Brasil é um país com maiores desafios, mas também com mais oportunidades. Em 2008, as empresas de tecnologia brasileiras já estavam crescendo e ganhando escala. A gente via que as dores aqui eram maiores do que nos EUA e na Europa, mas o poder da tecnologia de aumentar a eficiência de processos também era maior. Foi assim que criamos a nossa primeira empresa, a Printi, com a ideia de trazer padronização ao mercado, oferecendo um leque mais concentrado de serviços, mas com um preço mais acessível. Isso permitia ganho de escala e menores custos.

 

NEGÓCIOS A Loft nasceu com a mesma proposta?

Pencz Sempre seguimos nessa linha. A transição da Printi para a Loft foi orgânica. A gente diz que mudou de segmento, mas aplicamos os mesmos princípios, os mesmos conceitos de trazer transparência, confiabilidade e eficiência para o processo. Levamos o conceito do mercado gráfico para o imobiliário. Começamos com transação de compra e venda e expandimos para outros negócios, como seguro locatício.

 

NEGÓCIOS Qual era a visão que vocês tinham do Brasil?

Pencz A gente achava que era um ambiente difícil de navegar. Conhecia os rankings de negócios, como o Ease of Doing Business Index, que mostravam as dificuldades. Mas a economia brasileira estava bombando, na época, com as commodities. Teve a capa da The Economist mostrando o Cristo decolando, a sigla Brics sendo criada... Infelizmente, logo depois o país entrou em recessão.

 

NEGÓCIOS Mas vocês cresceram mesmo assim...

Pencz Sim. É preciso ter um certo grau de “ingenuidade” para encarar os desafios e enxergar as oportunidades. Encarar as dificuldades como oportunidades abre o caminho para negócios grandes, principalmente se eles melhorarem a experiência do consumidor final. A chave do nosso sucesso é estarmos num país com 200 milhões de consumidores sensíveis a preço.

 

NEGÓCIOS Isso é importante?

Pencz Sem dúvida. Um insight que tivemos, e que empresas que não deram certo não tiveram, foi oferecer uma solução democrática para todo o mercado. É preciso atender quase toda a pirâmide social para funcionar. Não adianta apenas dizer que oferece um serviço melhor. Além de ser melhor, tem que ser mais acessível.  Nós e praticamente todos os unicórnios brasileiros usam a tecnologia para ter uma estrutura de custos mais barata e um serviço mais eficiente. O consumidor brasileiro quer isso.

 

NEGÓCIOS E por que, depois da venda da Printi, decidiram ir para o mercado imobiliário?

Pencz Olhamos vários setores antes de decidir. Nossa ideia era encontrar um mercado com características parecidas com o da indústria gráfica, ou seja, que tivesse uma grande fragmentação, com muitas empresas operando sem transparência e confiabilidade. Um mercado grande, mal atendido e com possibilidade de consolidação, que pudesse ser melhorado com o uso de tecnologia. Enxergamos isso no setor imobiliário, que tem um potencial muito maior do que o gráfico. É a maior classe de ativos do mundo. Isso nos motivou a ter uma perspectiva de ciclo muito mais longo. Talvez a gente nunca saia da Loft. Porque sempre vão surgir oportunidades dentro do guarda-chuva da empresa. Me identifiquei com o setor. Ainda que o mercado não avançasse na época, também vimos fatores positivos, como a queda dos juros, que poderiam contribuir para o crescimento da empresa.

 

NEGÓCIOS Vocês sabiam o que as pessoas queriam?

Pencz Sim, porque também vivemos as dores de quem compra ou aluga um imóvel. Sentimos na pele a falta de oferta de soluções melhores no mercado. E vimos que havia espaço para a criação de uma empresa grande que atacasse essas dores num modelo mais próximo do e-commerce do que o de anúncios. Havia clientes dispostos a transacionar um bem de alto valor na internet da mesma forma como transacionavam itens mais baratos. Muitas empresas já atuavam no setor de carros usados, por exemplo, comprando e vendendo na internet, como se fosse na Amazon ou Mercado Livre. Pensamos: quais são os outros produtos que as pessoas consomem que não estão online? Imobiliário foi o mais interessante.

 

NEGÓCIOS Qual é o grande diferencial da Loft?

Pencz Diria que é o uso de dados e precificação. Somos a única empresa que realmente trabalha com dados reais. Nós transacionamos imóveis nos nossos balanços, temos entendimento da oferta e demanda em tempo real. Usamos os dados de precificação como base e a tecnologia para levar as soluções para a ponta, conectando as partes envolvidas na transação. Ou seja, a gente usa a tecnologia para garantir que o comprador e o vendedor, assim como o locador e o locatário, estejam todos conectados em uma plataforma única. Mas é a precificação que traz essa legitimidade. Muitas pessoas vêm para a Loft porque trazemos essa confiança. A gente consegue ajudar na precificação e balizar quanto o imóvel vale e o tempo que ele levará para ser vendido. O tempo é um fator importante. A pessoa pode vender por R$ 500 mil, mas, nesse preço, pode levar nove meses para achar um comprador. Por R$ 485 mil, a venda pode sair em três meses. Esse fator de liquidez é fundamental. Fomos a primeira empresa a tomar o risco de comprar e vender no nosso balanço. Mas foi isso que gerou esse conhecimento. Temos um índice de precificação que mostra o gap entre o preço pedido e o valor efetivamente pago. E com ele vemos como essa diferença evolui. Estamos tentando diminuir esse gap.

 

NEGÓCIOS Uma diferença grande trava o mercado?

Pencz Sim, porque chega a ser de 40%, é muita coisa. Outro insight que tivemos, além da tecnologia e da nossa capacidade de precificação, foi a importância do atendimento humanizado na ponta. Seja na compra ou venda de um imóvel, na parte de seguro ou financiamento, a figura humana do corretor é importante. O que ele precisa é ter dados e tecnologia na mão. Muitas empresas apostaram na eliminação dos intermediários, o que para nós é um erro. O cliente ainda preza o atendimento humanizado.

 

NEGÓCIOS Vocês falam em reinventar o consumo de moradia. O que isso significa na prática?

Pencz De maneira simplificada, queremos tirar o desgaste ainda inerente às transações. Muitas vezes as pessoas continuam morando em locais que já não atendem às suas expectativas apenas para evitar o desgaste da mudança. Esses pontos de fricção ainda são muito grandes. Uma coisa que vimos de fora para dentro, com olhar europeu e americano, é que esse ‘jogo da vida’ é do ser humano, mas no Brasil é muito mais dolorido do que deveria ser. Por isso buscamos criar soluções para facilitar todas as etapas da compra e venda de um imóvel. Queremos que as pessoas possam consumir moradia com mais facilidade.

 

NEGÓCIOS Quais são os obstáculos?

Pencz Veja, só na transação da compra e venda é preciso cumprir 200 etapas até a concretização do negócio. A gente conseguiu comprimir e eliminar várias delas, mas ainda temos muito trabalho pela frente. A complexidade é em todos os níveis. Às vezes, dependendo do bairro, as regras são diferentes. Tem um sistema cartorial altamente fragmentado e complexo.

 

NEGÓCIOS Como resolver isso?

Pencz A saída é reforçar a infraestrutura, investindo cada vez mais em dados, processos operacionais e tecnologia. Muitos perguntam por que a Loft capta tanto dinheiro no mercado. A resposta é simples: porque investimos na infraestrutura para tirar a complexidade do negócio e funcionar na escala que imaginamos. Pegue empresas como Amazon e Mercado Livre. Não são apenas sites de e-commerce, mas empresas de logística, com centro de distribuição, e que conseguem entregar uma pasta de dentes amanhã a um custo acessível. Queremos fazer algo parecido no mercado imobiliário.

 

NEGÓCIOS A Loft demonstra ter facilidade para captar altos investimentos. A que se deve isso?

Pencz Em primeiro lugar, à reputação da empresa. O que fizemos na Printi com certeza ajudou na construção dessa reputação. Mas confirmamos isso com a entrega do que foi prometido. Na medida em que cumprimos o que é combinado com os clientes, mais os investidores nos procuram. E sempre temos planos muito claros de como investir os recursos.

 

NEGÓCIOS Como foi possível virar unicórnio em apenas 16 meses?

Pencz Foi resultado de três rodadas de captação muito rápidas, uma atrás da outra, feitas com muito sucesso. Conseguimos atrair os investimentos necessários para chegar ao valuation de um unicórnio, mas não foi à toa. Foi fruto de resultado e de entrega. E depois fizemos mais uma rodada de captação que elevou o valor da empresa. É legal e importante, mas também aumenta a nossa responsabilidade com os clientes

FONTE: ÉPOCA